domingo, 22 de agosto de 2010

Quando uma ótima banda se torna uma péssima influência

Radiohead: experimentais que geraram seguidores caretas 
Algumas filosofias orientais acreditam que toda ação carrega em si uma carga de bem e de mal. É um tipo de pensamento que busca enxergar por trás das aparências e dos efeitos imediatos de um ato, analisando desde as reais intenções existentes ali até suas conseqüências a longo prazo e a longas distâncias. De tão intrincada e ampla, essa visão holística de mundo chega a apostar que o bater das asas de uma borboleta no Japão pode influenciar a vida de um cidadão no interior do Mato Grosso. Ou seja, por mais que a nossa boa intenção seja apenas a de conter um vazamento de um cano d’água, podemos, sem saber, estar ajudando a romper as comportas de uma grande represa.

A princípio, um assunto tão místico como esse estaria a léguas de distância do cético e materialista rock’n’roll. Mas, analisando um pouco a história do gênero, notamos que o princípio de bem e mal em uma mesma ação também se aplica ao estilo musical criado por Chuck, Elvis e Richards nos anos 50. E isso faz com que bandas excelentes, algumas até mesmo responsáveis pela ruptura de barreiras em determinadas épocas, sejam exatamente os entraves de outros momentos, por meio de uma influência nefasta em grupos absolutamente sem talento.

Os discípulos de Rolling Stones se ativeram à atitude cafajeste
da banda, em detrimento da boa música
O Rolling Stones é um desses exemplos de banda legendária, que, em contrapartida a sua inegável competência musical, ajudou a criar alguns dos piores monstros - no mau sentido - do rock. Basta ouvir vários grupos de hard rock e glam dos anos 70 e “rockões cafajestes” dos 80’s, que, inspirados pela atitude “bad boy” e o lado pesado da banda de Mick Jagger e Keith Richards, conseguiram a façanha de tornar o rock’n’roll um estilo quase... brega. No Brasil, muitas bandas seguiram essa tendência, como os setentistas do Tutti-Frutti e do Made in Brazil e os oitentistas do Barão Vermelho e do Garotos da Rua, alguns deles fazendo sua música até com certa competência. Mas, no geral, o resultado das bandas influenciadas por Stones é aquém do aceitável, com um rock previsível, de letras quase infantis de tão mal escritas, e componentes vestidos com jaqueta de couro preto e mullets de causar náusea em qualquer pessoa minimamente ligada em estética.

Uma outra excelente banda que gerou filhotes indesejáveis é o Van Halen. Liderada por Eddie Van Halen, um gênio da guitarra tanto em técnica quanto em bom gosto, o VH acabou ajudando a disseminar o que se convencionou chamar de Metal Farofa, com grupos formados por componentes muito ligados ao virtuosismo (e ao visual bizarro de roupas coloridas e cabelos com laquê!!!), mas pouco inspirados. Quer exemplos? Mr. Big, Tesla, Poison, Extreme, White Lion e por aí vai. A cena formada por bandas “poser” e guitarristas super técnicos – apelidados de “punheteiros” – se tornou tão popularmente grotesca no final dos anos 80 e começo dos 90’s, que o próprio Van Halen saiu com filme queimado da história, numa daquelas injustiças que o futuro há de reverter.

Mas a lista de bandas excelentes que serviram de influência para péssimos grupos não pára por aí. De cabeça, posso lembrar de U2 e sua escola de bandas que tentavam ser, ao mesmo tempo, pop e engajadas. Na maioria das vezes, o que se via nos aspirantes a U2 era um discurso político baseado em argumentos fracos e uma música pobre, longe da classe e força propagada pela turma de Bono Vox e The Edge. Outra banda excelente - quase revolucionária - que gerou rebentos chatérrimos é o Radiohead. Por algum motivo, seus filhotes optaram por deixar de lado a inteligência e o lado experimental da banda de Thom Yorke, para se apegar a uma música melosa e arrastada. Talvez o exemplo de rebento do Radiohead (e do U2, também) mais bem sucedido – e chato, na opinião deste que vos escreve – seja a banda inglesa Coldplay. Mas há outros seguidores meio pentelhos que vão desde Howie Day até (o competente, mas meio “over”) Muse.

No Brasil, dois grupos muito bons exerceram péssima influência sobre suas crias: Chico Science & Nação Zumbi e Los Hermanos. Enquanto o primeiro foi responsável pela proliferação de diversos grupos pseudo-folclóricos nas décadas de 90 e 00, apegados superficialmente a tambores e supostas raízes brasileiras, a banda dos barbudos cariocas fez com que um monte de gente achasse que a fórmula da boa música era simplesmente resgatar velhos discos de MPB dos pais e tentar escrever como Chico Buarque. Obviamente, a esmagadora massa de bandas seguidoras dos Los Hermanos acabaram com letras falsamente poéticas e harmonias e arranjos metidos a rebuscados e abrasileirados. O resultado, na maioria das vezes, é uma verdadeira lástima.

Pearl Jam: hors-concours na influência a bandas péssimas
Por último, mas não menos importante, talvez a banda hors-concours em matéria de ser uma péssima influência para as demais é o Pearl Jam. O lado messiânico e pop de Eddie Vedder e seus asseclas criou alguns dos conjuntos mais insuportáveis da história do rock. Basta lembrar de bandas como Nickelback, Creed, Nixon, Hootie & the Blowfish e tantas outras que acharam que bastava imitar o vocal de pato rouco de Eddie Vedder para se fazer sucesso. No meio disso, só uma banda se salvou: o Stone Temple Pilots, que, de clone do PJ, acabou partindo para outras searas e se tornando uma ótima banda.

Num caminho oposto à popularidade, são as bandas mais obscuras que, geralmente, acabam sendo as melhores influências na história do rock. E é por isso que artistas como Muddy Waters, Link Wray, Buddy Holly, Velvet Underground, New York Dolls, Stooges ou mesmo os alemães do Can acabaram sendo as grandes referências para o surgimento de bandas excelentes e até mesmo de movimentos musicais. Uma das explicações para isso talvez seja o fato de os artistas obscuros só serem procurados por gente mais ligada em música, que está tentando escapar das fórmulas fáceis do sucesso.

Por outro lado, jogar a receita de se fazer uma boa banda para esse lado alternativo seria muito simplista. E, convenhamos, muita coisa boa já foi feita em cima de Beatles, Bob Dylan, Talking Heads e tantos outros medalhões do rock - os Stones mesmos foram quase xerocados pelo Primal Scream no começo de carreira -, enquanto muita porcaria já foi influenciada por bandas underground como Pixies e Pavement.

Na verdade, talvez a resposta para essa questão da influência maléfica de bandas boas esteja num plano mais esotérico, mesmo. De alguma forma, em determinadas épocas, alguns artistas excelentes chamam a atenção para a forma como fazem música e passam a servir de matriz para as bandas ruins - as quais, por sua vez, acreditam serem capazes de refazer facilmente aquela fórmula de sucesso. Quase como se fosse um carma, essas bandas ruins vêm trazer à prova o benefício causado à música pelos bons artistas em sua carreira pregressa, numa espécie de balanceamento entre o que seria considerado bem e mal em uma mesma ação.

sábado, 31 de julho de 2010

Revista de música ou revista de músico?














Quando comecei gostar de rock, por volta dos meus 12 ou 13 anos, a principal – e quase única – fonte de informação para um jovem curioso por saber mais sobre seus ídolos eram as revistas musicais. Naquela virada de 1986 para 1987, cerca de quatro anos antes da chegada MTV ao Brasil e quando a internet ainda se confundia com ficção científica, era comum nos depararmos com matérias sobre bandas que, mesmo já tendo ouvido, não sabíamos ao certo de qual país provinham ou nunca tínhamos visto uma mísera foto dos componentes. Por serem as detentoras e, ao mesmo tempo, divulgadoras dessas informações, as revistas acabavam carregando um status de oráculo da música e comprá-las soava quase como uma prerrogativa para se penetrar nesse intrincado universo.

