terça-feira, 10 de novembro de 2009

As guitarras entrelaçadas e nada convencionais de Nova York











É engraçado como a música, geralmente, está conectada à região de onde provem. Assim como sotaques, hábitos, tradições, culinária, muitas vezes é possível identificar a origem de uma banda apenas pela sua sonoridade. Às vezes, essa marca regional é tão forte, que acaba dando nome ao próprio estilo musical, como o Southern Rock (ou rock sulista) de Allman Brother, Lynyrd Skynyrd e Creedence Clearwater Revival, ou o Rock Gaúcho, aqui no Brasil.

A cidade de Nova York, nos Estados Unidos, é muitas vezes apontada como o grande centro cosmopolita do mundo. E, não à toa, suas bandas costumam trazer esse lado, digamos, mais “descolado” em sua bagagem: de Velvet Underground a Ramones; de Blondie a Vampire Weekend; de New York Dolls a Beastie Boys; de Talking Heads a Rapture, a sensação ao se ouvir esses grupos é a de abrirmos uma porta para o mundo, de estarmos penetrando num caldeirão multicultural, mesmo que isso signifique estar enclausurado em uma selva de pedra.

Além do perfil antenado, o rock novaiorquino também é responsável por gerar uma das escolas mais interessantes em termos instrumentais: a das guitarras entrelaçadas e nada convencionais, que, diante de tantas referências, ousam fugir à herança clássica e pura do Blues. Nesse aspecto, três bandas de gerações diferentes representam de forma brilhante essa característica: Television, Sonic Youth e The Strokes. Funcionando num esquema quase de árvore genealógica, elas se calcam na produção de seus antepassados, sempre prestando reverência ao patriarca da vanguarda novaiorquina: o Velvet Underground, banda que vestia roupas pretas e falava de heroína em pleno florescer do colorido movimento hippie; que vendeu poucos discos em sua época, mas veio a influenciar várias gerações posteriores.

Dessa herança do Velvet Underground somada às vanguardas do jazz (Be Bop, Fusion), surgiram as guitarras do Television, em meados da década de 1970. Tive a oportunidade de assistir a uma apresentação deles no Tim Festival, em 2005, e posso dizer que foi um dos melhores shows da minha vida. É impressionante como as guitarras de Tom Verlaine, com timbres quase limpos, casam com os sons mais saturados do doidão Richard Lloyd, formando uma espécie de balé de riffs e solos de guitarra, no qual mal se delimita o fim da frase de um e o início da do outro. Acredito que, como eu, muitos tenham dificuldade de, só de ouvido, saber quem é Lloyd e Verlaine dentro das canções do Television, tamanha a interação dos guitarristas. E a tal “renúncia do blues” faz com que, ao se assistir às apresentações da banda, vejamos os dedos dos dois guitarristas (principalmente, Verlaine) deslizando pelos braço da guitarra por caminhos não muito tradicionais, numa jam session que parece residir num lugar entre o rock e o jazz. Realmente, para um estudante de guitarra, o show do Television vale quase como uma aula do mestrado.

A dupla de guitarristas da banda oitentista Sonic Youth, Thurston Moore e Lee Ranaldo, parece ter estudado com afinco as lições dos mestres do Television, aprofundando ainda mais a questão do experimentalismo, com toques de música dodecafônica e John Cage. E se a onda do Television eram as jams e as escalas inusitadas, o Sonic Youth preferiu investir nas afinações esquisitas, nas longas e climáticas partes instrumentais e na extrapolação dos limites do próprio braço da guitarra. E, novamente, o entrelace das frases cria uma enorme dificuldade — no bom sentido — de identificação de quem é um ou outro guitarrista nas músicas do Sonic Youth. Um ponto interessante da sonoridade das guitarras da banda tem a ver com o que um grande amigo declarou a respeito do Lee Ranaldo (e que parece servir para o Thurston Moore também): a impressão que dá é que ele pega as escalas musicais naquelas revistas de violão e guitarra e só toca as notas onde o pontinho NÃO está marcado. Ou seja, é dissonância em sua forma mais pura, empunhada por uma das mais criativas e entrosadas dupla de guitarristas do rock.

