terça-feira, 30 de junho de 2009

Everybody’s Changing: gol de placa do rock inglês


A banda inglesa Keane não tem muita moral com a crítica, embora sejam bons na venda de discos. Já os vi tachados de sub-Radiohead e até de sub-Coldplay, o que, para qualquer roqueiro que se preze, chega a ser vexaminoso. Do meu lado, guardo simpatia por eles: acho que compõem bem e são bons de arranjo. Podem não ser o grupo mais criativo e estiloso do mundo e, provavelmente, não lançarão nenhuma tendência, mas fazem corretamente o dever de casa, que é produzir boa música.

Na verdade, esse post não é para falar propriamente do Keane, mas de uma canção composta por eles: o mega hit Everybody’s Changing. Estava comprando um presente no último sábado e, enquanto esperava pelo empacotamento do produto, fiquei ouvindo essa música, que tocava ao fundo numa estação de rádio qualquer. Torci para que a moça demorasse um pouco mais no embrulho, para que eu tivesse um pretexto para continuar dentro da loja até o fim da canção.

Para mim, Everybody’s Changing é o exemplo da música em que tudo deu certo para a banda. O compositor trouxe uma idéia bruta acima da média, a banda trabalhou com competência nessa idéia, que ganhou uma letra caprichada e recebeu uma gravação à altura. É como se fosse um jogo de futebol, em que o time ganha de lavada por entrar coeso em campo, mesmo não sendo tão superior assim ao adversário.

Everybody’s Changing tem então essa conjunção astral positiva, a começar pela a frase marcante de piano e a levada de bateria suave, mas pulsante. A entrada do vocal, afinadíssimo e com timbre tendendo para o agudo, engrandece ainda mais a composição, travando um duelo com o riff do piano dentro da dinâmica, em que, quando um entra, o outro sai. A harmonia é um caso à parte: em tom maior e sem dissonâncias, parece ser influenciada por música erudita, mas sem os excessos de um rock progressivo, o que a torna refinada e naturalmente agradável aos ouvidos. Para arrematar, a letra traz um certo ar nostálgico, que deságua num refrão “ganchudo”.

É engraçado, mas o fato de o Keane ser uma banda comandada pelo piano — embora no último disco tenham dado uma guinada rumo a um som mais viril, digamos assim — revela muito do rock inglês para mim. Sempre achei que uma das diferenças entre o rock britânico e o americano é o fato de os ingleses terem uma educação musical mais tradicional, voltada para o piano e o clássico, enquanto os americanos são mais crias do violão, da batida pulsante (herança do Blues). Obviamente, essa não é uma regra rígida: você pega os ingleses Led Zeppelin ou mesmo representantes do Punk 77, por exemplo, e vê que o que manda ali é o instrumento de cordas, é a pulsação. E, por outro lado, os americanos Brian Wilson e Rufus Wainwright são totalmente “do piano”.

Mas, em linhas gerais, a minha impressão é que a harmonia e melodia são mais refinadas na Inglaterra (e na Europa, como um todo) e a pulsação, o rock mais cru, tem mais força nos Estados Unidos. Talvez essa seja uma das explicações para o processo cíclico de alternância entre norte-americanos e ingleses na hegemonia do rock: num momento, quem manda é a harmonia; em outro, o público prefere a pulsação e o som mais visceral. E, neste ponto, a relação parece ser de admiração e competição entre os dois lados, com influência mútua. Parodiando a frase que define a relação futebolística entre Brasil e Argentina: é como se os roqueiros americanos adorassem odiar o rock inglês, enquanto os roqueiros ingleses odiassem admirar o rock americano.

No meio dessa disputa acirrada, Everybody’s Changing é um gol de placa do rock inglês.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

“Maicon” Jackson (1958-2009)


Acompanhando as notícias da morte de Michael Jackson, não vi ninguém falando de um dos seus mais importantes legados à cultura brasileira: a introdução na nossa língua do vocábulo “Maicon”, nome que passou a batizar milhares de garotos pelo País – em sua quase totalidade, de origem pobre. Hoje, podemos encontrar “maicons” até na lateral da seleção brasileira.

Mas o que importa mesmo é a sua música. Com um talento diretamente proporcional à sua loucura, Michael teve uma carreira quase irrepreensível até o disco Thriller (1982), o álbum mais vendido da história. Depois, a sua música foi se deteriorando à medida que seu rosto desfigurava e a pele branqueava.