Como me tornei um fã de rock antes mesmo de tocar um instrumento, a revista que mais me atraiu inicialmente foi a extinta Bizz. Comandada durante um bom tempo pelo polêmico jornalista André Forastieri, a publicação paulistana trazia informações sobre bandas estrangeiras e brasileiras, novas e clássicas, abrindo espaço até para assuntos relacionados à sétima arte. Mais do que na música propriamente, a Bizz se focava na cultura pop e em seus bastidores, de forma a atingir um amplo público jovem, fosse este formado por músicos ou não.

Aos 15 anos comecei a tocar guitarra e tomei contato com um outro lado dessa moeda: as revistas que se centravam na disseminação de técnicas e na análise de equipamentos musicais (ex: Guitar Player, Cover Guitarra, Modern Drummer, etc) . Nesse caso, as novidades do showbusiness eram deixadas de lado em prol do incentivo ao aprimoramento dos jovens instrumentistas, ávidos por aprender os macetes e fraseados de seus ídolos. Obviamente, por se tratar de um assunto bastante restrito, essas publicações contavam - e ainda contam – com um público mais reduzido, formado quase que exclusivamente por músicos.

Desde que passei a tocar um instrumento, nunca me resolvi muito bem em relação a essa questão entre ser um cara que gosta de saber as novidades do showbizz ou um músico que está interessado em melhorar a sua técnica. Hoje, com o fácil acesso a blogs especializados e “myspaces” da vida, acabei restringindo a compra de revistas musicais às minhas viagens de avião. E, sempre que estou em bancas de aeroportos, me vejo com a mesma dúvida: adquiro a Rolling Stone, para estar mais por dentro das tendências do mundo pop? Ou fico com a Guitar Player, que talvez me traga mais benefícios como instrumentista?

O engraçado é que, invariavelmente, me arrependo da escolha que faço. Se compro a Rolling Stone, acabo achando meio superficial aquele universo em torno dos bastidores do mundo pop. Em alguns momentos, sinto-me lendo uma revista de celebridades – a única diferença é que todos estão vestidos de roqueiros. Para piorar, depois de alguns anos tocando em bandas, já consigo sacar boa parte das entrelinhas das matérias e resenhas publicadas ali. O fato é que, quando se conhece os jornalistas (pessoalmente ou por leitura, mesmo), sabe-se por que algumas bandas têm mais destaque que outras; sabe-se quando o crítico não entendeu o som, mas está simplesmente copiando uma tendência estrangeira; sabe-se, enfim, o que há por trás da formação da notícia e da estruturação daquela revista.

Abre Parênteses. (Quero deixar claro que essas “tramas” não são uma exclusividade da Rolling Stone brasileira - nesse ponto, talvez a Bizz fosse até pior - nem mesmo do mundo musical. Esse tipo de coisa acontece absolutamente em qualquer meio, seja este político, econômico, publicitário ou “surfístico”. O único ponto aqui é que a música é o MEU MEIO e, por isso, consigo ler mais facilmente o que há por trás da notícia, assim como outros entendem dos bastidores dos meios em que estão inseridos). Fecha parênteses.

Se adquiro a Guitar Player, acabo me incomodando com o excesso de tecnicismo, muitas vezes em detrimento da criatividade e do estilo. Realmente, a minha impressão, ao ler a revista, é que estou conversando com vendedores e luthiers das lojas de música da avenida Teodoro Sampaio, em São Paulo. Não que a visão musical desses profissionais deva ser desprezada – pelo contrário, por ser muito rica, deve ser levada muito em consideração –, mas acredito que a abordagem musical possa ser mais ampla, trazendo variáveis ligadas até mesmo às novas tendências e estilo (algo um pouco excessivo na Rolling Stone, na minha opinião).

Caminhando pela tangente, ainda costumo me deparar nas bancas com a revista Bravo!. De conteúdo mais sério, adulto e refinado, essa publicação costuma buscar abordagens diferentes a temas ligados à música e à arte em geral. O problema é que a Bravo! é intelectualóide demais para o meu gosto. Sei lá, pode ser ranço da minha parte, mas a minha impressão é que o público deles é formado por adultos estabelecidos, com mais de 35 anos, que fumam charuto e tomam vinho em casa toda noite. E eu ainda não quero isso para a minha vida, sabe? De certa forma, as revistas que citei anteriormente ainda trazem um cheiro de cerveja ou refrigerante tomados em porta de distribuidora de bebidas – o que, dentro das minha atuais escolhas de vida, parece ter mais a ver comigo.

O fato é que, mesmo com todas as críticas apontadas por mim, sempre encontro informações legais nas revistas citadas. E, não à toa, mantenho-me consumidor delas. Por isso, sinto-me à vontade para falar de suas características, qualidades e defeitos. Na verdade, talvez o problema nem esteja com as publicações em si, mas com a eterna insatisfação deste que vos escreve.

terça-feira, 1 de junho de 2010

(Não) Enforquem o DJ


Nesta quarta-feira (2), serei um dos DJs convidados da Toranja, evento noturno que rola semanalmente no Balaio Café, na comercial da 201 Norte. Segundo Ricardo Gas, que produz a festa em parceria com Carol Wootmann e Ivan Bicudo, tocarei entre meia-noite e uma da manhã. Os outros dee jays convidados desta edição são: João Paulo Práxis (guitarrista da banda Nancy e jornalista), Gustavo Bill (ex-Lo-Fi, engenheiro eletricista, produtor musical e dono do estúdio Macaco Malvado) e Eduardo Jobim (historiador, professor-filósofo e aficionado por música), além próprio anfitrião Gas (historiador, pensador, blogueiro e DJ).

O playlist que preparei reúne de The Cure a War; de Happy Mondays a Screaming Blue Messiahs, de Replacements a Arrested Development; de Phoenix a Sugababes - e muito mais. Ou seja, estilos variados e música sacolejante para dançar (e pensar?!!!!).

Mas lembrem-se: não sou DJ profissional, hein!!! Digo isso porque já ouvi muita gente gritar “Hang the DJ" (Enforquem o Disk Jóquei, em bom português) – expressão presente na música Panic, do The Smiths -, enquanto me ouviam colocar som amadoramente nas festas de amigos.

A Toranja é um dos eventos noturnos mais legais da noite brasiliense, reunindo num mesmo ambiente: ping-pong de alto nível, rock de qualidade e um saudável clima de azaração (para os solteiros, obviamente). E tudo isso de graça, bem no meio da semana.

O recado então tá dado. Aguardo vocês lá na Toranja!!!

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Tão longe, tão perto


Sabe aqueles artistas que você assiste na TV e acha que nunca vai ter a oportunidade de ver de perto? Pois bem, talvez por um complexo terceiro-mundista, sempre achei que existia uma espécie de abismo entre mim e as grandes bandas internacionais das quais era fã. Parte dessa visão, certamente, se deve ao contexto no qual comecei a gostar de rock: os inflacionários anos 80, época de desvalorização da moeda nacional, em que até a vinda ao Brasil (diga-se, para o eixo Rio-São Paulo, com raras exceções) de bandas do segundo escalão, como Gene Loves Jezebel e Mighty Lemon Drops, era motivo de comemoração.

O passar dos anos – e dos planos econômicos – me mostrou que às vezes esses músicos internacionais podem estar mais próximos do que imaginamos. E, quase que num golpe do destino, oportunidades inusitadas de assisti-los aparecem em nossas vidas, de forma bem menos glamourosa do que poderíamos supor. O tal abismo, subitamente, se torna um minúsculo buraco na terra, a ponto de constranger o fã que sempre se acostumou a ver seu ídolo muitos degraus acima do seu humilde patamar.

