quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Feliz Metal (e um próspero Ano Novo)


Aproveitando a chegada das festas de fim de ano, deixarei este blog em recesso até a primeira — ou, dependendo da preguiça, segunda — semana de janeiro. Como anuncia o cartaz que estampa esta postagem, desejo a todos um Feliz METAL e um próspero Ano Novo (do Calendário Maia?).

Como muitos, não gosto dessa época do ano, não: acho tudo demasiadamente melancólico e repleto de obrigações sociais (comprar presentes para a família em shoppings lotados, ceias tardias e sonolentas, festas chatas de reveillon em que todos se fantasiam de médico, etc, etc). Isso sem contar com a trilha sonora regada a sinos e corais — isso me faz lembrar de um amigo que não gostou do Pet Sounds, do Beach Boys, por considerar as músicas muito natalinas — e reuniões de trabalho com a famigerada brincadeira de amigo-oculto. Tudo bem que existe um lado bom nessa história toda: a folga no trabalh... quer dizer... o sentimento de comunhão entre as pessoas. Neste ponto, apesar de não ser dos mais religiosos, a minha impressão é que a comemoração do nascimento de Cristo — motivo pelo qual se celebra a data — fica meio que em segundo plano neste período.

Continuando com minhas lamúrias natalinas, devo confessar que, depois de ir a alguns shoppings procurar um colchão novo para tornar o meu sono um pouco menos agitado, já estou de saco cheio de ouvir falar das maravilhas do tal pillow top de VISCOELÁSTICO, a aclamada tecnologia desenvolvida pela NASA. Isso me leva a refletir: será que, por ser sempre noite no espaço sideral, os astronautas tendem a dormir mais? E, de repente, por essa razão, a NASA, com tantas descobertas relevantes para fazer, como a busca de água em Marte ou o efeito da radiação solar em Mercúrio, optou por deslocar um importante grupo de cientistas só para desenvolver novos tipos de ... colchões e travesseiros? Sei lá, na minha cabeça, o sono estaria em último lugar na lista de prioridades de um astronauta que acabou de fazer sua primeira viagem ao exterior (da Terra, neste caso).

E o que dizer da febre do algodão egípcio de trocentos fios? Pelo que lembro dos meus tempos de escola, o Egito só possuía terras cultiváveis às margens do — gigantesco, é verdade — Rio Nilo. Então, não parece possível, do ponto de vista geográfico, o país ter se tornado produtor do algodão utilizado em todos os lençóis do mundo. E por que essa paranóia do número de fios, de uma hora para outra? Até alguns anos atrás, as pessoas só se preocupavam se o lençol esquentava muito ou não, se era verde, vermelho ou florido. Mas, agora, ninguém dorme com nenhum pano que não tenha menos que 200 fios. Isso também não faz muito sentido, na minha opinião, e, provavelmente, na do líder indiano Mahatma Ghandi, se estivesse vivo.

Posso dizer que o meu alento neste desgastante período natalino foi ter sido atendido por cientistas – ou eram vendedores vestidos de cientistas? Caramba, acabei de descobrir a farsa - na loja de uma famosa marca de colchões. Brincadeiras à parte, a pergunta é: será que, ao instituir o uso de jaleco aos vendedores, o dono da loja realmente achava que iria conferir credibilidade à marca? Será que existe a possibilidade de algum cliente maluco cair nessa também tresloucada estratégia de marketing? A linha de pensamento do cliente incauto deve ser: — Eu só compro colchões aqui, pois estou sendo atendido por cientistas, que têm a real capacidade de resolver os meus problemas de sono.

No meio de tantos questionamentos, reclamações e chateações, só me resta tomar um Frozen Yogurt com “topping” de lichia, respectivamente o sorvete e a fruta do momento, para refrescar as idéias.

Feliz Natal, um 2010 repleto de rock'n'rooooooll e até o ano que vem.

PS: A foto do pitoresco cartaz que ilustra o post foi tirada por um grande amigo na comercial da 516 sul, em Brasília. Infelizmente, não pude comparecer ao evento, mas, pelas atrações, posso dizer que o bicho deve ter pegado por lá.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Raul Seixas, ídolo dos mendigos


Na noite do último dia 3/12, assisti na Rede Globo ao programa Por Toda Minha Vida, dedicado ao cantor e compositor Raul Seixas. Em 21 de agosto deste ano, completaram-se duas décadas que o grande roqueiro baiano nos deixou e o programa conseguiu resgatar muitos fatos interessantes de sua vida, por meio do depoimento de amigos (como o parceiro Paulo Coelho) e familiares (as três filhas e duas ex-esposas do cantor).

Não sou exatamente um fã devoto de Rauzito, mas posso dizer que gosto (do que conheço) de sua obra e até guardo simpatia por sua personalidade. Nessas minhas incursões superficiais pelo universo “raulseixiano”, pude observar um aspecto intrigante no legado deixado pelo cantor: Raul Seixas se tornou uma espécie de ídolo dos mendigos. Comecei a notar essa peculiaridade há quase quinze anos, quando meus companheiros do Maskavo Roots e eu paramos o carro em um sinal (ou farol?) perto da avenida Rebouças, em São Paulo. Um morador de rua veio em nossa direção pedir esmola e, quando viu nossos instrumentos, nos disse animadamente: — Vocês são músicos? Então, devem gostar de Raul Seeeiiixas. É aí, ele começou a cantar o sucesso Gita (1974), fazendo um movimento de air guitar com as mãos. Depois desse episódio, passei a notar vários outros mendigos – refiro-me àqueles que não têm necessariamente origem pobre, mas, por diversas questões, passaram a viver nas ruas e à margem da sociedade – com o repertório de Rauzito na ponta da língua, inclusive um que cantava na saída da minha formatura de faculdade.

Mas de onde vem essa empatia entre Raul e os moradores de rua? Acredito que o visual do roqueiro baiano já dê pistas sobre tal fenômeno: a barba mal feita, as roupas meio envelhecidas e/ou em tom marrom e o cabelo desgrenhado fazem com que o parceiro de Paulo Coelho seja uma espécie de imagem e semelhança dessa peculiar facção do seu público. Isso faz com que o roqueiro baiano adentre um terreno no qual galãs, como Roberto Carlos, Fábio Jr. e Brian Ferry - caras que costumam cantar de terno e barba feita – nunca conseguiriam.

Porém, mais determinante do que o próprio visual talvez seja o conteúdo das canções de Raul: músicas que propõem uma sociedade alternativa, que celebram caubóis foras-da-lei, que falam sobre a experiência de ser um maluco beleza. Quando resolve aliviar e penetrar no universo infantil, qual personagem Rauzito escolhe? O Carimbador MALUCO, é óbvio. Essas características fazem com que a música de Raul Santos Seixas seja um prato cheio para quem não se liga muito em regras, se tornando uma espécie de retrato do “way of life” dos maltrapilhos.

Como não sou profundo conhecedor da obra de Raul, antes de escrever esse texto resolvi pesquisar nos sites de busca uma possível relação do roqueiro baiano com os moradores de rua e acabei me deparando com uma canção chamada “Diamante de Mendigo” (1979). Com título e temática servindo talvez de contraponto ao sucesso “Ouro de Tolo” (1973), a letra fala sobre a importância da família, evocando valores, de certa forma, tradicionalistas. Chega a ser até contraditório que a letra mais careta de Raul trate exatamente dos mendigos – imagino que essa facção “outsider” do seu público deva ter rejeitado veementemente a “homenagem” feita por Raul, da mesma forma que os punks execraram a equivocada canção “Punk da Periferia” (1983), de Gilberto Gil.

Voltando aos 20 anos sem Raul Seixas, lembro até hoje do dia de sua morte: era uma segunda-feira e, se não me engano, recebi a notícia às 13h, assistindo ao Jornal Hoje, da Rede Globo. À noite, no programa Boca Livre, apresentado por Kid Vinil na TV Cultura (retransmitida pela TVE em Brasília), a banda Maria Angélica, comandada pelo jornalista/músico Fernando Naporano - e tendo Kid Vinil como convidado - encerrou o programa tocando duas pérolas do grande roqueiro baiano: "Aluga-se" e "Rock das Aranha" (1980).

Um grande amigo meu costuma dizer que é um contrassenso chamar Raul de “o grande roqueiro brasileiro” ou o “pai do rock brasileiro”. Na visão dele, Raulzito era um exímio cantor de...boleros! De fato, do inicío com Os Panteras até o fim de sua carreira, Raul Seixas foi maneirando as guitarras em seu som e enveredando por caminhos que quebram qualquer visão mais ortodoxa do que seja considerado rock. Discussões de rótulos à parte, o mais importante talvez seja a singularidade e a criatividade contidas na obra do compositor e cantor baiano, frutos de uma salutar mistura de referências, que iam de Elvis Presley a Luiz Gonzaga. É essa marca muito pessoal que faz Raul Seixas figurar entre os grandes nomes da música brasileira.

A popularidade de Raulzito, mesmo nos dias de hoje, é de chamar a atenção, tanto pelo lado musical quanto pelo aspecto mítico que ronda sua personalidade. Fazendo uma pesquisa informal com amigos, notei que, ao zapear pelos canais, vários resolveram “parar” na Rede Globo quando se depararam com o programa sobre Raul Seixas. Isso porque sua música, sua vida e suas histórias ainda são alvos de curiosidade de seu público – seja este formado por maltrapilhos ou não. Afinal, não é qualquer artista que se transforma em uma espécie de grito de guerra genérico da platéia (já um tanto batido, é verdade) em shows do mais variados gêneros musicais: – Toca Rauuuuulllll!!! - berram os espectadores, a plenos pulmões.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

29 anos sem John Lennon


Há exatos 29 anos, morria John Lennon, assassinado pelo fã(nático) Mark Chapmann quando voltava para o edifício Dakota, onde morava em Nova Iorque. Na vaga lembrança dos meus seis anos de idade, ainda me recordo do apresentador Fernando Vanucci anunciando o falecimento do beatle, no encerramento do Globo Esporte. Naquela época, eu não sabia quem era John Lennon e nem mesmo os Beatles, mas o clima de comoção na voz do apresentador da Globo e das pessoas ao meu redor me marcou a ponto de manter o fato vivo na memória até hoje.