Não sou grande conhecedor de sua obra, mas é muito difícil não ser tocado pelos primeiros singles do Jackson 5 e por discos como Off The Wall (1979) e Thriller (1982) – espécies de Revolver e Sergeant Pepper’s do “Rei do Pop”. Considero o Thriller, a propósito, o disco mais bem produzido que já ouvi, em grande parte devido ao trabalho do mestre Quincy Jones. Ali está tudo no lugar: não tem instrumento sobrando ou faltando, a timbragem dos instrumentos é de extremo bom gosto e a execução dos músicos é perfeita e “com alma”. Com a cama forrada por Jones, Michael Jackson entrou na parceria com quatro composições (Billie Jean, Beat It, Wanna Be Startin’ Something e a faixa título), além de um vocal poderoso.

Paradoxalmente ao início da negação de sua negritude, os clipes de divulgação do Thriller acabaram abrindo as portas da MTV para os artistas negros norte-americanos – que, até aquele momento, eram renegados pela emissora. Aliás, neste ponto, cabe lembrar que a qualidade e esforço de produção dos clipes do Thriller fizeram com que este tipo de divulgação atingisse novos patamares — inclusive financeiros.

Voltando à cobertura pela imprensa, cheguei a assistir na GloboNews uma entrevista com o jornalista musical Arthur Dapieve sobre o legado de Michael Jackson para a música moderna. Achei que ele quis mostrar um equilíbrio e sofisticação na sua análise e acabou diminuindo a importância do “Rei do Pop”, colocando-o somente como mais um no pacote de música negra norte-americana pós-James Brown.

De fato, talvez Michael Jackson esteja musicalmente abaixo de James Brown, Al Green, Stevie Wonder, Marvin Gaye e outros ícones da música negra norte-americana. Mas o que coloca numa posição de destaque, na minha opinião, é a união de suas canções com o seu lado performático (incluindo o fato de ser exímio dançarino, como seu mestre James Brown), o seu carisma diante do grande público e a sua compreensão elevada de como a indústria musical funciona. Foram esses aspectos que o tornaram fenômeno, servindo de influência para uma variada gama de artistas – alguns de baixa qualidade, é verdade – nos últimos vinte e cinco anos (de Beyoncé a Justin Timberlake; de Black Eyed Peas a Fall Out Boy).

A morte de Michael Jackson, por conta de sua popularidade, acabou ofuscando o falecimento de outra celebridade, a ex-Pantera e super gata Farrah Fawcett. Numa dessas estranhas coincidências da vida, a Bela e a Fera acabaram deixando o mundo no mesmo dia, com destaque na imprensa para a Fera.

domingo, 21 de junho de 2009

Órfãos da Nação: elo entre o rock brasiliense dos 80’s e 90’s


Eu tenho uma teoria sobre o disco Órfãos da Nação, lançado em 1989 pelo grupo BSB-H: acho que ele é a ponte entre o rock brasiliense dos anos 80 (Legião, Plebe, Capital, Escola de Escândalo, etc) e dos anos 90 (Raimundos, Oz, Little Quail, DFC, Os Cabeloduro e outros). A minha posição se baseia no fato de que o BSB-H, à época formado por Alex Podrão (vocal), Paulo Delegado (baixo), Grillo (guitarra) e Sérgio Bolacha (bateria), já estava antecipando muito do rock pesado que iria preponderar nos anos 90, mas ainda com alguns traços da década anterior.

Órfãos da Nação é o segundo disco do BSB-H, banda que nasceu de uma espécie de dissidência mais pesada do Detrito Federal. A estréia deles aconteceu em 1986, com o lançamento do álbum Ataque às Hordas do Poder, split com a banda Stuhlzapfchen Von "N" (que cantava em alemão (!) e viria a se tornar depois o ARD).

Se o primeiro disco o BSB-H era mais hardcore, no Órfãos da Nação a banda veio com uma produção mais elaborada e um som pautado no moderno estilo crossover, de bandas como DRI, English Dogs e, principalmente, Suicidal Tendencies. Esse passo à frente, fez com que eles deixassem de lado o punk mais clássico que havia influenciado Legião & Cia e se alinhassem ao som que a molecada estava curtindo na época. E quem seriam esses moleques? Exatamente os caras que formariam (ou já haviam formado) as bandas que despontariam em meados dos anos 90.

Além do som, outras variáveis contribuem para essa condição de elo entre passado e futuro do disco Órfãos da Nação. Em primeiro lugar, a temática das letras estava mudando: ainda existia o cunho de protesto político e social (Dead Neves e Digo Não), mas já surgiam músicas que falavam de skate, por exemplo (Skate ou Morra, Skate não é Crime e Power Banks). Neste ponto, o próprio visual da banda deixava de lado a influência do vestuário punk e pós-punk inglês e se aliava à descontração californiana (bandanas, bermudas, etc).