Por fim, mas não menos importante, temos a rapaziada (esse termo é meio escro***) do The Strokes. Celebrado no começo do milênio como a grande sensação do rock moderno, o grupo de John Casablancas deixou de ser novidade e passou a ser alvo de algumas críticas no decorrer de sua carreira. Hypes à parte, trata-se de um bandão, formado por uma das mais afiadas dupla de guitarristas que já vi. Também tive a oportunidade de assisti-los no Tim Festival de 2005 e fiquei de cara com as guitarras extremamente bem timbradas, arranjadas e executadas. Na linhagem das guitarras novaiorquinas, o Strokes deixa o experimentalismo do Sonic Youth e as jams do Television para trás, investindo numa fórmula mais pop, de músicas de curta duração. De qualquer forma, a dupla de guitarrista do Strokes está longe de ser tradicional: tanto na forma de tocar seca e de riffs certeiros de Albert Hammond Jr. quanto nas frases mais longas virtuosamente empunhadas por Nick Valensi estão presentes referências ao lado jazzy do Television e à própria visão mais “aberta” de pensar da escola de rock novaiorquina.

Três grandes bandas de rock formadas por fenomenais duplas de guitarristas. O que Television, Sonic Youth e The Strokes nos provam é que, a despeito de toda a tradição que cerca o já cinqüentão rock’n’roll, as guitarras ainda podem surpreender e extrapolar limites, quando pensadas de forma inteligente e criativa. Neste caso, o cosmopolitismo novaiorquino ajudou a escrever um dos capítulos mais sofisticados e elegantes dessa história.

11 comentários:

  1. Massa. Lembro de que quando ouvi o Strokes pela primeira vez, logo quando a banda apareceu, a primeira coisa que me veio à cabeça foi o Television. O disco Is this it foi um dos últimos que comprei (antes das facilidades do download) e é um disco sensacional, com faixas memoráveis.

    Muito boa a postagem, é importante trazer à tona algumas bandas (como Television e Sonic Youth) das quais não se fala tanto por aí.

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  2. Pinduca, ótimo texto. É natural que o Rock'n'Roll sofra influências culturais e geográficas. São estas nuanças que aparecem facilmente nas músicas e conferem o tal "sotaque" às bandas. Eu venero os Strokes exatamente pela alta voltagem criativa e entrosamento das guitarras e isso é resultado, obviamente, do incrível caldo cultural onde a banda foi formada. E o Nirvana, Pinduca? Só uma cidade como Seattle teria forjado uma banda dessas?

    Beijocas!

    Déby

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  3. Strokes, além de ser um dos últimos cds comprados, como disse Renato aí em cima, foi também, para mim, a última grande coisa do rock.

    Entrando naquele assunto que você já discutiu aqui, Pinduca, sobre não "ir com a cara" das bandas novas, o lance é que o rock virou trilha de comercial. Tudo quanto é propaganda, principalmente de carro, tem um rock indie guitar band na trilha sonora... Hoje o rock é jingle pra vender coisas. Parece que as guitarras pararam de incomodar.

    E pra não perder o costume (o meu), você esqueceu de citar o Maskavo Roots nessa lista de bandas com guitarras entrelaçadas...

    Abração,
    Cury.

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  4. ei, ...
    Men at Work também é legal.

    ...tantan nananã tananã nanã
    tã nana nana nananã. (é o refrão do Its a Mistake)

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  5. carvalho, o Pinduca, quebrou tudo. A parada de NYC é bem por aí mesmo: 'Uma renúncia ao blues' de algumas bandas. Seria isto feito de forma consciente?
    Tem que ver que as suas bandas citadas tem alguma relação com o DIY do punk.Acredito que isto tenha a ver. Mas é só uma suposição, pois pra ter uma opinião igualmente interessante, seria legal ver, viver a onda de Nova Iorque pra ver qual é que é das sacações das tais guitarras. Mas visto daqui de fora,sim tem umas bandas novaiorquinas que 'renunciam' esta herança.
    Observei o comentário acima - Débora - e arrisco um palpite: O Nirvana foi único, assim como as condições que tornaram possível o boom daquele som. Mas, se a gente der uma boa olhada no underground norte-americano nos 80's, particularmente entre 86 - 90, dá pra perceber algumas coisas em comum entre várias bandas de várias regiões diferentes ( tipo, bandas das cenas de minneapolis, como o husker dü, seatle, as bandas universitárias de chicago e todas das college radios ). Esta(s) cena(s) sofreu(ram) grandes modificações durante a ascenção da MTV, as bandas hair metal, da NewWave e da cena de Acid do fins dos 80.Estas modificações, mal tivemos contato aqui no Brasil da época.
    Eis que de repente... Surge o Nirvana. Não penso que foi beemmm assim. O underground americano tinha muitas bandas com características em comum, também verificáveis na cena de Seatlle. O que não tira a originalidade de algumas bandas de lá - não só o Nirvana, mas Alice in Chains, Soundgarden e o Pearl jam.