Demorei a descobrir a genialidade de John Lennon. Como costumo dizer, sou fã tardio dos Beatles: acabei “descobrindo” – na verdade, deixando os preconceitos de lado em relação a – o grupo a partir de uma fita do Sgt. Pepper’s emprestada por um amigo em 1995. Como grande parte dos sons que nos conquistam, aquelas músicas caíram em minhas mãos no momento certo, numa fase pessoal de melancolia - e um certo psicodelismo - que batia bem com a mensagem por trás do disco lançado em 1967. Além disso, eu já possuía ferramentas musicais suficientes para entender aquele som.

Arrebatado pela rica musicalidade dos Beatles, passei a prestar atenção nas letras e melodias de John Lennon. Devo confessar que demorei também a entender sua grandiosidade como letrista – algo que sempre havia lido a respeito nas revistas de música. Cria dos anos 80 que sou, achava que letras interessantes deveriam trazer algo de hermético, como fez muito bem Ian Curtis, ou irônico, como nos ensinou Morrissey, ou mesmo trazer algumas figuras de linguagem e referência à Literatura, tão bem utilizadas por Renato Russo. John Lennon expandiu a minha visão ao revelar como uma letra extraordinária pode ser, simplesmente, direta e confessional, construída a partir de palavras simples (querem exemplo melhor do que Jealous Guy?).

Mas, geralmente, quando tratamos de um gênio, não podemos falar só de uma qualidade. Além do lado confessional, John Lennon também sabia como ninguém, em suas letras, ser bem humorado (Being for the Benefit of Mr. Kite), psicodélico (Lucy in the Sky with Diamonds), falar nas entrelinhas de um caso extraconjugal (Norwegian Wood), expressar sua angústia durante um período conturbado (Help), tratar de questões espirituais (Across the Universe ou God). Nas melodias e harmonias, Lennon também era brilhante, conseguindo unir tradição (Revolution é um rock’n’roll básico) e estruturas nada convencionais, como Strawberry Fields Forever, Tomorrow Never Knows e Revolution 9.

Numa entrevista à revista Rolling Stone em dezembro de 1970, John Lennon diz se considerar um bom guitarrista, por saber levar bem o ritmo na base. O beatle também era um excelente vocalista. Mais do que tudo, o que esses talentos revelam é que John Lennon tinha uma visão global de música e sabia muito bem como deveria funcionar uma banda, lição aprendida desde os seus tempos de The Quarrymen.

Bem, não sou daqueles caras que conhecem Beatles ou mesmo a carreira solo de Lennon com profundidade e, certamente, outros amigos escreveriam esse texto com muito mais propriedade do que eu. Na verdade, o intuito desse relato é apenas apresentar uma visão pessoal da obra de John Lennon, aproveitando para prestar uma homenagem a um dos maiores ícones do século XX.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

O dia em que Bob Marley virou Papai Noel


Quando vi o flyer acima, no balcão da Pizzaria Dom Bosco da 107 sul, achei-o engraçadão. Resolvi, então, trazê-lo para compartilhar com vocês. É esquisito, mas, assim como o Botafogo, tem coisas que só acontecem com o Reggae. Essa filipeta é um exemplo típico desse mundo tão particular: em primeiro lugar, a extrema reverência em relação ao ídolo Bob Marley, tratado muitas vezes como uma espécie de deus. Neste caso, os organizadores do show inovaram ao colocar Bob numa posição de... Papai Noel!!! E a maneira como isso ocorreu é, de certa forma, hilária: botando um gorrinho vermelho na cabeça do cantor jamaicano, num esquema de copiar e colar que remete ao velhos tempos de Paint Brush. Ah, e para não quebrar a tradição, não poderiam faltar as cores da bandeira da Etiópia (verde, vermelho e amarelo) na fonte que compõe o título do evento

Apesar de não entender bem o que significa "Reggae do Noel", fiquei fã desse flyer. Gostei também do nome do MC: Promissor. Fiquei me perguntando o que acontecerá com ele, caso um dia venha a fazer sucesso. Certamente, terá que trocar de nome.

Bom, mas não quero ficar sendo irônico o tempo todo, não. Na verdade, o quero dizer é que, apesar da tosqueira e da absoluta falta de estilo, acho que tem um lado legal nessa ingenuidade gráfica. Como os leitores desse blog podem notar, às vezes fico meio de saco cheio dessa cultura do estilo. E, querendo ou não, artes toscas como essa acabam mostrando um outro lado da moeda no meio musical, talvez mais espontâneo. Ok, também não quero me tornar uma pessoa que, por certa birra, passa a cultuar a ignorância e o mau gosto. Mas, sei lá, de repente, pode haver um meio termo entre os dois mundos (o estiloso e o naive).

Deixando o papo (metido a) cabeça de lado, curtam aí o flyer do Reggae do Noel e tirem suas próprias conclusões.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Relações de gênero: mulheres baixistas














Minha amada companheira — uso esse termo para designá-la porque, embora moremos juntos, não somos casados no papel — é meio feminista. Eu digo “meio” porque, apesar das opiniões contundentes, ela não chega a ser radical em seu discurso. De qualquer forma, mesmo ponderada, ela e suas amigas estão sempre atentas a qualquer tratamento desigual em relação aos gêneros, mal que, desde os tempos mais remotos, coloca as mulheres numa condição injustamente desfavorável em relação aos homens.

Eu, pelo meu lado, devo confessar que nunca dei muita bola para esse tipo de questão. Talvez simplesmente por ter nascido homem; ou, de repente, por vir de uma família mais conservadora do que a dela; ou ainda porque as mulheres sempre tiveram muita força de decisão em minha vida: desde minha criação matriarcal até a chegada a um mercado de trabalho dominado em grande parte por mulheres — pelo menos, na minha área de atuação, o Jornalismo. Tudo bem que eu já quis esganar uma chefe ou outra, mas isso nunca foi pelo fato de elas serem do sexo oposto, e, sim, pela estressante e desgastada convivência no trabalho.

Apesar das diferenças, minha companheira e eu costumamos ter uma convivência harmoniosa, na qual o que reina é a tentativa de compreensão da visão do outro. No entanto, um ponto que ainda não conseguimos chegar a um consenso se refere à presença de mulheres em grupos de rock. Enquanto ela tende a valorizar - e até comemorar como uma conquista - a participação feminina em bandas, apoiada nas dificuldades impostas às mulheres na execução de atividades predominantemente masculinas, eu tenho uma postura mais ligada à qualidade musical destes membros de saias, sem levar muito em consideração o seu background. Na minha visão, o mundo é moderno o suficiente para permitir de forma indiscriminada a participação de qualquer pessoa, seja “macho ou fêmea”, em uma banda de rock.

Exposta essa divergência de visões, aproveito para revelar uma questão de gênero que, particularmente, vem me incomodando nos últimos tempos: a presença em bandas de rock cada vez maior de mulheres baixistas que não possuem a mínima intimidade com seu instrumento. Não sei exatamente quando começou tal fenômeno, mas possivelmente Kim Gordon, a musa do Sonic Youth, tenha uma grande parcela de responsabilidade em sua proliferação. Gordon, como se sabe, é uma figura de personalidade forte e extremamente estilosa. Sem sua voz quase sussurrada e presença de palco, 50% do charme do Sonic Youth correria o risco de se perder. Por outro lado, qualquer conhecedor de música sabe que a baixista do Sonic Youth não toca e não canta absolutamente nada e a impressão que dá é que, sem as orientações do marido Thurston Moore e do chapa Lee Ranaldo, ela não conseguiria diferir o dó do ré na primeira corda de seu baixo.

Kim Gordon seria apenas um caso isolado se não tivesse feito escola. Depois dela, várias outras baixistas não muito boas, entre elas, Kim Deal, do Pixies, passaram a integrar bandas alternativas, muitas vezes passando a impressão de que o estilo está sendo priorizado em relação à música. Antes que me interpretem mal, gostaria de ressaltar que sou grande fã tanto de Kim Deal (no Pixies e como compositora de mão cheia no Breeders) quanto de sua mentora e grande amiga Kim Gordon — indubtavelmente, grandes artistas e matrizes dessa série. No entanto, não é raro os melhores artistas darem origem às piores escolas e, dos anos 90 para cá, o que mais vi foram mulheres ocupando o posto de baixista em bandas de rock (em detrimento da guitarra, da bateria ou do teclado). E, infelizmente, com raras exceções, elas parecem ter pouquíssima intimidade com o instrumento, o que as deixa num papel próximo ao figurativo — pelo menos, em termos musicais.

E aí, entra a minha pergunta: — Será que conquistar espaço desta forma, deixando a música de lado e apostando quase que 100% no estilo, é realmente um passo à frente para as mulheres? De alguma maneira, apesar de todo o senso de modernidade por trás dessa atitude, tal posicionamento não colaboraria para mantê-las na condição de mulheres-objeto? Poxa, outro dia vi uma banda formada só por meninas no programa Experimente, comandado por Edgard Piccoli no canal por assinatura Multishow, e confesso que fiquei meio envergonhado pelo resultado musical apresentado. E, mais uma vez, no lugar da música estava o quê? O velho e conhecido estilo.

Neste ponto, cabe uma explicação sobre o próprio papel do baixo nas bandas de rock. Quem não é músico talvez não saiba, mas o baixo é visto — de maneira quase sempre ignorante — como o instrumento mais fácil de se tocar. Não que exista instrumento elementar: se você tem compromisso com a música, qualquer pedaço de pau oco se torna desafiador. No entanto, o baixo geralmente aparece como o coadjuvante dentro de um grupo, aquele que fica segurando a nota tônica enquanto a bateria e guitarra se encarregam de ornamentar a canção. Por conta dessa visão, digamos, mais prática (ou rasa, sob outro ponto de vista), o incompreendido baixo costuma cair nas mãos de instrumentistas que possuem menos destreza. E está aí, na minha opinião, o motivo de estar tão em voga entre algumas garotas estilosas.