No lado mercadológico, o BSB-H também apontava para novos rumos: Órfãos da Nação foi lançado por uma gravadora independente, a paulista Devil Discos, revelando uma alternativa às majors. Além disso, o vocalista Alex Podrão, ao contrário dos membros de Legião, Capital e Plebe, era figurinha fácil na cidade. Você podia encontrá-lo num ponto de ônibus ou na loja da Devil, no Conic. Isso, para um garoto de 15/16 anos, não é qualquer coisa: afinal de contas, Podrão era aquele mesmo cara que havia aparecido na TV Globo, no programa Mixto Quente, no verão de 1985/86, tocando com o Detrito Federal.

É lógico que o BSB-H não estava sozinho nessa jornada rumo aos anos 90. Outras bandas da cidade, como Volkana, P.U.S., Filhos de Menguele e o próprio Detrito Federal (liderado por Cascão), também tiveram a sua fatia na história, mas nenhuma dessas conseguiu materializar um produto tão fechado concetualmente e num momento tão oportuno quanto o BSB-H, em Órfãos da Nação.

Não se pode esquecer também que todo um cenário de rock independente estava se estabelecendo no Brasil – principalmente em São Paulo. Do lado do rock pesado, bandas como Grinders, Lobotomia, Não Religião, Mercenárias, Ratos de Porão e outras também já estavam na mesma sintonia do BSB-H, deixando de lado as velhas influências dos anos 80 e com um pé nos 90’s. Além disso, uma outra corrente de bandas mais "leves", como De Falla, Kães Vadius, Violeta de Outono, Vzyadoq Moe e Picassos Falsos, também já traziam algo diferente do que se vira no começo da década. E não se pode esquecer do Sepultura, que trafegava numa via completamente inovadora e exitosa para o mercado brasileiro: cantando em inglês e lançando pela gravadora holandesa Roadrunner. Foi a mistura de isso tudo que acabou desembocando no que viria a se tornar mainstream no nos anos 90.

De qualquer forma, no meu ponto de vista, a garotada mais nova não tinha tanto saco para o rock cabeça de um Vzyadoq Moe, Akira S ou Fellini. Essas bandas vieram a influenciar caras que já eram mais velhos no final dos 80’s, como o pernambucano Chico Science, por exemplo, que chegou a gravar a música Criança de Domingo, do Funziona Senza Vapore (projeto de ex-integrantes do Fellini). É por isso que acredito que, em Brasília, o Órfãos da Nação, do BSB-H, tenha tido um efeito tão forte: veio ao encontro de uma molecada cheia de energia e, ao mesmo tempo, aberta para novas tendências.

PS: Se o Órfãos da Nação serviu como elo entre o rock brasiliense dos anos 80 e 90, o disco de estréia da banda Divine, lançado em 1997, para mim é a ponte entre os anos 90’s e 00’s do rock candango. Mas isso é assunto para outro post.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Demasiadas influências


É impressão minha ou tá meio na moda, entre as bandas independentes modernas, colocar informações não somente musicais entre as influências? Nem sei direito o que acho dessa tendência – na verdade, talvez tenha uma certa implicância, pois me soa como “quero ser diferente”. De qualquer forma, navegando em sites como My Space ou Trama Virtual, é comum se deparar com as seguintes informações:

Banda: Flambados em Ácido (artista fictício)
Influências: Beatles, lego, bola de gude, Black Sabbath, Mussum, comandos em ação, Broken Social Scene e Luis Buñuel.

E o pior é que são sempre umas coisas meio nonsense, que misturam música, referências da infância e algum cineasta cabeça. Sei lá, de tanta busca pela diferença, acabou virando lugar comum. Será que estou ficando um veterano ranzinza?

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Haverá outro caminho para o Lab Clássicos?


Durante as manhãs, costumo assistir à faixa de programação Lab Clássicos da MTV, enquanto me arrumo para o trabalho. Geralmente, fico com a TV ligada das 7h15 às 7h55, revezando entre a MTV e o telejornal Bom Dia Brasil. Quando a matéria jornalística é interessante, deixo na Rede Globo. Quando o clipe é bom, fico na MTV. Vez ou outra, a parada é dura e, então, me pego trocando rapidamente de um canal para o outro, a cada 10 segundos, para ver se consigo pegar as duas informações.