Brasília, no último final de semana, abrigou dois casos emblemáticos de shows internacionais em lugares, digamos, peculiares. A banda nova-iorquina Living Colour se apresentou na última sexta (14), no Cine Drive In, local que, como o próprio nome entrega, nunca foi muito tradicional nem adequado para eventos musicais. Se, por um lado, o show arrebatador fez lembrar a competência da banda em seu auge, o pequeno público presente – eu chutaria umas 200 pessoas – contrastava com os tempos em que o grupo de funk metal americano tinha moral com a crítica e se apresentava para grandes platéias ao redor do mundo. Para se ter uma idéia, a primeira vez em que o Living Colour veio ao Brasil foi para tocar na edição de 1992 do festival Hollywood Rock. No último dia 14/5, porém, a outrora popular banda tocava para meia dúzia de gatos pingados, numa espécie de buraco underground brasiliense.

Outra situação inusitada foi apresentação do guitarrista sexagenário Johnny Winter no sábado (15), no aniversário de 25 anos do Ferrock, festival que aconteceu na cidade-satélite de Ceilândia, a 26 km de Brasília. Tratava-se da primeira vez que a lenda da guitarra fazia turnê pelo Brasil, mas acredito que poucos fãs brasilienses do guitarrista preveriam que a oportunidade de assisti-lo seria nos arredores da Capital Federal – e ainda mais, por apenas 2 kg de alimento como entrada. O balanço do evento acabou sendo bastante modesto também: apenas cerca de 500 pessoas consideraram válida a troca de alimentos por ingresso para ver o grande ídolo do blues, que chegou a dividir o palco com Jimi Hendrix.

Não foi a primeira vez que eventos peculiares como esses aconteceram em Brasília. No começo desta década, o ex-guitarrista do The Police, Andy Summers, se apresentou ao lado do jazzista brasileiro-argentino Victor Biglione na praça de alimentação do Conjunto Nacional, shopping popular de Brasília, situado ao lado da Rodoviária. Vejam bem: Andy Summers foi integrante de uma das bandas mais famosas dos anos 80, tendo a oportunidade de se apresentar nas grandes arenas do mundo. E, de repente, o ex-The Police estava tocando na praça de alimentação – permitam-me repetir: PRAÇA DE ALIMENTAÇÃO – do shopping cuja elite brasiliense evita freqüentar. Se o som de Summers e Biglione não fosse considerado hermético, diria que o caso do guitarrista do Police seria de extrema decadência. De qualquer forma, é no mínimo engraçado ver o show do ex-parceiro de Sting circundado pelo McDonalds, pela loja de CDs Discodil e pelo restaurante Torre de Pisa.

Indo para uma seara bem mais alternativa, a banda norte-americana Fugazi fez dois shows no Teatro Garagem, em meados dos anos 90. OK, o grupo-símbolo da resistência punk/indie ao mainstream estava acostumado a tocar em locais pequenos, mas não deixa de impressionar o fato de aquelas apresentações em Brasília contarem com um público tão reduzido - se bem me lembro, o preço do ingresso estava salgado à época, o que colaborou para esse fracasso de bilheteria-, a ponto de os presentes começarem a pedir músicas para o líder da banda, Ian MacKay. Realmente, naqueles tempos áureos do grunge, nunca se imaginou assistir de uma forma tão exclusiva a uma banda de renome da cena underground como o Fugazi.

Poderia enumerar outros vários exemplos de shows em que os artistas internacionais acabaram se aproximando bem mais do que qualquer fã brasileiro poderia esperar. Da lista rápida que elaborei, lembrei-me das apresentações: da banda franco-espanhola Mano Negra no Gate’s Pub (DF); do ex-vocalista do Iron Maiden, Paul Dianno, no pub UK Brasil (DF); da líder do Pretenders, a vocalista-ativista Chrissie Hynde, fazendo participação especial no show da Orquestra Imperial, no Circo Voador (RJ); do surfista-cancioneiro Jack Johnson nas areias do Posto 9, em Ipanema (RJ); dos grunges seminais do Mudhoney tocando em uma roda de violão com os membros da banda pernambucana Supersoniques na praia de Serrambi (PE); do baixista inventor da técnica slap, Larry Graham, fazendo uma ponta no show do jazzista Stanley Clark, no Teatro Nacional (DF); das milhares de vezes em que os ídolos da disco music Gloria Gaynor e Billy Paul vieram ao Brasil, tocar em diversos lugares de gosto bastante duvidoso.

Portanto, se você é fã de alguém muito famoso hoje em dia, não desanime: num futuro próximo, é bem capaz de você estar assistindo a um show do Bono Vox ou do Thom Yorke bem de perto, num local não muito valorizado de sua cidade.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Teclado: o "patinho feio" do rock











Antes de ser guitarrista, quase fui um tecladista. Eu sei, essa é uma confissão meio embaraçosa de se fazer para quem hoje empunha o instrumento-símbolo do rock. Mas, nos áureos tempos da minha infância, estimulado pela presença de um pequeno sintetizador Casio VL-Tone em meu lar, cheguei a sonhar em ser uma espécie de novo Jean Michel Jarre (e poder tocar com teclas de raio laser em palcos de todo o mundo). Sorte minha que, em determinado momento da minha trajetória musical, uma guitarra "pau de rato" Jennifer e um pedal de distorção tosqueira caíram em minhas mãos, livrando-me de um futuro de preconceitos e dificuldades dentro do rock.

Sim, porque, se existe um instrumento malvisto no gênero musical criado por Chuck Berry e seus asseclas, esse instrumento se chama T-E-C-L-A-D-O. Não sei exatamente quando tal preconceito surgiu e nem tive muito tempo de pesquisar, mas que atire a primeira pedra quem nunca ficou impaciente com as primeiras notas do solo da versão ao vivo de Light My Fire, do The Doors. — Que saco! Tira essa música chata aê!!! — já ouvi muitos amigos gritarem, torcendo o nariz para as belas notas empunhadas pelo tecladista cool Ray Manzarek. E o que dizer dos longos e virtuosos solos do maestro tecladista Jon Lord, do Deep Purple? Talvez tenham sido os trechos musicais mais xingados e/ou questionados da história do rock, mesmo que, muitas vezes, durassem apenas a metade do tempo das frases palhetadas pelo guitarrista e parceiro de banda Richie Blackmore. Discípulo de Lord, o mago Rick Wakeman foi outro que, por conta de suas longas e intrincadas composições, chegou até a ganhar uma dedicatória-protesto na música Short Songs, dos punks Dead Kennedys, que continha apenas um verso: I like short songs (traduzindo: eu gosto de músicas curtas).

Fazendo uma análise bem superficial, diria que parte do preconceito com os tecladistas se deve, contraditoriamente, à sua rica e tradicional formação musical. Ora, se o rock é um gênero em que a visceralidade e a atitude são muitas vezes mais valorizadas do que a própria música, o teclado acaba sendo um símbolo de caretice nesse universo onde os excessos são idolatrados. E, no próprio palco, convenhamos, enquanto o vocalista, o guitarrista, o baixista e o baterista estão se movimentando e "batendo cabeça", o que está fazendo o tecladista? Tocando sentado — ou em pé, mas parado como um poste —, geralmente, olhando com cara de entediado para os seus parceiros de banda se divertirem. Com tamanha desvantagem em termos de atitude, não há fã juvenil que volte de um show de rock dizendo: — Papai, quero ser tecladista.

Lembro que, na minha adolescência, quando o punk rock estava no topo da minha predileção musical, fiquei super decepcionado ao assistir a um show do The Clash na TV, no qual a banda contava com um tecladista de apoio. O pior é que o cara era filmado exatamente na hora em que suas mãos bailavam do começo ao fim das teclas, demonstrando um virtuosismo incompatível com os meus ideais na época. Lamentei profundamente a presença daquele tecladista em meio aos meus ídolos do The Clash e demorei a perdoar aquela escolha equivocada feita pela minha banda predileta.