Voltando às minhas discussões musicais com minha companheira, o que sempre argumento em relação a essa minha implicância com as mulheres baixistas é que não costumo levar em consideração se um membro de uma banda é do sexo feminino ou masculino. O que importa para mim é se esse componente é bom ou não na tarefa que desempenha. E, neste ponto, não precisa ser nenhum instrumentista virtuoso para angariar a minha simpatia. Uma das baixistas da qual sou mais fã, por exemplo, é Tina Weymouth, do Talking Heads, que está longe de ser uma virtuosa, mas compensa essa falta de manejo com idéias interessantímas, ótimas referências musicais e uma pegada única. Outras baixistas fenomenais são a careca Meshell Ndegeocello, essa meio virtuosa, e Michele Stodart, do Magic Numbers, com uma pegada forte e ótimo conhecimento técnico do instrumento.

Saindo um pouco do território estritamente do baixo, diversas outras mulheres na música pop me chamam a atenção pelo seu talento: Chrissie Hynde (Pretenders), Debbie Harry ( “a” Blondie), PJ Harvey, Bjork (no Sugar Cubes e na carreira solo), Aretha Franklin, Rita Lee, L7, Joan Jett e Lita Ford (The Runaways), Exene Cervenka (X), The Bangles, Suzy Quatro, Luscious Jackson, Madonna, Karen Carpenter, Cindy Wilson e Kate Pierson (The B-52’s), Carole King, Cindy Lauper, Patti Smith, Siouxsie Sioux (Siouxsie and the Banshees), Stevie Nicks e Christine McVie (Fleetwood Mac), entre tantas outras. Longe de ficar ligado na sua feminilidade, o que me atrai no trabalho delas é a sua musicalidade. Para mim, é apenas isso o que conta e por isso sou um pouco cético em relação à onda de mulheres baixistas que não tocam nada.

De qualquer forma, falar dessas relações de gênero é sempre difícil, por se tratar de um tema muito delicado. De fato, acredito que, por infelizmente ainda viverem em uma situação desfavorável socialmente, as mulheres precisam de todo o apoio para participar de diversas atividades, principalmente as relegadas ao universo masculino. E, de maneira alguma, esse texto tem a intenção de se opor a isso. Pelo contrário, o intuito é questionar se uma ação pretensamente afirmativa não estaria gerando um efeito reverso. Mas, como disse nos primeiros parágrafos, essa é a visão muito particular de um homem que pode estar deixando de levar em conta muitas peculiaridades e dificuldades enfrentadas pelas mulheres. Podem deixar que, se eu tiver falado besteira, conto com um sistema de patrulhamento poderoso dentro da minha própria casa.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Observatório da Imprensa Musical — Parte 2














Ontem (24/11), lendo a revista Megazine, do jornal O Globo, deparei-me com uma pequena nota que me incomodou bastante. O textinho, publicado na coluna Liquidificador, de André Miranda e Télio Navega, dizia assim: A revista britânica New Musical Express fez uma lista dos melhores discos da década. Deu Strokes na cabeça, com This is it (sic). Nada contra o grupo de Julian Casablancas. Mas e o White Stripes? E o Arcade Fire? Esses, sim, tiveram relevância na década.

Cá com meus botões, não acho correto ser determinista nessas questões de gosto ou julgamento de qualidade artística. Mas, por outro lado, precisamos de certos parâmetros para nos guiar e, neste ponto, vale recorrer à objetividade de dados e fatos históricos. Diante disso, considero que os jornalistas que redigiram a nota cometeram um erro crasso ao contestar a votação da NME. Ora, se existe um disco relevante na virada do milênio, que ditou grande parte do que seria feito dali em diante por toda uma geração, esse álbum se chama justamente Is this it. Que o digam Franz Ferdinand, Arctic Monkeys, Libertines e tantos outros grupos que apareceram nos últimos anos, alguns deles começando a partir de covers ou incentivados por shows da banda novaiorquina. Is this it, portanto, se tornou a matriz de uma geração e, como disse muito bem um amigo meu, pode ser considerado o Nevermind dos 00’s, guardadas as devidas proporções.

Diante de tamanha influência e relevância do álbum de estréia dos Strokes, não há chance nesssa corrida para White Stripes e muito menos para Arcade Fire. OK, a banda de Jack White lançou grandes discos ao longo dos últimos anos e construiu uma carreira talvez até mais sólida do que a dos amigos de Nova York. Mas, como álbum, Is this it continua sendo o mais importante da década, de forma quase incontestável. Quanto à colocação sobre o Arcade Fire, sinceramente essa nem vale muitos comentários. Tudo bem, o grupo canadense é simpático e compõe boas canções, mas comparar qualquer lançamento feito por eles com o primeiro disco do Strokes é não demonstrar muita noção da (recente) história do rock. Ou seja, os jornalistas do O Globo, ao criticarem a publicação inglesa NME, provavelmente baseados em seus gostos pessoais, acabaram escorregando feio no quiabo.

Por falar na revista Megazine, outro dia me deparei com um equívoco até meio engraçado na mesma publicação – se não me engano, na coluna Qual é a boa?, escrita por William Helal Filho. A nota falava sobre um show do Capital Inicial que aconteceria na cidade do Rio de Janeiro naquela semana — foi, portanto, antes do acidente do vocalista Dinho. Em determinado trecho da nota, o jornalista resolveu utilizar um sinônimo para Capital Inicial e acabou usando o termo “a banda dos irmãos Ouro Preto”. Bem, quem conhece o mínimo da trajetória da banda de Brasília, sabe que o Capital é formado pelos irmãos Lemos (Flávio, no baixo, e , na bateria). O vocalista Dinho tem até um irmão que já se envolveu com música, chamado Ico, o qual integrou brevemente a Legião Urbana, mas este não deve mexer com música há pelo menos vinte anos.

Diante desse quadro, a minha recomendação para o editor da revista Megazine, do jornal O Globo, é que dê um bom puxão de orelhas nos seus jornalistas musicais. Se continuarem assim, merecem ganhar de presente o troféu abacaxi da imprensa musical ou, sei lá, alguns meses de castigo na cobertura policial.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Clínica de Desintoxicação Musical














Outro dia, estava almoçando no aprazível e levemente insosso restaurante natural perto da minha casa, quando, de repente, um som de saxofone começou a temperar de melodia o recinto. O repertório, composto por standards da música pop, assemelhava-se um pouco à programação da rádio Antena 1, criando um ambiente agradável — ou pelo menos, não incômodo — à clientela do lugar.

Apesar de conhecer e até gostar da maioria das músicas, fiquei questionando em minha mente aquela forma tão batida de “arte”: Por que essas músicas de bar e restaurante tendem a carecer tanto de estilo e de uma execução mais visceral? Como esse saxofonista, que me parece bom tecnicamente, poderia agregar valor e adicionar “sal” ao seu trabalho? Nesse sentido, passei a pensar nas minhas próprias carências musicais, conseqüências diretas das minhas escolhas desde a adolescência, que me fizeram me aproximar de alguns gêneros e deixar outros de lado. E, assim como eu, passei a notar que quase todos os meus colegas músicos e/ou amantes de música tinham também as suas opções bem definidas, o que, se sob certo ponto de vista, ajudavam a construir os seus estilos, sob outro, deixavam lacunas na sua musicalidade. No meio desses meus devaneios, tive uma idéia que me pareceu bem pertinente naquele momento: montar uma espécie de Clínica de Desintoxicação Musical.

E para que serviria exatamente essa clínica? Bem, a idéia é que o cliente que decida se internar — ou, ao menos, fazer uma consulta — seja avaliado por especialistas em Rock e Pop, que consigam detectar os seus vícios musicais, para, a partir dessa análise, receitar os remédios adequados para a superação da “doença”. No caso, os medicamentos seriam compostos por playlists de gêneros que esse amante da música nunca ouviu, seja por preconceito ou simplesmente por falta de oportunidade.

Para mostrar como funcionaria a clínica, vamos utilizar como primeiro exemplo o tal saxofonista que ouvi outro dia no restaurante natural. Ora, sua música, apesar de apresentar técnica, carece claramente de estilo e inventividade. Então, o que receitar para esse paciente? Bem, acredito que doses cavalares de Velvet Underground, Suicide, David Bowie e Roxy Music possam fazer muito bem a esse rapaz. Como ele parece gostar de música brasileira, colocaria no composto um pouco de Arnaldo Baptista fase Loki, de Walter Franco fase Revólver e até um punk rock sujo da seminal coletânea Começo do Fim do Mundo (Lixomania ou Olho Seco poderiam cair bem). O importante é mostrar que nem sempre a melodia é a única solução de uma composição: às vezes, precisamos de atitude e descompromisso com a técnica também.

Partamos para outro caso hipotético: o de um viciado em punk rock e sons mais pesados. De certa maneira, sua visão musical é antagônica à de um músico de bar: provavelmente esse paciente, se for músico, toca mal e acha que o discurso ideológico é o principal elemento de uma canção. Bem, ele precisa se desapegar dessa visão minimalista e de excessiva contestação. Desta forma, a receita para sua desintoxicação pode estar em aplicações diárias de Billy Joel, Paul McCartney e Elton John. Acredito que um Burt Bacharach e até um disco de rock progressivo (Yes ou King Crimson) possam fazê-lo bem. Numa última etapa, esse viciado em discursos ideológicos poderia ouvir a orquestra de Ray Conniff e a Orquestra Filarmônica de Berlim, regida por Herbert von Karajan, tocando a 6ª sinfonia de Beethoven.

Ok, Ok. Às vezes, o tratamento parece radical, mas, acreditem, tem grandes chances de fazer efeito. Vamos então a um terceiro caso, para tentar tornar mais clara essa minha revolucionária idéia: um músico de banda indie, com fortes influências shoegazer. Bem, esse paciente precisa urgentemente elevar a sua autoestima e masculinidade musical, não necessariamente nessa ordem. Nesse caso, é bom mantê-lo afastado de bandas como Belle & Sebastian, Cardigans e outras fofices. Em contrapartida, esse músico deverá ouvir, de preferência amarrado a uma camisa de força, grupos como Van Halen, AC/DC, Creedence Clearwater Revival e, numa última e talvez traumática etapa, ZZ Top. Para torná-lo desapegado de artes gráficas estilosas, seria interessante ainda apresentá-lo às capas horrorosas do Funkadelic.