O Lab Clássicos é a faixa que mais gosto na MTV: primeiro, porque é concentrada apenas na exibição de videoclipes, deixando de lado o perfil adolescente adotado pela emissora nos últimos anos; segundo, porque os clipes, geralmente, são de bandas legais. Hoje, por exemplo, peguei a seqüência: Soundgarden, Mad Season, Hüsker Dü, Minutemen e fIREHOSE. Gostei da lógica da programação: começando com bandas de Seattle (Soungarden e Mad Season), partindo para o que as influenciou na cena indie norte-americana dos anos 80 (Hüsker Dü e Minutemen), e terminando no elo entre Minutemen e fIREHOSE: o baixista e herói indie Mike Watt.

Apesar dos méritos evidentes na programação do Lab Clássicos, guardo também minhas críticas. Uma delas é ter a impressão de que alguns clipes se repetem bastante. É o caso de There’s No Other Way, do Blur. Sempre que me deparo com esse vídeo, vem-me a pergunta: — Será que não há outro clipe do Blur no acervo da MTV? Bom, é lógico que tem. De cabeça, já lembro de Coffee and TV, Tender, Song 2, Country House e Boys and Girls. Mas, por algum motivo, There’s No Other Way tá sempre lá, imbatível.

Outro ponto negativo no Lab Clássicos: a programação costuma se focar muito nas décadas de 80 e 90. A explicação é meio lógica: o formato atual do videoclipe e própria a MTV surgiram nos anos 80. Então, a quantidade de clipes produzidos de lá para cá é muito maior do que nos anos 60 ou 70. Mesmo assim, tenho a impressão de que a coisa poderia ser mais bem balanceada. É muito difícil ver, por exemplo, um vídeo do Chuck Berry, do Led Zeppelin ou do Jimi Hendrix. Cantores clássicos da música negra norte-americana, então, como Curtis Mayfield, Marvin Gaye ou Supremes, ou outros reggaes que não sejam Bob Marley, são quase impossíveis de serem vistos. De repente, eles passam antes ou depois de eu ligar a televisão. Mas acho que seria muito azar da minha parte me deparar tanto e quase tão somente com There’s No Other Way.

Um terceiro ponto: a faixa de programação se chama Lab Clássicos, mas, na verdade, tornou-se um espaço para clipes antigos, de artistas não necessariamente consagrados. Já vi vídeos de grupos meia boca da década passada, tipo Spin Doctors. Se não me engano, rolou um do “regueiro branco” Snow outro dia também. Ora, isso não tem nada de clássico. Na verdade, teria mais lógica a faixa se chamar NAFTALINA (ou algo do gênero), nome que a Transamérica já usou num programa que se propunha a tocar velhos hits.

A impressão que fica é que a MTV parece ser hoje dominada por funcionários membros de bandas independentes paulistas, os quais acabam impondo as suas preferências musicais na programação. Nesse ponto, acaba sendo mais fácil assistir a um clipe do Pavement ou do Blur do que de outro do Frank Zappa ou do Deep Purple. Se não for isso, a causa do desequilíbrio no Lab Clássicos só pode ser fruto de displicência e preguiça dos programadores, mesmo.

Por fim, sei que, em termos de produção, seria mais caro e trabalhoso, mas aquele formato do antigo Clássicos MTV, apresentado pelo Fábio Massari, era perfeito. Além de passar os clipes, o Reverendo (acho meio ridícula essa alcunha, mas precisava de um sinônimo) ainda dava informações valiosas sobre os artistas apresentados. O programa era informativo e, ao mesmo tempo, divertido. Ah, e só exibia clássicos de verdade.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Surf Music ... Australiana



De uns tempos para cá, tenho redescoberto algumas bandas australianas dos anos 80, que, no Brasil, eram muito populares entre surfistas: INXS, Australian Crawl, Hoodoo Gurus, Midnight Oil, The Church, Spy vs. Spy e GANGgajang. Esse reencontro aconteceu via You Tube, provavelmente num acesso de saudosismo da minha parte. É engraçado, pois devo parte da minha aproximação com o rock ao surfe, esporte que pratiquei com alguma seriedade entre 1985 e 1988, quando morava em Recife e, depois, no Rio de Janeiro. Meu irmão, quase 10 anos mais velho do que eu, foi quem me apresentou as bandas “do momento” e gravou as primeiras fitas de rock para mim.