Tentando compensar esse lado — desculpem-me o termo — "bundão" do teclado, a indústria de instrumentos musicais até tentou buscar alternativas, como a invenção nos anos 80 do teclado em formato de guitarra, para dar mais mobilidade e "radicalidade" ao instrumentista. No entanto, por ser adotado principalmente por grupos pop (no Brasil, o conjunto Polegar talvez seja o exemplo mais conhecido), o teclado-guitarra logo virou motivo de piada entre os músicos e a própria platéia, o que o levou a cair no ostracismo. Na década seguinte, os integrantes de grupos como EMF e Jesus Jones também tentaram dar uma nova roupagem ao teclado: agora, ele vinha em cores fosforescentes e era jogado para cima durante todo o show, por tecladistas com visual modernoso (para a época). Mas essa nova tentativa de "desencaretar" o teclado também naufragou, haja vista que, em meio a uma excessiva preocupação com a estética, os tecladistas dos grupos EMF e Jesus Jones se esqueciam do básico: tocar o instrumento.

A ascensão da música eletrônica nos anos 90 trouxe o teclado para um novo patamar: o instrumento passou para frente do palco, sendo tocado por componentes tão drog... quer dizer... cool quanto os guitarristas, baixistas e bateristas dos grupos de rock tradicionais. Além disso, os excessos cometidos em termos musicais ao longo das décadas anteriores — solos gigantescos nos anos 70 e timbres emulando (de forma tabajara) instrumentos reais nos 80’s — foram substituídos por execuções mais discretas e espertas. A palavra de ordem passou a ser “camadas”, numa referência às várias gravações de teclado ou sampler presentes em uma música, sempre discretas e criadas para dar um clima na faixa.

Boa parte das bandas de rock atuais já agregam essa nova ordem do teclado concretizada pela música eletrônica. Hoje, a participação do instrumento nas composições é bem mais comedida e o teclado já não representa tanta tradição e caretice como anteriormente. De qualquer forma, boa parte do preconceito ainda persiste e não estranhe se, num belo dia, você estiver ouvindo uma música repleta de teclados e for censurado por amigos, que, simplesmente, não aturam o som desse instrumento tão rico, mas, ao mesmo tempo, tão pouco compreendido no rock.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Watson lança disco de estréia neste sábado


Ajudando a divulgar:

Neste sábado (1º de maio), a banda brasiliense Watson faz show de lançamento de seu primeiro CD. O evento será no Conic, a partir das 16h, com ENTRADA FRANCA. Além do show do Watson, que tocará todas as músicas do álbum, alguns covers e contará com participações especiais (estou entre elas), haverá apresentação do grupo Pedrinho Grana & Os Trocados e discotecagem das festas Criolina, Toranja, Play! e Cansei de Ser Cult. Apareçam lá.

domingo, 18 de abril de 2010

A incrível dificuldade de um blogueiro em "entender" shows históricos














No último sábado (17/4), o cantor e compositor norte-americano Jonathan Richman, ex-líder do Modern Lovers, se apresentou no Circo Voador, tradicional espaço de shows do Rio de Janeiro. A apresentação era cercada de espectativa por boa parte dos fãs brasileiros de música alternativa , por se tratar da primeira visita de Richman ao País. Para quem não conhece, o Modern Lovers, banda formada no início dos anos 70 na cidade de Boston (EUA), está na base da árvore genealógica do punk rock, influenciando artistas das mais variadas sonoridades e magnitudes: de Ramones a U2; de Talking Heads a Sex Pistols e The Clash; de Blondie ao indie rock moderno. Além disso, Richman é aquele cancioneiro que narra a — e aparece cantando na — comédia arrasa-quarteirão "Quem vai ficar com Mary?", dirigida pelos irmãos Farelly em 1998.

Em contraponto à notoriedade da atração da noite, apenas umas 50 pessoas estiveram presentes no show de Jonathan Richman — acompanhado do baterista Tommy Larkins — no Circo Voador. De passagem pelo Rio, eu estava entre os "felizardos" que puderam conferir uma apresentação que, de tão intimista, ganhou imediatamente uma aura de clássica. Afinal, não é todo dia que se pode assistir de perto e de forma tão exclusiva uma figura de tamanha relevância para a história do rock. Para se ter uma idéia, em determinado momento o público começou a pedir músicas para Richman, que ficava decidindo qual pedido deveria atender. O ídolo punk estava ali, do nosso lado, tão tocável e real quanto uma banda iniciante de uma cidade do interior.

A despeito dessa aura clássica, o único problema foi a qualidade musical do show: abaixo da média. O que se via ali em cima do palco era quase uma improvisação, com Richman puxando uma música no seu violão de nylon e Larkins tentando acompanhá-lo na bateria. Em determinados momentos, o ex-líder do Modern Lovers se afastava do microfone para dançar ou tocar percussão, impedindo que os espectadores ouvissem tanto o som do violão quanto o de sua voz. Obviamente, quem conhece a carreira solo do cantor sabe que o esquema é mais ou menos esse, mesmo: meio largado musicalmente, com foco nas letras e na performance tresloucada de Richman. De qualquer forma, não é muito interessante ver um cantor mudar, no meio da música, o tom de uma composição de sua autoria, como se a estivesse tocando errado até aquele momento. Esse lapso (ou faz parte do show?) não aconteceu uma vez apenas, mas várias. Cheguei a ouvir Richman, durante uma canção, falar consigo mesmo ao microfone: — A little bit higher (traduzindo: Um pouco mais alto) — para , a partir daí, subir em um tom a canção, para que ficasse mais adequado à sua voz.

Ao longo do show, muitos pensamentos me vieram à cabeça. O primeiro foi: — Será que as pessoas presentes na platéia gostariam daquelas composições, caso não soubessem que elas eram do ícone Jonathan Richman? Tipo assim: se o pai de um fã de indie rock lhes desse de presente um CD com aquelas canções meio latinizadas (algumas são cantadas em espanhol, italiano e francês), sem contar quem era o seu compositor, talvez a maior parte do público achasse aquilo meio esquisito. Também criei uma conversa imaginária com David Byrne e Jerry Harrison, ex-integrantes do Talking Heads (banda chapa dos Modern Lovers), em que eu começava assim: - Fui a um show de Jonathan Richman no Brasil e achei meio estranho. E um dos ex-membros do Talking Heads responderia: - Haha. Richman surtou nos anos 70 e ainda não voltou à normalidade. Às vezes, até me preocupo com ele. Minha terceira elocubração (como arremedos de conclusão) daquela noite foi pensar em como as super produções, de uma Beyoncé ou uma Madonna da vida, muitas vezes são importantes, mesmo que em alguns casos possam recair em certa frieza. Afinal, a partir do momento em um artista sobe ao palco, ele assume uma espécie de compromisso com o público de lhe conceder um espetáculo ou, ao menos, entretenimento. O punk rock (e o próprio Richman) quebrou esse padrão mainstream, mas, às vezes, é saudável recorrer a ele, só para dar uma equilibrada no excesso de largação e informalidade na relação público x artista.

Diante de tantos questionamentos em meio a um evento de público reduzido, senti-me impelido a baixar a cabeça sempre que tinha vontade de bocejar durante o show, para não "ferir os sentimentos" de Richman. Tudo bem que nos momentos em que tocou hits de sua carreira solo e dos Modern Lovers, como Pablo Picasso, I Was Dancing in the Lesbian Bar e She Cracked (ele não tocou o grande sucesso Roadrunner), a coisa até deu uma esquentada. Mas, na maior parte do tempo, o que prevalesceu foi algo aquém de uma apresentação aceitável do ponto de vista musical. Certamente, outros espectadores hão de discordar da minha opinião meio conservadora, até porque Jonathan Richman sempre simbolizou a figura do anti-herói. A postura de ser contra — ou, simplesmente, não ligar para — o sistema começa um pouco nele e nos Modern Lovers e, mesmo com todas essas...digamos...deficiências sonoras, o show desse sábado no Circo Voador foi, no mínimo, singular - provavelmente, "o mais singular" de toda a minha vida.