O último caso trata de músicos virtuosos, que gostam de Stevie Vai, Michael Angelo e Paul Gilbert, mas que revelam alguma afinidade com o gênero brasileiro Chorinho também. Bom, para esses pacientes, um bom punk rock (para dar ideologia) e alguns conjuntos de reggae (para ensinar questões de ritmo e alma) podem fazer toda a diferença. O tratamento deve se iniciar com doses de The Clash e Peter Tosh, progredindo para Rancid, Aswad, Steel Pulse, e terminando com Asian Dub Foundation, Arctic Monkeys e talvez alguns Raggas.

De qualquer forma, essas são fórmulas generalistas, apresentadas somente para exemplificar o trabalho da futura clínica. Caso, ao ler esse texto, você identifique algum vício em sua formação musical, o recomendável é procurar um especialista que possa ajudá-lo a se desintoxicar. Não tente se automedicar, pois alguns quadros podem até se agravar com tal procedimento. Os especialistas da Clínica de Desintoxicação Musical estão de braços abertos para receber aqueles que desejam ampliar e até mesmo refinar seu gosto musical.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

As guitarras entrelaçadas e nada convencionais de Nova York











É engraçado como a música, geralmente, está conectada à região de onde provem. Assim como sotaques, hábitos, tradições, culinária, muitas vezes é possível identificar a origem de uma banda apenas pela sua sonoridade. Às vezes, essa marca regional é tão forte, que acaba dando nome ao próprio estilo musical, como o Southern Rock (ou rock sulista) de Allman Brother, Lynyrd Skynyrd e Creedence Clearwater Revival, ou o Rock Gaúcho, aqui no Brasil.

A cidade de Nova York, nos Estados Unidos, é muitas vezes apontada como o grande centro cosmopolita do mundo. E, não à toa, suas bandas costumam trazer esse lado, digamos, mais “descolado” em sua bagagem: de Velvet Underground a Ramones; de Blondie a Vampire Weekend; de New York Dolls a Beastie Boys; de Talking Heads a Rapture, a sensação ao se ouvir esses grupos é a de abrirmos uma porta para o mundo, de estarmos penetrando num caldeirão multicultural, mesmo que isso signifique estar enclausurado em uma selva de pedra.

Além do perfil antenado, o rock novaiorquino também é responsável por gerar uma das escolas mais interessantes em termos instrumentais: a das guitarras entrelaçadas e nada convencionais, que, diante de tantas referências, ousam fugir à herança clássica e pura do Blues. Nesse aspecto, três bandas de gerações diferentes representam de forma brilhante essa característica: Television, Sonic Youth e The Strokes. Funcionando num esquema quase de árvore genealógica, elas se calcam na produção de seus antepassados, sempre prestando reverência ao patriarca da vanguarda novaiorquina: o Velvet Underground, banda que vestia roupas pretas e falava de heroína em pleno florescer do colorido movimento hippie; que vendeu poucos discos em sua época, mas veio a influenciar várias gerações posteriores.

Dessa herança do Velvet Underground somada às vanguardas do jazz (Be Bop, Fusion), surgiram as guitarras do Television, em meados da década de 1970. Tive a oportunidade de assistir a uma apresentação deles no Tim Festival, em 2005, e posso dizer que foi um dos melhores shows da minha vida. É impressionante como as guitarras de Tom Verlaine, com timbres quase limpos, casam com os sons mais saturados do doidão Richard Lloyd, formando uma espécie de balé de riffs e solos de guitarra, no qual mal se delimita o fim da frase de um e o início da do outro. Acredito que, como eu, muitos tenham dificuldade de, só de ouvido, saber quem é Lloyd e Verlaine dentro das canções do Television, tamanha a interação dos guitarristas. E a tal “renúncia do blues” faz com que, ao se assistir às apresentações da banda, vejamos os dedos dos dois guitarristas (principalmente, Verlaine) deslizando pelos braço da guitarra por caminhos não muito tradicionais, numa jam session que parece residir num lugar entre o rock e o jazz. Realmente, para um estudante de guitarra, o show do Television vale quase como uma aula do mestrado.

A dupla de guitarristas da banda oitentista Sonic Youth, Thurston Moore e Lee Ranaldo, parece ter estudado com afinco as lições dos mestres do Television, aprofundando ainda mais a questão do experimentalismo, com toques de música dodecafônica e John Cage. E se a onda do Television eram as jams e as escalas inusitadas, o Sonic Youth preferiu investir nas afinações esquisitas, nas longas e climáticas partes instrumentais e na extrapolação dos limites do próprio braço da guitarra. E, novamente, o entrelace das frases cria uma enorme dificuldade — no bom sentido — de identificação de quem é um ou outro guitarrista nas músicas do Sonic Youth. Um ponto interessante da sonoridade das guitarras da banda tem a ver com o que um grande amigo declarou a respeito do Lee Ranaldo (e que parece servir para o Thurston Moore também): a impressão que dá é que ele pega as escalas musicais naquelas revistas de violão e guitarra e só toca as notas onde o pontinho NÃO está marcado. Ou seja, é dissonância em sua forma mais pura, empunhada por uma das mais criativas e entrosadas dupla de guitarristas do rock.

Por fim, mas não menos importante, temos a rapaziada (esse termo é meio escro***) do The Strokes. Celebrado no começo do milênio como a grande sensação do rock moderno, o grupo de John Casablancas deixou de ser novidade e passou a ser alvo de algumas críticas no decorrer de sua carreira. Hypes à parte, trata-se de um bandão, formado por uma das mais afiadas dupla de guitarristas que já vi. Também tive a oportunidade de assisti-los no Tim Festival de 2005 e fiquei de cara com as guitarras extremamente bem timbradas, arranjadas e executadas. Na linhagem das guitarras novaiorquinas, o Strokes deixa o experimentalismo do Sonic Youth e as jams do Television para trás, investindo numa fórmula mais pop, de músicas de curta duração. De qualquer forma, a dupla de guitarrista do Strokes está longe de ser tradicional: tanto na forma de tocar seca e de riffs certeiros de Albert Hammond Jr. quanto nas frases mais longas virtuosamente empunhadas por Nick Valensi estão presentes referências ao lado jazzy do Television e à própria visão mais “aberta” de pensar da escola de rock novaiorquina.

Três grandes bandas de rock formadas por fenomenais duplas de guitarristas. O que Television, Sonic Youth e The Strokes nos provam é que, a despeito de toda a tradição que cerca o já cinqüentão rock’n’roll, as guitarras ainda podem surpreender e extrapolar limites, quando pensadas de forma inteligente e criativa. Neste caso, o cosmopolitismo novaiorquino ajudou a escrever um dos capítulos mais sofisticados e elegantes dessa história.

domingo, 1 de novembro de 2009

Banguela Records: há 15 anos, nasciam os primeiros dentes













Num tempo não muito distante, em que o acesso à internet ainda engatinhava, o modelo de império musical comandado pelas grandes gravadoras dava seus primeiros sinais de declínio. A despeito de as majors e seus artistas populares ainda gerarem receitas consideráveis, a experiência exitosa dos selos independentes - principalmente, na Inglaterra e nos Estados Unidos - desde os anos 80, mostrava que bandas boas não se acham (ou compram?) em qualquer esquina. De vez em quando, algumas dessas bandas e gravadoras menores cometiam a ousadia de furar as barreiras mercadológicas impostas pelas majors, estourando nas rádios e caindo no gosto do grande público.

Para não tomar rasteiras dos nanicos, as grandes gravadoras, além de utilizarem o velho recurso de contratar as tais bandas em ascensão, acabaram encontrando uma outra maneira de resolver o problema: passaram a se aliar aos seus pretensos adversários, incorporando - e, às vezes, até criando – selos alternativos. A iniciativa se mostrava boa para os dois lados: os selos pequenos ganhavam com a estrutura de distribuição das majors, enquanto as grandes gravadoras adquiriam qualidade artística e uma espécie de laboratório para seus futuros projetos. O estouro do Nirvana em 91, revelado pela pequena gravadora Sub Pop (e depois contratado pela major Geffen), trouxe glamour e respeito às bandas alternativas e fez com que as grandes gravadoras, mais do que nunca, buscassem uma maneira de se acomodarem a esse novo universo underground.

O Banguela Records, atrelado à major Warner, foi talvez o selo brasileiro com mais visibilidade nos anos 90. Apesar de existiram outros bastante relevantes no mesmo período - como o Chaos e o Superdemo, da Sony, e o Plug, da BMG - o Banguela conseguiu imprimir sua marca de uma forma diferenciada, muito por conta da notoriedade trazida pelos proprietários do selo, os Titãs, e, principalmente, pelo perfil visionário e bom de marketing do seu diretor artístico, o jornalista e produtor musical Carlos Eduardo Miranda.

Eu tive a sorte de participar um pouco dessa história, por meio do Maskavo Roots, uma das primeiras bandas contratadas pelo Banguela. Meus primeiros contatos com o que viria a ser o selo foram feitos em maio ou junho de 1993, quando o Fred, baterista do Raimundos, levou a 1ª demo do Maskavo para a redação da revista Bizz, onde trabalhava o Miranda, à época bastante dedicado à divulgação de grupos novos. Foi o próprio Fred quem nos informou que o Miranda havia gostado da nossa demo e, desta forma, nos incentivou a entrar em contato com o jornalista da Bizz. Nesta época, o selo ainda nem existia e o meu intuito era mais negociar uma nota sobre o Maskavo na Bizz, o que realmente acabou rolando naquele segundo semestre de 1993.

Passei, então, a falar por telefone com o Miranda de vez em quando. Além de atuar como jornalista, ele também dava algumas dicas para as bandas iniciantes: - Tenta arrumar um show aqui, fala com o produtor “x” acolá. Lembro até de um dia em que o Miranda me passou o telefone de dois “caras legais” para trocar idéias em Recife: Fred 04 e Chico Science. Acabei nunca ligando para eles, mas, outro dia, fazendo uma faxina na casa dos meus pais, achei engraçado me deparar com o papelzinho onde tinham os números anotados. Bem, mas voltando propriamente ao selo, recordo-me de, em uma dessas ligações para o Miranda, ele me dizer que tava rolando uma idéia de montar uma gravadora com os Titãs, para eu ficar ligado naquilo, pois o Maskavo era uma das bandas cotadas para entrar naquele barco.