O estouro de uma banda no meio do surf acontecia (e ainda acontece), muitas vezes, graças à aparição de alguma de suas músicas nos filmes e/ou vídeos do gênero. Desta forma, lembro-me de Talking Heads tocando no vídeo The Performers (1984); de INXS, num vídeo dedicado ao bicampeão mundial Tom Carroll; de Hoodoo Gurus, no filme Beyond Blazing Boards, e, já nos anos 90, de bandas como Offspring e Pennywise servindo como trilha sonora para o “novo surfe” dos jovens (à época) Kelly Slater, Rob Machado e cia., na série de vídeos Momentum.

Como a maioria dos discos não era lançada no Brasil – com exceção de INXS e Midnight Oil, talvez – o jeito era gravar de quem os trazia do exterior. Em tempos modernos de fácil acesso à internet, até quem viveu naquela época esquece o quanto era trabalhoso conseguir determinados sons (não lançados no Brasil): ir à loja da esquina para comprar uma fita K-7 virgem, marcar uma ida à casa do amigo ou conhecido para gravar o disco, deixar a fita gravando por cerca de uma hora (trocando-a de lado a cada 30 ou 45 minutos). O fato é que, muitas vezes, ter a fita ou disco de um grupo desconhecido era uma espécie de prêmio, digno de tiração de onda com os amigos que não o possuíam.

Mas voltando ao rock australiano em si. Depois de tantos anos sem ouvir essas bandas, lembrei que algumas delas eram mais do que lembranças saudosistas: elas possuíam qualidade musical. O Australian Crawl, por exemplo, tem ótimos arranjos, letras irônicas e “para cima” e um guitarrista de mão cheia. Já o Hoodoo Gurus traz uma pegada mais roqueira, com influências de Beatles e rock sessentista em geral, além de um instrumental competente e ótimo vocalista. O INXS dispensa apresentações, mas é uma banda, infelizmente, não muito levada a sério no Brasil. Quem quiser prestar a atenção neles vai se deparar com um pop competentíssimo, com arranjos excelentes, instrumentistas de alto nível e um vocalista com boa voz e carismático – o finado Michael Hutchence. O Midnight Oil também é uma ótima banda, que chegou a ser candidata ao posto “novo U2”, por volta de 1988. O som deles traz um jogo afiado de guitarras (que remetem ao Clash, em alguns momentos) e letras ecologicamente engajadas do ativista carecão Peter Garret – só acho a batida, às vezes, meio repetitiva. O The Church traz um som mais psicodélico, com influências de folk e apoiados na voz cool do frontman Steve Kilbey. As únicas bandas que, para mim, não passaram no teste do tempo são as da safra imediatamente posterior: GANGgajang e Spy vs. Spy.

O sucesso alcançado pelo filme Pulp Fiction, em meados dos anos 90, fez com que muitos artistas da verdadeira surf music (norte-americana, dos anos 60) fossem redescobertos pelo grande público: Dick Dale, The Tornadoes, The Revels, The Trashmen, The Ventures, entre outros. Esse fato colocou em xeque o rótulo utilizado – pelo menos, no Brasil – para designar as bandas australianas dos anos 80. Algumas matérias publicadas na imprensa musical à época até chegaram a desdenhar Australian Crawl & cia., ironizando o fato de terem sido chamados erroneamente de surf music até aquele momento.

Rótulos à parte, essa geração australiana dos anos 80 acabou deixando um legado bem interessante para o rock mundial, com suas composições leves, ensolaradas e espertas – muitas vezes na contramão da sobriedade em voga na Inglaterra. Além disso, marcaram um momento importante de profissionalização e divulgação do surfe no mundo, o que ajudou a identificá-las com o esporte. Nesse sentido, mesmo que não tenham sejam os verdadeiros pais da criança, tais grupos acabaram conquistando, no imaginário popular, o direito de receber a alcunha de surf music.

Enquanto não pego “as manha” do podcast, seguem alguns títulos para serem baixados, os quais podem dar uma boa idéia do rock feito na Austrália nos anos 80:

LADO A

1 – Boys Light Up – Australian Crawl
2 – This Time – INXS
3 – Bittersweet – Hoodoo Gurus
4 – Under the Milky Way – The Church
5 – Beds Are Burning – Midnight Oil
6 – Credit Cards – Spy vs. Spy
7 – Gimme Some Loving – GANGgajang

LADO B

1 – Errol – Australian Crawl
2 – Don’t Change – INXS
3 – Leilani – Hoodoo Gurus
4 – Reptile – The Church
5 – US Forces – Midnight Oil
6 – Don’t Tear It Down – Spy vs. Spy
7 – Shadow of your Love - GANGgajang