Essa dificuldade de "entender" apresentações históricas e clássicas me remete ao show que o Nirvana fez no Brasil, em 1993, no Hollywood Rock. Compareci à apresentação do grupo de Kurt Cobain na Praça da Apoteose, no Rio de Janeiro, certamente uma das mais emblemáticas que já presenciei na vida: Cobain rastejou no palco, cuspiu para as câmeras de TV, ironizou o patrocinador do festival e ainda colocou seu "bilau" para fora da calça. De qualquer forma, não foi um dos melhores shows, no sentido musical da coisa, a que assisti na vida. Em certo momentos, devo confessar, achei-o até entediante. Umas das minhas lembranças mais fortes desse dia é a de Flea, baixista do Red Hot Chilli Peppers, tocando um trumpete muito chinfrim e fora do tom no hit "Smell Like Teen Spirits" - o que, obviamente, estragou a música.

Na saída do show do Nirvana, lembro-me de conversar com um crítico musical do jornal O Globo, que, empolgado, disse acabar de sair de uma apresentação clássica. Meio desanimado, eu discordei dele, sem entender como um show sem qualidade musical poderia ser considerado tão histórico assim. Hoje, depois da morte de Cobain, e, principalmente, após um punhado de shows nas costas (como espectador e músico), compreendo melhor a visão daquele jornalista. De fato, nem sempre é a música que define o grau de importância de um show. De qualquer forma, talvez por uma falta de noção histórica, ou um excesso de compromisso com a música, ou mesmo uma posição mais conservadora diante da vida, ainda trocaria um par de apresentações históricas por um mero show ordinário, mas bem acertado musicalmente.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Quando uma música faz a cabeça














Cor preferida, animal preferido, roupa preferida, comida preferida. As pessoas costumam eleger de forma muito particular suas predileções. Com a música, não é diferente. Vez ou outra, ouço amigos comentarem sobre alguma canção que anda fazendo a cabeça deles. A partir daí, começam a promover uma espécie de campanha em prol da sua candidata, mostrando o porquê de ela merecer ser eleita a melhor música de todos os tempos – ou, ao menos, do momento. São explanações que até soam como racionais, por se basearem em teorias musicais e fatos históricos, mas que, no final das contas, acabam revelando uma escolha quase que meramente emotiva.

Na verdade, o que aprendi ao longo dos anos é que escolher uma música preferida tem o processo bastante parecido quanto o de se apaixonar por alguém: você já tem critérios pré-estabelecidos em mente - gosta de louras, morenas, ruivas? Gosta de hardcore finlandês, pop-retrô fofo escocês, stoner rock californiano? - que podem até dar um caminho, mas não chegam a definir a sua escolha. E, assim como o nascimento de uma paixão, geralmente o amor por uma música vem quase por acaso, num momento em que os sentidos se vêem inesperadamente aguçados por estímulo sonoro arrebatador. Quando você menos espera, já está caído de quatro por uma canção.

Ainda lembro quando me “apaixonei” pela música Killing na Arab, do The Cure, no início de 1986. Estava começando a gostar de rock, mas conhecida poucas bandas: além das brasileiras de sucesso, só tinha visto pela TV os grupos internacionais que participaram da primeira edição do Rock’n’Rio no ano anterior e também sabia quem eram U2 e Dire Straits, porque estavam bombando nas rádios. Ah, e tinha medo do Kiss, porque eles vieram ao Brasil em 1983 e, além de serem mascarados, havia o boato de que pisavam em pintinhos no palco.

Voltando a Killing an Arab, lembro de ouvi-la pela primeira vez numa fita gravada pelo meu irmão. Fiquei de cara com aquela sonoridade arabesca do solo de guitarra, com o jeito esquisito de cantar do vocalista Robert Smith e com a agressividade causada pelo ataque no prato da bateria a cada mudança de acorde. Passei, então, a perseguir tudo o que havia por trás daquela canção: comprei a coletânea Standing On the Beach, pedia para colocarem a música nas festinhas que ia e até cheguei, mais tarde, a ler o livro O Estrangeiro, de Albert Camus, que inspirou a letra.

Assim como a música do The Cure, fui me atraindo perdidamente por outras canções ao longo da minha vida. A esquisita Add it Up, do Violent Femmes, foi uma que quase estourou as caixas de som da casa dos meus pais, assim como It’s Up to You and Me, do Agent Orange. E o que dizer de Stir it Up, de Bob Marley, com sua linha de baixo simples e genial? Essa rodou muitas vezes pela vitrola e pelo tape do meu 3 em 1. Gratitude, dos Beastie Boys, foi outra que chacoalhou minha mente por algum tempo, assim como I Zimbra, do Talking Heads, Going to Califórnia, do Led Zeppelin, Blue Sky, do Allman Brothers e God Only Knows, do Beach Boys, entre outras.

Para não ficar só nas velharias, vale dizer que fiquei muito de cara quando ouvi as africanidades de Mansard Roof, do Vampire Weekend. Também não passei incólume à macheza de The Lost Art of Keeping a Secret, do Queens of the Stone Age, e ao lado cool loureediano de Modern Age, do Strokes. Fiquei ainda bastante impressionado com o riff de guitarra de This Fire, do Franz Ferdinand, e a doçura e riqueza instrumental de Rebellion (Lies), do Arcade Fire. Outra música que me contagiou foi a levada pulsante do superhit Hey Ya!, da dupla Outkast.

O interessante é que essa empatia não se dá apenas com hits. A música do The Clash preferida do meu irmão, por exemplo, é Ghetto Defendant, um lado B do não muito valorizado disco Combat Rock. Outra exemplo: um grande amigo meu não liga seu amplificador de baixo sem tocar a linha de Journey to the End of the East Bay, contida no álbum ...And Out Come the Wolves, do Rancid. Tenho ainda um outro amigo que costumava ouvir infinitas vezes, num movimento de play e rewind do toca-fitas de seu carro, a música Have Love, Will Travel, da banda garageira de Seattle The Sonics. E, por fim, vale lembrar de um grande amigo baterista que, sempre que atua como DJ, não deixa de colocar a música Jump Around, do House of Pain.

O engraçado é que, nesse processo de troca de idéias e convivência com os amigos, fica quase impossível ouvir determinadas músicas sem associá-las a seus admiradores. Lembro, por exemplo, até hoje de um surfista pernambucano que tinha a música Children of the Revolution, do T-Rex, como preferida - ele gostava da versão do Violent Femmes, presente no álbum “The Blind Leading the Naked”. Não que eu fosse muito chegado do cara, mas, por algum motivo, aquela escolha musical é que me marcou. De uma maneira curiosa e muito peculiar, essas canções prediletas acabam ajudando a traçar um perfil de seus próprios fãs.

E você, qual é a sua música favorita?

segunda-feira, 1 de março de 2010

Faça o que eles dizem (não faça o que eles faziam)














O rock’n’roll — e a música Pop, em geral — é um gênero artístico em que a mensagem e atitude possuem quase tanta relevância quanto a própria música. Desde o seu início, em meados dos anos 50, quando Elvis Presley chacoalhava o quadril para encantar as jovens e escandalizar os mais velhos, a imagem dos ídolos tem sido cuidadosamente construída, de modo a dar um formato atraente ao produto à venda nas prateleiras das lojas de discos.