Dito e feito. Acho que um pouco depois da primeira edição do seminal festival independente Junta Tribo, ocorrido em agosto de 1993, em Campinas, a Folha de São Paulo publicou uma matéria com os Titãs, na qual eles falavam sobre a criação do Banguela Records, selo cujo nome, se não me engano, havia sido inspirado na música (e título do disco) Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas. A foto que estampava a matéria era do Raimundos, que, mesmo sem ter disco lançado, já era apontado com a grande revelação do rock brasileiro naquele período, ao lado de Chico Science & Nação Zumbi. Se o quarteto de forró-core brasiliense era nome certo dentro do Banguela, as outras quatro bandas que comporiam o cast do selo ainda não estavam definidas: havia uma certa disputa entre um grupo maior de umas sete ou oito bandas, entre elas, o Maskavo.

Apesar de, do alto do meu pessimismo e baixa auto-estima, eu ter certeza absoluta de que o Maskavo não passaria nessa peneira, recebi no final do ano de 1993 um telefonema do Miranda, dizendo que havíamos sido selecionados para o cast do selo, ao lado de mundo livre s/a (PE), Little Quail and the Mad Birds (DF), Graforréia Xilarmônica (RS) e os já certos Raimundos (DF). A idéia, segundo o Miranda, era gravar os Raimundos em janeiro de 1994, no estúdio Be Bop, em São Paulo, e, em março, o mundo livre e o Maskavo ao mesmo tempo, cada um em sua cidade de origem. Em determinado momento, houve uma mudança de planos, com o Little Quail passando à nossa frente, pois já os membros estavam morando em São Paulo, e, depois, o Kleiderman, projeto paralelo dos “patrões” Branco Mello e Sérgio Britto. A gravação do Maskavo, portanto, foi adiada para o segundo semestre de 1994, o que, num primeiro momento, nos deixou bastante ansiosos.

Para controlar a ansiedade e sabermos um pouco mais do que estava rolando, além de falarmos por telefone quase toda semana (com as secretárias Lara e Renata), passamos a visitar esporadicamente a sede do Banguela, no próprio estúdio Be Bop, no bairro de Pinheiros, quando íamos fazer show em São Paulo. Em uma dessas visitas, tivemos a oportunidade de escutar a mixagem do álbum Samba Esquema Noise, do mundo livre s/a. Lembro de ficar impressionado com a ousadia e doideira da música Terra Escura, que trazia um sampler ao contrário de um jingle de uma marca de molho de tomate. Neste ponto, era comum encontrar membros das outras bandas na sede do selo também, que acabava servindo como QG para os artistas do cast. Além dos nossos colegas brasilienses do Raimundos e do Little Quail, tivemos bastante contato com o pessoal do mundo livre, pois, além da citada visita à mixagem deles, durante a nossa gravação foram os pernambucanos que estavam lançando o seu disco em São Paulo. Com os gaúchos do Graforréia, acabamos tendo pouco contato, pois, assim como a gente, eles continuaram morando em seu estado de origem - além de terem optado por gravar o disco de estréia da banda, Coisa de Louco II, no Rio Grande do Sul.

Uma das características do Banguela era a extrema informalidade como as coisas eram tocadas, o que, por muitas vezes, acabava descambando para o lado da desorganização, mesmo. Nós, do Maskavo, por exemplo, assinamos o nosso contrato numa filial do McDonalds em Ipanema (RJ), levado pelo Fred, baterista do Raimundos. Além disso, dava para ver, tanto nas nossas visitas quanto na gravação do nosso disco, que as leis da administração não eram tratadas de forma muito ortodoxa por ali. O lado positivo era a ótima estrutura de gravação oferecida para as bandas: um ótimo estúdio (Be Bop), com excelente técnico (Beto Machado) e produtores tarimbados (Miranda e, às vezes, um Titã). Além disso, a experiência e os contatos jornalísticos do Miranda faziam com que os discos tivessem um amplo espaço na mídia. Ou seja, não havia esquema melhor para uma banda iniciante naquele período.

Quanto aos Titãs, alguns apareciam mais no estúdio do que outros: lembro de muitas visitas do Branco Mello a nossa gravação, para encontrar o seu amigo Nando Reis, um dos produtores do nosso disco. Eles também costumavam emprestar equipamentos para as gravações (guitarras, baixo, bateria, violão, amplificadores) e até faziam participações nos discos - Nando Reis tocou viola no disco dos Raimundos, Branco Mello e Sérgio Britto fizeram backing no disco do Maskavo e até a atriz Malu Mader, esposa de Toni Belotto, cantou na faixa Musa da Ilha Grande, do disco do mundo livre. Os Titãs ainda davam espaço para as bandas do selo abrirem os seus shows: cheguei a assistir a um show de abertura dos Raimundos, na boate brasiliense Zoom, na turnê do álbum Titanomaquia. Nós, do Maskavo, chegamos a abrir um show para os Titãs, gratuito, no Vale do Anhagabaú, mas tomamos pedrada da platéia depois de tocarmos um “sambinha” (trecho da nossa música “Quinta”).

Um aspecto interessante se refere aos bastidores do selo. Lembro de, durante um jantar na gravação do nosso disco, o Miranda comentar chateado o fato de ter perdido o Planet Hemp para o selo Superdemo (Sony), tocado pela produtora Elza Cohen. Pelo que entendi, a banda de D2 e Cia. estava negociando o lançamento de seu primeiro álbum com o Banguela, mas a demora no fechamento de um acordo somado ao recebimento de uma boa proposta da Sony fizeram a banda carioca cair fora. Hoje, olhando para trás, dá para ver que, de fato, o selo dos Titãs estava perdendo uma espécie de “mina de ouro” naquele momento.

O primeiro disco do Maskavo Roots, gravado em outubro e novembro de 1994, acabou sendo lançado apenas em março de 1995. Acho que o do Graforréia Xilarmônica saiu um pouco depois, ainda no primeiro semestre do mesmo ano, fechando o ciclo das primeiras cinco bandas contratadas pelo selo. Depois disso, o Banguela realizou outros lançamentos, como a boa estréia dos campinenses do Língua Chula, os primeiros álbuns dos brasilienses do Pravda e dos paulistanos do Psycho Drops, a coletânea de bandas curitibanas Alface e uma fita cassete dos paulistas do Party Up. Mas essa fase eu já não acompanhei tão de perto.

O engraçado é que o fim do Banguela, de certa forma, parece estar associado ao Maskavo Roots. Mais ou menos na época do lançamento do nosso disco, os Titãs voltaram a ser agenciados pelo mega empresário Manoel Poladian, famoso pelos “sucessos” de RPM, Rita Lee, Elis Regina, Jorge Benjor e dos próprios Titãs, entre outros. Por incentivo dos diretores do selo (Miranda e o norte-americano Brian Buttler) e dos próprios Titãs, acabamos negociando e assinando contrato com o Poladian, no dia em que abrimos o show para o Jorge Benjor no Ginásio do Ibirapuera. Parecia uma jogada de mestre: éramos a banda mais pop do selo e estávamos indo para as mãos de Midas do mega empresário Manoel Poladian, o que tinha tudo para nos fazer estourar e, por sua vez, trazer recursos para a gente e para o próprio selo. No entanto, alguma coisa deu errado naquele processo e o tiro saiu pela culatra: pelo que sei, o advogado do Poladian teve acesso aos contratos do Banguela (com a Warner e com as bandas) e, achando toda a estrutura jurídica e administrativa deveras amadora, considerou que aquilo poderia trazer risco financeiro para os Titãs. Daí em diante, na minha visão da história, só vi as coisas degringolando para o selo e para a própria carreira do Maskavo Roots.

Pelo que acompanhei posteriormente, já a distância, depois de sair do Maskavo, vi o Banguela se transformando em Excelente Discos (nesta nova etapa, filiado à Abril Music) e lançando discos legais, como o primeiro do Acabou La Tequila e o segundo do mundo livre, e coisas que eu considero de gosto mais duvidoso, como Virgulóides e Maria do Relento. Quanto às cinco bandas originais do Banguela, com o fim do selo, cada uma foi tomando o seu rumo: os Raimundos, estouradíssimos, passaram a integrar o cast da Warner; o mundo livre continuou a parceria com o Miranda na Excelente Discos; o Little Quail foi para a Virgin; o Maskavo foi para o selo Chaos, da Sony, e a Graforréia, pelo que sei, lançou seu segundo disco, Chapinhas de Ouro, de forma independente.

Apesar dos pesares, minhas lembranças daqueles tempos são as melhores possíveis: dos cartões amarelo (advertência), vermelho (sai do estúdio e volta mais tarde) e PRETO (proibido de entrar no estúdio o dia inteiro) dados pelo Miranda durante a nossa gravação até a zona no ônibus que levou os artistas do selo para a primeira edição do Video Music Brasil, da MTV, em 1995, o que ficou foi a sensação de ter participado de algo original e importante para um período de consolidação e, ao mesmo tempo, de mudança de comportamento do rock brasileiro.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Yes, We Can














Já notaram que, de vez em quando, rola uma onda de bandas brasileiras cantando em inglês? Eu estava aqui pensando com meus botões e fiz uma associação sem fundo sociológico, mas que pode ter sentido. Essa onda “for export” começa de forma tímida com o esgotamento artístico de uma geração que canta em português e cresce quando um dos grupos que optam pelo inglês faz sucesso no exterior, voltando a diminuir depois que a geração seguinte emerge entoando novamente versos na língua pátria e resgatando valores nacionais.

Deixem eu explicar melhor essa história, pois acho que já presenciei dois ciclos assim. Se não me engano, o Sepultura começou a estourar no exterior em 1987/1988. Antes disso, existiam poucas bandas que cantavam em inglês no Brasil, as quais nem consigo lembrar no momento (acho que os santistas do Harry, os brasilienses do Spigazul e os paulistanos do Maria Angélica Não Mora Mais Aqui, do jornalista Fernando Naporano, são exemplos). O êxito do Sepultura no exterior marca a proliferação no underground brasileiro de diversos grupos, de estilos diferentes, cantando em inglês: Pin Ups, Killing Chainsaw, Low Dream, Oz, Okotô, Second Come, entre outros. O que incentivou essa proliferação, além do esgotamento da geração anterior (Legião, Paralamas, Titãs e Cia., que já começavam a se repetir)? A sensação de que, se o Sepultura pôde, outros brasileiros também poderiam ultrapassar as fronteiras nacionais, num clima que remete à popular e já desgastada frase do presidente Barack Obama: “Yes, We Can”.