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  6. Fala, galera. Peço desculpas pela demora numa resposta aos comentários. Realmente, ando meio ocupado e, quando sobra um tempo, tenho priorizado a redação dos novos textos. Foi mal aê. Bom, mas vamos lá:

    Renato: Realmente, Strokes tem um pegada bem Television, sem os esquemas das longas partes instrumentais. Isso era mais ou menos o que eu queria dizer no texto: sobre essa linhagem das guitarras não-tradicionais novaiorquinas. Quanto ao Is This It: também me amarro neste disco. É um dos últimos que realmente me chamou atenção. Fodástico, como dizem por aí

    Débora: Acho que o Nirvana também tem fortes conexões com a região de onde veio também (Aberdeen/Seattle). Obviamente, essa geografia não pode virar algo determinista. Mas, poxa, quando olhamos para a história do que se convencionou chamar de “grunge”, notamos que as bandas que compunham o ‘movimento (???)’ possuíam semelhanças estéticas e de postura em relação ao mainstream, sem tirar o espaço da indidualidade de seus componentes. Aqui no Brasil, isso rola forte também: uma banda paulista é bem diferente de uma brasiliense, que, por sua vez, também é diferente de uma carioca, matogrossense ou pernambuca, e por aí vai. É engraçado que algumas bandas são apontadas como a banda de tal lugar mais com a cara de outro lugar. De cabeça, recordo-me da banda gaúcha Walverdes: a banda mais goiana do Rio Grande do Sul. Ou seja, são bandas que se diferem bastante do estilo e da forma de pensar de sua região. Mas até para esses conceitos (ou rótulos) rolam certos questionamentos.

    Cury: Para mim, Strokes foi uma das últimas grandes coisas do rock também. Realmente “Is This It” é um marco da virada do milênio. Se hoje temos Franz Ferdinand e Arctic Monkeys e se tivemos Libertines, isso tem muito a ver com a influência dos Strokes no início dos anos 00’s. Concordo com você: o indie virou trilha sonora de propaganda e isso tem um lado legal (de divulgação de boas músicas), mas outro lado bem perigoso (de pasteurização do estilo, o que já ta rolando há algum tempo). Quanto ao Maskavo, não sei se entra muito nessa turma citada no texto, pois o estilo é mais tradicional. Uma coisa é certa: como sempre toquei em bandas com duas guitarras, passei a prestar atenção e valorizar este trabalho de duplas de guitarras. De qualquer forma, é uma honra que vc tenha nos colocado neste pacote.

    Pedro: Men at Work realmente é uma banda legal e divertida. Gosto bastante do rock autraliano dos anos 80 e você pode conferir isso no primeiro texto que escrevi para o blog. O único problema do Men at Work, na minha opinião, é o fato de achá-lo uma banda meio sem sal. Veja bem, isso é uma opinião bem pessoal. Mas, para exemplificar o que digo, em meus anos de rock, nunca vi banda alguma dizendo que era influenciada por Men at Work. Sei lá. Talvez falte uma marca pessoal mais forte para a banda. De qualquer forma, as músicas são bem feitas e a banda é legal, mesmo.

    Professor Marcelo “Zeca” José: Seu comentário não foi um comentário, mas, sim, uma aula. Não tenho nada a acrescentar: só a aprender :)

    Grande abraço a todos.

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  7. Tudo bem, Carlos? Meu nome é Leocádia Joana e você já me conhece!!!!!

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  8. Fui pedalar hoje, com o sol a pino, quando te vi. Quase disse "bom dia", mas não quis parecer ousada. Meu primeiro contato contigo foi no Ò´Rilley quando te escrevi um bilhetinho elogiando seu jeito peculiar de tocar guitarra. Meses mais tarde foi no A.Futebol Clube, tu fostes atencioso. Depois foi no festival Porão do Rock, fiquei pertinho do palco, só que v. não me viu porque estava mirando o chão - como de praxe. Não te censuro por isso, muito pelo contrário: é seu maior charme! Um beijão!!!!!

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  9. Em tempo: esse nome google foi um erro primário. Meu nome é Leocádia Joana Garibaldi Pinto!!!!!

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  10. Leocádia: Tudo bem? Lembro do nosso encontro no O’Rilley’s, no show do Clash City Rockers: você comparou a minha postura no palco com a do Graham Coxon, do Blur. Legal que você está acompanhando o blog. Só uma dica: não leve muito em consideração as besteiras que escrevo por aqui (rs).

    Bjs.

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  11. Salve Pinduca! Vou ficar acompanhando seu blog. Querm me indicou fou o Nobre. Adorei esse texto sobre o Sonic Youth(minha banda favorita) e o Television uma das favoritas. Tive o prazer de ver as duas bandas ao vivo duas vezes. jantei com o pessoal do Television e ainda me deram o setlist do Show deles no abril pro rock de presente. Parabens amigo e continua escrevendo.

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