Além do apuro estético e da qualidade autoral, é importante que a imagem case com as próprias mensagens proferidas pelos artistas: o cabelo desgrenhado e os óculos escuros do folk Bob Dylan, nos anos 60, caem como uma luva nas canções que pregam a busca por uma liberdade inspirada nos beatniks, assim como as jaquetas pretas de couro alfinetadas e os cabelos espetados dos punks combinam com a agressividade da mensagem pessimista de ‘No Future’ vomitada pelos Sex Pistols no final dos anos 70.

No entanto, nem sempre a imagem que os músicos tentam passar corresponde a sua personalidade. E, nesse caso, se sua atitude dentro dos palcos é quase calculada, fora deles os ídolos costumam se trair, revelando realmente quem são.

Talvez o caso mais famoso de músico com uma imagem meio deturpada seja John Lennon. Mais conhecido por suas mensagens pacifistas, presente em músicas como All We Need is Love e Imagine, Lennon era, na verdade, um sujeito contraditório e meio agressivo, que não hesitava em confrontar quem o ameaçasse. Na famosa entrevista concedida à revista Rolling Stone, em dezembro de 1970, o ex-Beatle — acompanhado da esposa xarope Yoko Ono — atira sua metralhadora verbal para tudo que é lado, criticando a personalidade controladora de Paul McCartney e minimizando o talento de George Harrison, entre farpas a outras personalidades.

O ex-Beatle George Harrison, bastante chegado a filosofias orientais, é outro cujas mensagens presentes nas músicas parecem não corresponder exatamente às suas ações. Se no campo fonográfico, o ex-guitarrista dos Fab Four pregava o desapego material e a busca espiritual - presentes nos discos All Things Must Pass (1970) e Living in the Material World (1973) e nas músicas My Sweet Lord e Give me Love (Give Me Peace on Earth), por exemplo - na vida particular, Harrison era um cara ligado em automobilismo e grana, o que o levou até a escrever a música Taxman (cobrador de impostos, em inglês) em protesto à alta porcentagem de impostos que julgava pagar aos cofres britânicos.

Os artistas de reggae – como Bob Marley, Peter Tosh, Jimmy Cliff e Desmond Dekker - também costumam ser muito associados à luta pela paz e pela justiça. Entretanto, suas biografias revelam uma marginalidade de fazer inveja a qualquer bandido do filme Tropa de Elite. No início da carreira, Bob Marley e seus amigos rude boys — como eram conhecidos os delinqüentes juvenis jamaicanos — simplesmente ameaçavam fisicamente os programadores de rádio que ousavam não tocar suas músicas. Ou seja, uma atitude nada pacifista e rasta, como querem acreditar seus fãs.

Bob Dylan é outro artista contraditório. Se a sua imagem e as letras de suas músicas o fazem parecer o cara mais cool e engajado em causas nobres do Planeta, uma biografia não autorizada do cantor folk chegou a acusá-lo de se aproveitar do namoro com a cantora Joan Baez para alavancar sua iniciante carreira. E o que dizer dos punks? Se, por um lado, criticavam o estabilishment, por outro, o líder do The Clash, Joe Strummer, era um cara preocupado em se tornar famoso e Johnny Rotten, vocalista dos Sex Pistols, já declarou que só estava na música pela grana.

Caminhando rumo à música popular brasileira, também encontramos mensagens que não correspondem muito ao modo de vida dos seus compositores. O caso mais clássico talvez seja o da música Eu Sei que Vou te Amar, de Tom Jobim, com letra escrita por Vinícius de Moraes, que prega um amor “por toda a vida”. Ora, como se sabe, Vinícius era um poeta boêmio e apreciador de uísque, que se casou “apenas” nove vezes. Neste ponto, fica a pergunta: - qual das nove esposas Vinícius teria amado durante toda a vida dele? Outro exemplo notório é o de Chico Buarque, autor de diversas juras de amor que parecem não ser exatamente fiéis ao seu estilo pegador de ser.

Mais do que contradições, o que essas histórias revelam é que a análise da obra nem sempre traz uma radiografia correta da personalidade do artista. E aí fica a pergunta: quando os fãs usam as imagens de John Lennon ou de Bob Marley para pregar a paz, será que as estão utilizando de forma correta e consciente? Ou estariam apenas caindo numa espécie de ilusão criada por eles mesmos, com uma mãozinha da indústria fonográfica?

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

O rock futurista da Divine


Logo que comecei a escrever este blog, em meados de 2009, postei um texto apontando o disco Órfãos da Nação, da banda crossover BSB-H, como elo entre o rock brasiliense dos anos 80 e 90. No final daquela postagem, revelava que, para mim, a ponte entre as gerações brasilienses seguintes (90's e 00's) era a banda Divine. Este texto, portanto, vem pagar a dívida deixada com os leitores.

Surgido em 1992, com o nome de Ultraviolet, o grupo começou a partir de uma colaboração de músicos das bandas OZ e Low Dream com o, à época, estudante de História e editor do fanzine Heaven Cláudio Bull. Depois de um episódio que se tornou uma espécie de “clássico” da cena independente brasiliense, em que os músicos foram assaltados dentro de um estúdio na Asa Norte, a banda deu uma parada e acabou só tomando corpo mesmo em 1993, já com integrantes “próprios”: o baterista Marcius Fabiani, o baixista Daniel Luna e os irmãos guitarristas Wilton e Wagner Rossi (este último trocaria a guitarra pelo baixo posteriormente), além do vocalista e letrista Cláudio Bull. A mudança na formação também trouxe um novo nome: agora, o grupo se chamava Divine’s Men (depois, passou a ser somente Divine) numa referência ao ator norte americano Harris Milstead (1945-1988), mais conhecido por sua persona drag queen Divine.

Foi mais ou menos em 1993 que eu conheci o vocalista Cláudio Bull. Cursávamos – também com o baterista Marcius Fabiani - a disciplina Estética e Cultura de Massa, na Faculdade de Comunicação da UnB, e começamos a trocar algumas idéias sobre música. Já nas primeiras conversas deu para sacar que o Cláudio conhecia muita coisa tanto dos clássicos quanto das últimas novidades do rock e do pop. Como ele era um pouco mais velho e sempre teve a verve de colecionador de discos e revistas, sua casa acabou se tornando ponto de encontro de muitas gerações de roqueiros brasilienses para se escutar e falar sobre música.

Muito do que se encontra no som e na postura da Divine está ligado a essa visão ampla da cena musical do líder Cláudio Bull, derivada do seu lado fanzineiro e historiador. Neste ponto, é interessante notar como a banda sempre lutou pela construção de uma cena local, seja organizando shows e festivais ou mesmo trocando informações com grupos de outros estados. Paradoxalmente a essa noção de coletivo, a própria carreira da Divine acabou sendo construída de uma maneira quase solitária (inclusive, no que diz respeito à formação de um público), sem se associar exatamente a nenhum grupo ou estilo.

Logo que a Divine lançou sua primeira demotape (Portfolio), em 1994, lembro de o Cláudio Bull rejeitar veementemente os conceitos de “brodagem” e “podreira”, tão em voga no rock brasileiro dos anos 90. Ao mesmo tempo, a banda que começou com a colaboração de membros dos Oz e Low Dream também deixou logo para trás o lado estrangeirista das guitar bands para escrever letras em português e tratar de temas como sincretismo religioso e sexualidade, com diversas referências à cultura brasileira. Na segunda metade da década de 90, quando diversos músicos da cena alternativa brasilienses resolveram trocar as guitarras pelas picapes, a Divine buscou mesclar as linguagens roqueira e eletrônica em uma terceira via. Essa fusão sonora está bem explícita no primeiro disco da banda, homônimo, lançado em 98, que conta com a produção do mineiro Paulo Beto, oriundo da escola eletrônica.