O recente estouro do Cansei de Ser Sexy “na gringa” tem um esquema meio parecido com o do Sepultura, com algumas atualizações: antes do CSS, várias bandas independentes já se aventuravam no idioma bretão (Thee Butcher’s Orchestra, MQN, Mechanics, Madeixas, Supersoniques, Maybees, Forgotten Boys, entre outras), mas o êxito de Lovefoxxx & Cia no exterior trouxe a opção pelo inglês para outro patamar. O sucesso de Mallu Magalhães em âmbito nacional e as recentes indicações das bandas Holger e Black Drawing Chalks a categorias relevantes do VMB, da MTV, mostra que, de certa forma, esses artistas estão sendo levados mais a sério. E, novamente, a mídia e o público voltam a apostar as suas fichas na next big thing brasileira.

Numa época em que eu ainda estava vindo ao mundo, na primeira metade dos anos 1970, dizem que vários artistas também faziam essa opção pelo inglês, entre o quais o galã Fábio Júnior - muito antes de imortalizar o bordão “brigaduuuu” no Cassino do Chacrinha - e os atuais sertanejos Chrystian e Ralph. Até que um maluco chamado Maurício Alberto resolveu traduzir o seu nome, literalmente, para Morris Albert e lançar uma música chamada “Feelings”, que acabou estourando mundialmente - sendo regravada, inclusive, meio jocosamente pelo Offspring há alguns anos. Resultado: outros artistas brasileiros também resolveram seguir os passos de Maurício Alberto rumo ao sucesso no exterior. Mas a onda acabou minguando depois que a sorte parou de aparecer para os pretendentes à nova estrela internacional.

A grande questão é se, com a internet e o crescente domínio da língua inglesa pelas novas gerações, o mercado brasileiro vai abrigar mais facilmente as suas bandas que optam pelo inglês, como já acontece nos ditos países socialmente mais avançados, como Suécia, Noruega ou Holanda. Lógico que, mesmo que o progresso social chegue a estas plagas, a nossa situação talvez nunca fique suficientemente semelhante a desses países citados, até porque, em termos de música popular, temos (ou parecemos ter, pelo menos) muito mais tradição do que eles – o que, por conseqüência, talvez gere um certo apego à nossa língua pátria (ou “mátria”, como diria Caetano Veloso na música “Língua). De qualquer forma, dentro do meu universo especulativo e pouco apegado aos métodos científicos, a minha aposta é que, mesmo que o mercado brasileiro não abra espaço igualitário para os dois idiomas no futuro, essas ondas de bandas cantando em inglês provavelmente ficarão cada vez mais constantes e duradouras.

Aguardemos, portanto, as cenas dos próximos capítulos...

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Nas ondas do rádio


Hoje (15), serei o convidado do programa Senhor F 100.9, veiculado às quintas-feiras, das 22h às 24h, na Rádio Cultura FM, de Brasília. O programa é produzido e apresentado pelo editor do site Senhor F, Fernando Rosa, e pelo jornalista Pedro Brandt, e traz em sua programação rock independente brasileiro, novidades internacionais, clássicos e raridades.

Estou quebrando a cabeça para tentar preparar uma seleção musical maneira e que, portanto, não acabe com a credibilidade do programa. Até o momento, já separei Jimi Hendrix, Rachid Taha, Bob Marley, Dream Syndicate, Mudhoney, Buzzcocks, The Slickers, Steely Dan, The Clash, Afghan Whigs e até novidades como The XX, Dirty Projectors e Fleet Floxes (sim, agora eu os conheço e até gosto). Talvez role um bloco de bandas de Brasília também.

Até a hora do programa, pode ser que a escalação mude, saindo uma banda que não esteja jogando tão bem (no meu campo auditivo) para entrar outra, da reserva, em melhor forma (no time do meu coração). Vamos ver o que vai dar.

Como o nome do programa já entrega, a Cultura FM ocupa a freqüência 100.9 do dial. Pela internet, ela pode ser sintonizada aqui.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

O inenarrável prazer de assistir a uma banda péssima


Eu tenho um prazer meio sádico que preciso confessar para vocês. Na verdade, nem sei se é tão sádico assim: talvez esteja mais no ramo das esquisitisses ou, como preferem os psicólogos, idiossincrasias. Ou não. Num mundo tão populoso e moderno, onde as pessoas compartilham hábitos estranhos, como organizar flash mobs ou venerar (a novela mexicana camuflada de seriado norte-americano) Grey’s Anatomy, acho que meus prazeres nem são tão diferentes assim. Bom, preciso confessar-lhes antes que eu perca a coragem. Então lá vai: - Eu adoro assistir a shows de bandas péssimas.

Não sei quando essa mania começou: talvez ela venha da mais tenra idade. Só sei que um dia, já adulto, me toquei de que, simplesmente, estava obtendo quase o mesmo prazer ao assistir uma banda ótima ou outra péssima. A princípio, estranhei. Depois, relaxei e passei a me sentir como naquele antigo jogo da Lotto (ou Sena), em que você ganhava o prêmio se acertasse ou errasse feio todos os números sorteados. E, neste ponto, assim como na velha loteria, não existe meio termo no meu gosto musical: para curtir uma banda, ela tem que ser beeeem legal ou esdruxulamente p-é-s-s-i-m-a. Bandas boazinhas, esforçadas, com algum talento ou meio ruinzinhas não fazem mesmo a minha cabeça. Tem que estar em algum extremo da qualidade musical. Bem, acho que deu para entender, né?

A esta altura, acredito que já tenha gente me classificando como um fã inveterado de cultura trash. Mas acho que a história não é muito por aí, não. Vejam bem, eu não sou daqueles caras que colecionam filmes do Ed Wood, do Afonso Brazza ou do Zé do Caixão. Também não me vejo entre essa galera que curte o visual "zumbi" e som meio The Cramps e outras garageiras mais toscas. Meu lance é outro: eu saio de casa para ver bandas boas, mas, no meio de um festival, acabo assistindo sem querer a um grupo péssimo. Neste momento, passo a gostar tanto – ou, às vezes, mais - do conjunto ruim quanto do outro que fui ver. E aí, aquelas músicas horrorosas não me saem mais da cabeça. Começo a especular como os membros do grupo se juntaram, como surgiram as idéias e inspirações daquelas músicas péssimas e, enfim, como eles tiveram coragem de mostrar aquele resultado tão aquém do que consideramos razoável para o público. Neste ponto, ao invés de me enquadrar na galera trash, talvez sinta até mais sintonia com um cara como Frank Zappa, que gostava de músicas mais elaboradas, mas não pôde passar incólume à grandeza de um The Shaggs – classificado pelo guitarrista doidão como “melhor do que os Beatles”.

Mas o que teriam essas bandas ruins de tão interessante? Por que elas conseguem até arrebanhar - em casos raros, como o The Shaggs - uma legião de fãs? Acho que a grande chave desse mistério talvez esteja num conceito muito conhecido, mas pouco praticado entre os artistas: despretensão. Em alguns momentos, chega a ser um alívio assistir a uma banda na qual os componentes só querem se divertir, tocar para meia dúzia dos colegas de serviço ou impressionar suas namoradas. Mesmo que façam tudo, absolutamente tudo errado, às vezes aquela atitude despretensiosa “cheira a espírito juvenil”, como já disse um maluco lá das bandas de Seattle/Aberdeen. Além disso, muitas vezes os caminhos absurdos escolhidos por esses artistas acabam trazendo algo de inovador para o rock, algo que “a moral e os bons costumes da arte” não conseguem mais captar. O que quero dizer é que, contraditoriamente, às vezes as bandas péssimas carregam consigo o melhor do Rock’n’Roll.

PS: Infelizmente, para não gerar possíveis conflitos, protestos e embaraços, não poderei citar neste texto algumas bandas péssimas (ótimas) que já assisti. Só posso dizer que tem uma que começa com a letra “A”, que realmente era péssima. Também há outra, cujo nome se inicia com “O”, que também era incrivelmente ruim. E o que dizer daquela que se inicia com a letra “F”? Ah, são tantas...

domingo, 4 de outubro de 2009

A falsa luta de classes no Rock’n’Roll











Quando comecei a escutar rock’n’roll, em meados dos anos 80, o mundo ainda era dividido em dois eixos: o socialismo soviético e o capitalismo norte-americano. Talvez por conta dessa polarização política ou pela notória influência marxista na nossa intelectualidade, muito do que era publicado na imprensa ou ensinado nas escolas tendia a trazer em suas entrelinhas uma visão de luta de classes. No mundo da música não poderia ser diferente. Ao comprar as minhas primeiras revistas de rock, estava claro que existiam dois times rivais: os punks, representando a integridade e a revolução a partir de 1977, e o Rock Progressivo, a Disco Music e os seus filhotes pop, defensores do conservadorismo e do lado obscuro da indústria cultural.

Foi dentro desse clima de guerra fria que comecei as minhas incursões no rock. E, do alto da minha pouca capacidade de discernimento juvenil, assim como comemorava nas aulas de História a tomada de poder dos bolcheviques das mãos do Czar Nicolau II na Revolução Russa de 1917, passei a vibrar por qualquer matéria que revelasse a ascendência dos punks na música pop. Na minha cabeça, bandas como The Clash e Sex Pistols haviam aniquilado seus opositores de uma maneira tão eficaz e arrasadora como Stalin fizera na Rússia, a ponto de haver só espaço para o punk e suas ramificações (New Wave, Pós-Punk, Hardcore, etc) a partir do final da década de 70.

Essa visão de luta de classes perdurou na minha mente por algum tempo. Para mim, as coisas eram vistas meio que em preto-e-branco, com um grupo sempre dominando a música pop e não deixando espaço para os dominados. Então, a minha versão da história do rock se construía mais ou menos assim: de 1955 a 1962, o domínio do pop era dos criadores do estilo, a galera do rockabilly; a partir de 1963, os britânicos, liderados pelos cavaleiros dos Beatles, invadiram e dominaram o reino da música pop até mais ou menos 1970 (com o psicodelismo surgindo a partir de 1967); a queda dos Fab Four abriu espaço para o glam rock, o hard rock e a abominável tirania dos progressivos, liderados pelo impiedoso mago Rick Wakeman, até a chegada heróica dos punks ingleses em 1977. Em 1991, depois de um longo reinado da famigerada música pop, os mártires do Nirvana e seus asseclas de Seattle saíram de seu esconderijo underground para destruir o establishment, assim como os punks haviam feito uma década e meia antes. E por aí vai...

À medida que fui ficando mais velho e vivi certas experiências, passei a notar que o desenrolar dos fatos não era tão simples quanto eu imaginava. A história reta e linear foi então abrindo caminho para uma teia mais complexa, que dava espaço mesmo para os grupos não tão em voga lançarem discos legais em períodos de domínio de “rivais”. E, na realidade, a própria idéia de luta de classes – ou estilos, ou gerações - foi ficando para trás, quando vi que os ideais de um e outro grupo não eram tão antagônicos assim – na verdade, às vezes o grupo dominante havia, inclusive, bebido na fonte da geração anterior tão execrada, embora não revelasse. No momento em que tive esse insight, senti-me como participando do o último capítulo do livro Revolução dos Bichos (Animal Farm, em inglês), de George Orwell, só que na versão da música pop: olhando por uma janela, eu podia ver, no interior de uma gravadora, representantes da esquerda e da direita do rock sentados à mesma mesa e não havia mais como distinguir quem era progressivo ou punk.

Esse meu novo sentimento se materializou num texto da revista Mojo, que li no ano retrasado (ou passado, não sei – não consegui achar a revista aqui em casa). Na matéria, o repórter pedia que alguns ícones punk rock inglês – como Johnny Rotten e Glen Matlock, do Sex Pistols, e Captain Sensible, do The Damned, entre outros – citassem e descrevessem bandas dos anos 70 das quais eram fãs, mas não podiam revelar à época do estouro do movimento. Recordo-me de ter visto o Johnny Rotten citar uma banda esquisita de rock progressivo e de alguém (talvez o Captain Sensible ou o Glen Matlock) falar que gostava de Deep Purple. Já vi num documentário também o Johnny Rotten dizer que adorava Alice Cooper antes de se tornar famoso – o que não chega a ser uma grande traição do movimento, mas também traz seu grau de surpresa.

Seguindo essa mesma linha, já vi o pai dos mal-encarados e sujos metaleiros Ozzy Osbourne confessar que seu grande sonho na juventude era ser um pop e bem arrumado Beatle. No documentário sobre a vida de Joe Strummer, The Future is Unwritten (2007), é revelado que o líder do Clash era meio hippie antes de “defender” o partido punk (e deixar de falar com seus ex-amigos doidões do 101’ers). O vocalista dos Ramones, Joey Ramone, também já revelou ter sido glam e andar de sapato de salto alto antes de vestir suas jaquetas de couro pretas. E, aqui no Brasil, quem imaginaria que o metaleiro Andreas Kisser faria um dia turnê como músico convidado dos regueiros e skazeiros do Paralamas do Sucesso?

Ao mesmo tempo, é legal notar que aquela história de que, após 1977, quem deu as cartas foram apenas os punks também é uma grande farsa. Basta olhar a discografia de artistas de outros gêneros no mesmo período: o progressivo Pink Floyd lançou Animals em 1977 e o clássico The Wall em 1979; o Queen lançou News of the World em 1977 e The Game em 1980; o AC/DC lançou Let There Be Rock em 1977 e Highway to Hell em 1979; o rei do pop Michael Jackson lançou o clássico das discotecas Off the Wall em 1979.

Outro ponto interessante é ver a mistura, com o passar do tempo, de músicos de classes pretensamente antagônicas: o ex-guitarrista da banda de disco music Chic, Nile Rodgers, se tornou um dos produtores mais requisitados dos anos 80, trabalhando, inclusive, com artistas que influenciaram ou beberam da fonte do punk rock, como David Bowie, B’52’s e Duran Duran. O vocalista da banda pop/new wave dos anos 80 The Cars, Ric Ocasek, se tornou produtor de importantes discos do rock independente norte-americano nos 90’s: do clássico blue album do Weezer a Do the Collapse, do Guided by Voices, passando ainda por Rock for Light, dos punks rastas do Bad Brains. O stoner rocker Josh Homme, vocalista do Queens of the Stone Age, acabou de produzir o último álbum dos garotos indie punks do Arctic Monkeys. Aqui no Brasil, o roqueiro/blueseiro mainstream Roberto Frejat, do Barão Vermelho, já produziu os punks do Inocentes e, hoje, o plebeu oitentista Philippe Seabra produz bandas independentes de variados estilos, como Bois de Gerião, Beto Só, Los Porongas e Superguidis, e também bandas escancaradamente pop, como as brasilienses Superáudio e Colina.

O mais importante dessa história é sacar que não existem antagonismos da forma que às vezes nos “vendem”. Até hoje, ao ler algumas publicações especializadas em música, sinto vez ou outra uma certa defesa de um determinado estilo ou grupo de artistas em detrimento de outro, como se somente uma galera pudesse produzir boa música. Mais do que fruto de uma luta de classes, talvez a história do rock seja feita de uma troca meio caótica de experiências de artistas dos mais variados backgrounds - e é daí, inclusive, que nascem muitas vezes os novos caminhos. Utilizando uma expressão bem clichê e meio riporonga: o mais legal é se “despir de preconceitos” e ver o que cada música (ou artista) pode trazer de construtivo ou emocionante para a sua vida, seja ela feita por um cara cool como Nick Cave ou , no extremo oposto, por uma estrela do pop, como Kylie Minogue. Afinal, se até os dois astros autralianos de universos tão diferentes já toparam gravar juntos, por que seríamos nós, meros fãs mortais, que ousaríamos separar uniões tão belas e inusitadas como essa?

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Observatório da Imprensa (Musical)















Ontem, fiquei incomodado ao me deparar com a revista dominical encartada no jornal O Globo. A matéria principal tratava dos 40 anos do álbum Abbey Road, dos Beatles, com a capa trazendo a seguinte manchete: “Clube da Esquina - nos 40 anos de ‘Abbey Road’, último e MELHOR disco dos Beatles, o culto à capa mais reproduzida da História, em discos, filmes, clipes, anúncios e, claro, revistas”. O que mexeu com os meus brios foi a afirmação, ali na capa, sobre a supremacia do último álbum gravado pelos Beatles em relação aos anteriores. Ora, quem acompanha um pouco as publicações especializadas em música sabe que não existe consenso sobre qual o melhor disco dos quatro rapazes de Liverpool, nem mesmo em relação ao melhor álbum da história da música pop.

Neste tempo em que acompanho as sempre questionáveis eleições de melhor álbum da história, promovidas por veículos especializados (Rolling Stone, MOJO, UNCUT, NME, MTV, etc), já vi vários discos ocupando o alto do pódio: Sgt. Pepper’s Lonely Heart Club Band e Revolver, dos Beatles; Pet Sounds, do Beach Boys, What’s Going On, do Marvin Gaye e até Exile on Main St., dos Rolling Stones. Sinceramente, não me recordo de ter visto Abbey Road levantando o caneco de melhor álbum (nem da História nem dos Beatles).

Resolvi dar, então, uma lida na matéria, para ver se encontrava uma justificativa para aquela afirmação contida na capa da revista. O que achei foi um texto - pouco informativo, diga-se - sobre a parte gráfica do álbum Abbey Road, assinado pelo designer Felipe Taborda, acompanhado de um box, no qual o jornalista musical Antônio Carlos Miguel fala sobre a importância do último disco dos Beatles e sua gestação a partir de divergência musicais e de uma disputa de egos entre John Lennon e Paul McCartney. O experiente crítico do O Globo começa o texto exatamente com a frase: MELHOR DISCO DOS BEATLES, Abbey Road prova que a arte pode se beneficiar de tensões” (...).

Pelo que conheço (apenas como leitor) de jornalismo cultural, a crítica é o espaço mais aberto para a expressão de opinião do jornalista. Mesmo assim, acredito que seja perigoso emitir uma opinião tão contundente sobre uma obra que já se tornou clássica - e na qual, como disse, não há consenso sobre a superioridade de um disco em relação aos outros. Numa comparação grosseira, é como se um crítico de arte dissesse que a Mona Lisa é o melhor quadro de Leonardo da Vinci. Bem, você pode dizer que La Gioconda é a obra mais popular, a mais enigmática, sei lá, mas dizer que é a MELHOR soa bem esquisito.

Pior ainda é o editor da revista reproduzir essa linha opinativa num espaço não reservado para isso, que é a capa da publicação. Aí a coisa degringola de vez, pois o leitor menos informado não tem nem como “se defender” desse juízo de valor. A sorte é que música não é algo levado muito a sério e deslizes (ou desleixos) como esse não cortam a cabeça de ninguém.

PS: Para completar o meu estranhamento com grandes veículos da comunicação, hoje tive o desprazer de ler na capa da Folha de São Paulo a seguinte chamada: 94% acham que os TEENS de hoje bebem demais. Na boa, não sou nenhum defensor fervoroso e purista da Língua Portuguesa, mas por que a opção de trocar a palavra “adolescentes” por TEENS? Poderia ser problema de espaço, mas olhando para a página, não me parece ser isso. Talvez o editor da capa não quisesse repetir a palavra jovens, que já aparece em uma chamada anterior. Mas, para mim, nada justifica colocar a palavra TEENS como sinônimo de adolescentes ou jovens na capa de um jornal de grande circulação.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Hora de olhar para frente












A presença de bandas candangas históricas na escalação do último Porão do Rock jogou luz novamente em um rótulo musical que andava apagado havia mais de uma década: o “Rock Brasília”. Até mesmo o mais cético dos espectadores teve uma pitada de emoção ao assistir ao desfile de gerações roqueiras da capital federal no palco montado na Esplanada dos Ministérios no último final de semana: dos oitentistas Plebe Rude, Escola de Escândalo, Fallen Angel e Detrito Federal até os atuais Watson, The Pro, Superquadra e Móveis Coloniais de Acaju, passando ainda pelos representantes noventistas do Little Quail, Maskavo Roots e Os Cabeloduro – neste pacote, teve espaço até para os cariocas do Paralamas do Sucesso, espécies de padrinhos do rock federal. O clímax do festival foi a homenagem à Legião Urbana, maior nome da história do rock local (e, talvez, nacional), que reuniu membros de bandas brasileiras de diversas gerações.