Na própria construção das canções, a Divine – cuja formação clássica, a partir do final de 1997, contava com Cláudio Bull (vocal e letras), Wilton Rossi (guitarra), Zeca (baixo) e Thiago Bouza (bateria) - também tinha um estilo bem peculiar de compor: enquanto o guitarrista canhoto Wilton Rossi usava seu background roqueiro para misturar riffs setentistas com dedilhados oitentistas, o vocalista Cláudio Bull encaixava suas letras de cunho literário, histórico e antropológico – frutos de uma forte influência de Caetano Veloso, Fellini, David Bowie e krautrock – dentro de melodias quase cerebrais. Somando a esse núcleo, entrava a bateria quebrada, esporrenta e visceral de Thiago Bouza e o baixo pulsante de Zeca (ex-Animais dos Espelhos e Câmbio Negro). Em sua última formação, a banda ainda contou com o teclado de Gustavo Cochlar (ex-Chantilly e também DJ). Se a falta de uma educação musical mais formal fazia o próprio vocal de Bull fugir algumas vezes do tom, essa espécie de carência parecia suplantada pela força das canções e a coesão da banda.

A permanência do Divine – e seu estilo meio indefinido, com toques de glam rock, punk, eletrônica e indie rock – na cena roqueira até 2002, ano de sua dissolução, fez com que a banda se tornasse uma espécie de ponte entre o rock brasiliense dos anos 90 e 2000. Se olhamos para o final da década de 90 em Brasília, o que se vê é um cenário roqueiro repleto de bandas de hardcore ou buscando um regionalismo forçado (para imitar Raimundos e Chico Science), com os músicos indies migrando para a música eletrônica. A Divine, apesar de conservar parte da linguagem indie dos 90’s, já trazia muito da informação que nos anos 2000 seria bem mais comum: um rock urbano e moderno com sotaque brasileiro, sem precisar recorrer a misturebas sonoras ou regionalismos, sem rivalizar ou se entregar para a música eletrônica.

Por conta dessa admiração e amizade com o Cláudio e os demais membros da Divine, tive a oportunidade de produzir – não muito bem, por sinal – uma demo da banda em 1995 (¡Los Chicos No Quiziéron!). Além disso, cheguei a regravar duas músicas deles com o Prot(o): Spacepop 2, na demo “Prot(o) ao Vivo”, quando este ainda era um projeto solo, em 1997, e A Rainha das Garotas Más, no segundo disco do Prot(o), já como banda, em 2006. Além disso, nós, do Prot(o), dividimos com a Divine vários shows e até uma mini turnê em São Paulo, em 2000 (que ainda contou com os goianos MQN e Motherfish). O que sempre imperou na relação das duas bandas foi um senso de respeito e cooperação.

Com o fim da Divine, a dupla Cláudio e Wilton, acompanhada pelo produtor, tecladista e cineasta Zepedro Gollo, montou um outro projeto, chamado Superquadra, cujas letras misturam um olhar contemplativo com visões ácidas sobre a arquitetura e o estilo de vida dos brasilienses. Com um pé ainda mais fincado em bases eletrônicas e espaciais, menos peso nas guitarras e uma batida mais cadenciada, o Superquadra acabou levando à frente – e até evoluindo em alguns sentidos - muito da sonoridade legada pela Divine. Em 2006, o Superquadra lançou o seu primeiro disco, Tropicalismo Minimal, eleito o melhor álbum brasileiro de rock e pop daquele ano pelo jornal Correio Braziliense. Longe de significar apenas a valorização ao momento inspirado do Superquadra, o alto do pódio na eleição do Correio veio valorizar o trabalho de mais de uma década de um grupo de músicos que, apoiado em diversas referencias do passado, sempre apostou no futuro.

Discografia (com links para baixar as gravações)

1994 - "Portfolio" - Divine's Men
1995 - "Spacepop 2" (Apenas com a música "Spacepop 2")
1995 - "¡Los chicos no quisiéron!"
1996 - "Go-go!"
1997 - "Now working!"
1997 - "lo-fi"
1997 - Participação na coletânea "Cult 22" (música "Adeptus", outtake do CD)
1997 - "Batum-hum!" (demo com a versão jungle de "Batum", que sairia no CD)
1998 - CD "Divine"
1998 - Participação na coletânea "Different Songs" (músicas "Brasília", "Lar católico" e "Alice", extraídas das demos "lo-fi" e "Now working!")
2000 - "Souvenir" - (compacto vinil lançado pela Monstro Discos)
2001 - "Panorama"

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Marley & Eu


Neste último sábado (6/2), o cantor e compositor Bob Marley faria 65 anos, se estivesse vivo. Seu aniversário foi comemorado em todo o mundo e, no Brasil, um dos grandes redutos de culto ao reggae, não poderia ser diferente: diversos jornais e sites publicaram matérias e emissoras de TV transmitiram programas sobre o grande ídolo jamaicano. Eu, que geralmente costumo lembrar da data, esqueci este ano e fui recordado pelo documentário Bob Marley – Freedom Road, exibido no canal de TV por assinatura Multishow, à tarde.

Conheci a música de Bob Marley em 1990, dos 15 para os 16 anos, quando um grande amigo do colégio gravou para mim uma fita cassete de 60 minutos, contendo, de um lado, a coletânea "Who’s Better, Who’s Best”, do The Who, e, do outro, os grandes sucessos do rei do reggae: No Woman No Cry, Is This Love, Redemption Song, Three Little Birds, Stir it Up, entre outras. Como meu background era 99% roqueiro, esse contato inicial com o reggae não chegou a se figurar como amor à primeira vista, mas, à medida em que o tempo passava, fui sacando mais e mais a grandeza do material que tinha em mãos. Fui ficando, então, cada vez mais interessado – de certa forma, viciado - em reggae: além de buscar sons e informações sobre o estilo, deixei o cabelo crescer e comecei a usar pulseirinhas coloridas e até um colar meio riporonga.

Foi exatamente nessa época que fiquei amigo do pessoal do Cravo Rastafari, banda formada na Escola Americana de Brasília, que se dedicava a tocar clássicos do reggae e, principalmente, Bob Marley. Conheci os caras pelo Txotxa (baterista do Cravo e atualmente na Plebe Rude), que estudava comigo no Marista e já tinha o hábito de tocar em várias bandas ao mesmo tempo – nós participávamos de grupo chamado Aspargos. O Cravo virou, imediatamente, a minha “banda de colégio” preferida. Passei a acompanhar os shows deles e fiquei bastante feliz quando, no ano seguinte (1991), fui convidado para integrar a banda, pois o guitarrista e vocalista Marcus Navarretti tinha ido estudar fora da cidade.

O Cravo Rastafari - que em 1993, depois de algumas mudanças na formação e no som, veio a se tornar o Maskavo Roots - acabou sendo uma grande escola musical para mim: como se tratava de uma banda cover (principalmente de Bob Marley), tínhamos que nos ater somente à entender e tocar da melhor forma possível os arranjos das canções. E, neste ponto, as canções de Bob Marley nos ensinaram o que há de melhor na música pop: são simples harmonicamente, mas ao mesmo tempo ricas em melodia e com ótimas sacadas de arranjo; são pops e com refrões grudentos, mas nem por isso vazias (pelo contrário, a sua marca é a espiritualidade).

Uma vez assisti num programa de TV o rapper Marcelo D2 expressando uma opinião da qual compartilho: Bob Marley não tem músicas ruins. Você pode até não gostar de uma ou outra, mas todas as canções do rei do reggae são bem elaboradas, possuem seu valor tanto como música quanto como mensagem. Neste sábado, assistindo ao documentário exibido no Multishow, fiquei pensando como Bob Marley sempre tinha o que falar: a impressão que fica é que não há um verso enxertado ou enrolado para fechar a métrica da letra. Além disso, as imagens utilizadas para expressar as suas opiniões são absolutamente fantásticas, de uma beleza poética de dar inveja a qualquer literato.