Mais do que uma celebração, a 12ª edição do Porão do Rock acabou trazendo um sopro de motivação para algo que andava bem em baixa: a atual cena roqueira brasiliense. Quem acompanha as apresentações de bandas locais nos últimos dez anos, sabe que, com exceção do Móveis Coloniais de Acaju, o que mais se vê são shows meio vazios, com uma platéia formada quase que somente pelos amigos dos integrantes das bandas. Realmente, nada mais contrastante como os anos de ouro do rock da capital federal, que já viu seus representantes lotando estádios Brasil afora. Neste ponto, o Porão do Rock teve o papel de recordar-nos que vivemos numa capital com vocação não só para o rock, mas para a música POP, de uma forma geral.

Cheguei a Brasília em 1989, época em que existia uma verdadeira idolatria em relação às bandas da Capital. Lembro de, em minhas primeiras idas ao shopping Conjunto Nacional com a minha mãe, ver vários estandes com camisas que estampavam o nome de bandas brasilienses à venda. Além disso, era comum ter amigos de escola ou de quadra que tinham bandas, numa proporção bem maior do que em outros estados onde havia morado. O rock era uma espécie de orgulho e hábito locais, principalmente para uma cidade nova como Brasília, que ainda buscava a sua identidade cultural.

Viver minha adolescência aqui me fez adquirir uma “alma brasiliense”. E, de uma hora para outra, me vi fazendo parte dessa turma que produzia rock na capital federal. Para a minha geração, dos anos 90, essa história de ser uma banda brasiliense ainda tinha algum valor e rendia até espaço em jornais de outros estados. De certa forma, o estouro nacional da geração anterior (Plebe, Capital e Legião) fazia brotar uma curiosidade por parte tanto do público e crítica brasilienses quanto de outros estados pelo que estava sendo produzido por aqui.

O engraçado é que as bandas que “deram certo” nos anos 90 acabaram sendo aquelas que conseguiram se desapegar desse rótulo de Rock Brasília, o tal gênero politizado dos anos 80. Lembro que, no momento de entressafra entre os anos 80 e 90, as bandas que comandavam os shows e pequenos festivais locais eram os clones de Legião & Cia. E, subitamente, aquelas bandas de moleques que tocavam, sem muita pretensão, forró-core, hardcore, rockabilly, reggae, ska e indie rock começaram a ser vistas como as originais e se destacar dentro e fora da cidade. A mesma coisa aconteceu na passagem dos 90’s para os anos 00’s: o que predominava eram os filhotes de Raimundos, até que alguns grupos quebraram o paradigma do rock irreverente e de putaria, para impor uma nova marca “mais séria”.

O interessante é que, mesmo ficando cada vez mais para trás, o Rock Brasília dos anos 80 continuou sendo um fantasma (meio conservador, em alguns aspectos) para as gerações posteriores. Isso porque ele se tornou a base de comparação para qualquer banda nova que comece a se destacar na capital federal. Ora, não é preciso ser nenhum gênio para notar que um novo Renato Russo não vai aparecer por aqui nem tão cedo - ou nunca mais. Além disso, sem tirar o mérito dos talentosos artistas dos anos 80, o período pós-ditadura e o Plano Cruzado criaram um clima absurdamente favorável para o estouro de bandas de rock politizadas. Isso nos leva a crer que, simplesmente, é muito difícil que condições tão positivas façam o rock brasiliense voltar a ser uma ‘grife’ e ter o mesmo reconhecimento do passado. E, na verdade, talvez esse parâmetro de estouro nacional nem seja mais muito importante em tempos de internet e “independência”.

E é nesse ponto onde quero chegar. No último Porão do Rock, encontrei muita gente que não via há tempos, que foi ao festival para reviver momentos felizes de suas vidas. Nada contra esse saudosismo: eu mesmo faço isso de vez em quando e acho até saudável, se não for excessivo. E quem sou eu para falar de saudosismo num festival que eu mesmo toquei com uma banda já extinta? Por outro lado, chega a ser paradoxal notar que, em um evento que se propõe a elevar a bola do rock brasiliense, as bandas novas da cidade (com exceção sempre do Móveis) estivessem numa posição de tão pouco destaque, confinadas ao Palco Pílulas e concorrendo com as apresentações das grandes atrações. De certa maneira, talvez o rock de Brasília volte a brilhar dentro e fora da cidade quando parar de viver de sua história e passar a olhar para frente, a fazer história.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Reaprendendo a tocar as próprias músicas


Nos últimos dias, tenho me dedicado a uma tarefa inusitada: reaprender a tocar as músicas que eu mesmo ajudei a compor. Tudo porque a formação original do Maskavo Roots, banda que integrei até 1996, foi convidada para tocar na 12ª edição do festival Porão do Rock, que acontecerá no próximo final de semana na Esplanada dos Ministérios, em Brasília.

Já faz 13 anos que não tocamos juntos, tempo suficiente para que esquecêssemos boa parte dos arranjos – e das frases de guitarra, no meu caso. Além das recordações dos momentos que passamos juntos, o interessante desse reencontro com o passado é ver como funcionava nosso comportamento e pensamento musical quase uma década e meia atrás. Como num filme da série De Volta para o Futuro, sinto-me como um velho Marty McFly observando à espreita a sua versão mais jovem e torcendo para que o garoto não cometa erros que possam desviá-lo de um bom destino. Mas como a irresponsabilidade e a falta de noção são marcas quase inerentes da juventude, o que nos resta é relevar os tropeços cometidos ao longo do caminho.

Gravamos o nosso primeiro disco muito jovens, numa faixa que ia dos 19 aos 22 anos. O ano era 1994 e nós tínhamos assinado contrato — numa filial do McDonalds em Ipanema, RJ — com o Banguela Records, selo recém-lançado pelos Titãs. Em pouco mais de um ano e meio, nossa vida sofreu uma reviravolta: saímos da posição de uma banda quase colegial, que fazia shows em festas no Park Way e em casas noturnas e bares da cidade, para começar a tocar em outros estados e conhecer pessoas que só víamos antes na televisão. Uma das nossas qualidades era não sermos blasés, e, por isso, achávamos graça e ríamos entre nós quando conhecíamos um membro dos Titãs ou de outra banda famosa.

Como não tínhamos muita noção de como funcionava a vida de um músico profissional, estipulamo-nos a ingrata tarefa de ensaiar todas as tardes da semana – e foi isso o que fizemos por quase dois anos, na chácara do saudoso Marcão Adrenalina (tio do nosso baixista Marrara), perto do Posto Colorado. Ao chegarmos para a gravação do disco em outubro de 1994 no estúdio Be Bop, em São Paulo, recebemos até elogios dos produtores Carlos Eduardo Miranda e Nando Reis pelo esmero com a execução e arranjo das músicas. Do nosso lado, achávamos que havíamos feito apenas a nossa parte, apesar de hoje saber que aquele esquema anormal de ensaios diários nos fez dar um salto musicalmente.

E, neste ponto, acho que uma das nossas maiores qualidades era sermos criteriosos: cada componente sabia muito bem as partes que o outro tocava, pois checávamos e rechecávamos se o que um fazia chocava com a parte do outro. Era uma atividade que chegava a ser maçante, num esquema meio “treinamento de trapezistas de circo chinês”, mas que, no final, rendia bons resultados. A outra face dessa moeda chamada perfeccionismo era a dureza em relação aos nossos erros, o que, junto com a própria divergência dos caminhos musicais a tomar, tornou parte da nossa convivência insuportável. Além disso, engessamos muitas boas idéias que poderiam ter decolado se não fosse pela nossa própria caretice e excesso de zelo pelo que era “correto”.

Um dos efeitos positivos da passagem de tempo é nos fazer recordar cada vez mais dos bons momentos, deixando os ruins para trás. Dentre as minhas ótimas recordações, está um show com o Chico Science & Nação Zumbi em 1994, num campeonato de surfe em Porto de Galinhas: além do astral praiano e da nossa boa apresentação, foi lá onde conheci vários amigos da cena roqueira pernambucana. Outro esquema interessante foi a abertura de um show do Jorge Benjor no Ginásio do Ibirapuera, no que seria o primeiro link ao vivo da MTV Brasil: naquela tarde, durante a passagem de som, vi um tímido Fred 04 se apresentando e entregando o primeiro disco do mundo livre S/A para o seu grande ídolo Jorge Ben(Jor). Até o estressante dia em que fomos literalmente apedrejados na abertura de um show gratuito dos Titãs, no Vale do Anhangabaú, em São Paulo, soa engraçado visto agora de longe.

A despeito das experiências em outros estados, o mais legal é lembrar do que vivemos em Brasília naquela época: shows no Bronx, na Zoona Z, no Barcanal, na Concha Acústica da UnB, na Sala Martins Pena do Teatro Nacional e em tantos outros locais, ao lado de bandas amigas como OZ, Raimundos, Little Quail, Spigazul, Sunburst, Animais dos Espelhos, Low Dream, Firewood, Câmbio Negro, Depois das Três, El Kabong, Dungeon, Succulent Fly, Os Cachorros das Cachorras, DFC, Restless, Os Cabeloduro, Os Wallaces, entre outras. Trazendo para um plano ainda mais “íntimo”, chegam a ser emocionantes as memórias dos momentos em que nós sete, componentes da banda, passamos juntos: as brincadeiras e piadas nos ensaios, as soluções e idéias para a composição das músicas, as guerras de cuspe e fumaça anti-incêndio nas imprudentes viagens de carro interestaduais (uma delas sem o porte do documento do veículo!!!).

Quando lembro da minha versão aos 20 anos, costumo me achar um completo idiota: um sujeito meio inseguro, falastrão, agressivo, dono da verdade. O contato com as músicas antigas do Maskavo prova que, a despeito de algumas características negativas, talvez exista um preconceito de mim para comigo mesmo quando jovem. Sim, pois se aquelas músicas revelam uma forma de pensar muitas vezes ingênua, por outro lado, também mostram uma certa pureza de pensamento, um desprendimento e uma abertura em relação à vida e à música. Se hoje eu tenho que “penar” para tocar algumas frases simples de guitarra, talvez essa analogia do “correr atrás do que é puro” também sirva para outras áreas da vida.