Talvez por conta dessa carga de espiritualidade, desse “sempre ter o que dizer”, Bob Marley é reverenciado quase como uma divindade por seus seguidores – embora o culto excessivo por “rastas louros classe média” seja, muitas vezes, um pé no saco. E, no mundo do reggae, é interessante como Bob Marley é absoluto. Isto é, você pode até gostar de Peter Tosh, Max Romeo, Burning Spear, Bunny Wailer, Lee Perry ou outro grande artista do gênero, mas todos sabem que Bob Marley está em um ou dois degraus acima dos demais.

Uma das imagens fortes que tenho da música de Bob Marley tem a ver com uma fase física e mental meio frágil na minha vida, na qual, por conta de um rompimento no menisco (cartilagem do joelho), minha perna ficou algum tempo fora do lugar. Depois de ortopedista ao qual consultei me dizer que a coisa só se ajeitaria na mesa de cirurgia, consegui reencaixar a perna e o joelho numa bela tarde, ouvindo Bob Marley no meu quarto. Durante algum tempo, atribui o “milagre” ao efeito terapeutico da música do rei do reggae. Embora, hoje, duvide um pouco dessa teoria mística que eu mesmo criei, ainda desconfio que a música de Bob Marley traga algo maior, em termos espirituais, do que sonha a nossa vã filosofia.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

A MPB e seus discos com timbres horripilantes nos anos 80














Um pouco antes do Natal, dei-me de presente o conserto da vitrola aqui de casa. Já estava sem ouvir discos de vinil há um punhado de anos, pois meu antigo som simplesmente enferrujou todo por dentro e o “novo” – comprado de segunda-mão pela minha amada companheira – quebrou uma semana depois de conhecer seu novo lar. Após uns dois anos de enrolação, resolvi botar a mão na massa – quer dizer, no bolso – e levá-lo a uma oficina de eletrônicos no final da Asa Sul, a qual, cumprindo os mandamentos da “Lei de Gerson”, acabou cobrando um preço alto por um serviço aparentemente simples.

Resolvida a novela do conserto da radiola, fui voltando tímida e lentamente a ter contato com os meus discos de vinil. Neste ponto, vale explicar que não sou daqueles fetichistas que idolatram os bolachões-de-sei-lá-quantos gramas, por possuírem mais graves e a capa grande de 31cm x 31cm, coisa e tal. Pelo contrário, tenho uma certa desconfiança em relação a esses puristas e chego a apostar que 50% das pessoas que sustentam tal discurso não sabem nem o que estão dizendo - simplesmente, voltaram a ouvir vinil porque é moda. E, aliás, cá entre nós, tem coisa mais chata do que ficar mudando o lado do disco a cada 27 minutos? Se existe uma revolução, ela se chama MP3, na minha humilde e contestatória opinião.

(Tá, mas vamos deixar meus dramas de lado para começar a porcaria dessa postagem. Aliás, já notaram o meu enorme ‘talento’ para nunca ser direto? O que era para ser uma abertura simples de texto acaba se tornando quase que uma descrição de personagem do livro ‘O Guarani’, de José de Alencar. Poxa, como todos já leram no título, essa postagem se presta a falar dos timbres horripilantes da MPB nos anos 80, mas, simplesmente, não consigo entrar no tema...)

O fato é que voltei a ouvir meus LPs. Modéstia à parte, devo confessar que, se o meu acervo é mediano do ponto de vista quantitativo, no lado qualitativo o considero razoavelmente rico. Nele, pode-se encontrar, por exemplo, um 3 Feet High and Rising, do De La Soul, ao lado de Please to Meet Me, do Replacements; ou um Extra Texture, de George Harrison entre vários do Led Zeppelin e do The Clash; Doolittle, do Pixies, está encostado no New Tradicionalists, do Devo, que, por sua vez, faz fronteira com What’s Going On, de Marvin Gaye, seguido por High Energy Plan, do 999, e por aí vai. Saindo da praia estritamente roqueira, há também diversos bolachões legais de música brasileira - alguns comprados e outros herdados de parentes - que vão de Lupicínio Rodrigues a João Bosco; do maestro soberano da bossa nova Tom Jobim aos tropicalistas Caetano Veloso e Gilberto Gil; do samba rock de Jorge Ben às crônicas urbanas de Noel Rosa e de seu discípulo Chico Buarque, entre outros.

Nessas minhas empreitadas pelo terreno fértil da MPB, além do imenso talento de nossos compositores, pude reparar uma característica não muito positiva na indústria fonográfica nacional: os timbres horrorosos dos discos gravados nos anos 80. Essa percepção, já existente desde a minha adolescência, tomou uma dimensão maior e mais amadurecida a partir da audição, há alguns dias, do álbum Luar (A gente precisa ver o luar), lançado em 1981 pelo compositor baiano Gilberto Gil e que marca o início de sua parceria com o produtor Liminha. À medida que o long play rodopiava na vitrola, ficava estarrecido como a caixa de bateria soava magra, como os instrumentos e a voz “brilhavam” mais do que o necessário, como a presença dos sintetizadores (tocados pelo bam-bam-bam Lincoln Olivetti!) era exagerada e como, enfim, a escolha equivocada dos sons de grande parte dos instrumentos ajudava a esconder a qualidade daquelas composições.

A partir daí, comecei a lembrar de faixas gravadas por artistas da MPB na década de 1980 que possuíam “desvios de conduta” muito parecidos com os apresentados no disco Luar. Vieram-me à cabeça timbres tenebrosos, como os do roquinho magro Punk da Periferia (do disco Extra, de 1983), de Gilberto Gil, uma espécie de afronta ao estilo criado por Chuck Berry & Cia, que não se salva nem com a participação do talentoso Lulu Santos nas guitarras. E o que dizer de Eclipse Oculto (Uns, de 1983) e Podres Poderes (Velô, de 1984), de Caetano Veloso, que poderiam servir de matéria-prima para uma aula do curso de produção musical – neste caso, de como nunca se gravar um disco - na renomada faculdade de Berklee, nos Estados Unidos? A música Lilás (do disco homônimo, de 1984), de Djavan, mesmo que gravada no exterior com músicos brasileiros e estrangeiros de primeira linha, é outra a chamar a atenção pelos teclados de gosto bastante duvidoso.

Neste momento, uma pessoa mais ligada em estilo poderia me dizer que os pedais de guitarra Flanger, Chorus e Phaser, os sintetizadores, as caixas de bateria mais magras, os baixos estalados e os famigerados solos de sax alto são produtos típicos dos anos 80, seja no Brasil ou no exterior. Portanto, essa estética encontrada nas músicas dos artistas de MPB só estava sintonizada com uma tendência mundial. De fato, isso explica muita coisa, mas não tudo. Na minha opinião, a questão é que, nos discos de MPB, essa fórmula foi, digamos, mais mal aplicada do que no resto do mundo – ou, sendo mais específico, nos EUA e na Inglaterra. Isso porque, por mais que os nossos músicos tenham incorporado a guitarra à música brasileira (desde a Jovem Guarda, passando por Mutantes e Novos Baianos), a tradição da dita MPB é quase que exclusivamente baseada no esquema voz e violão de cordas de nylon. Prova disso é a veneração dos tropicalistas pelo “gênio indomável” da bossa nova João Gilberto.

Ao ouvirmos os discos de música brasileira dos anos 70, notamos que, apesar de a estrutura de estúdio ser claramente mais modesta, os timbres e arranjos parecem ter mais estilo e ser, de certa forma, mais compatíveis com o “swing” - essa palavra é muito escro** - da nossa MPB: baixos graves, baterias “cheias”, etc. Tudo bem que rola uma ou outra coisa miserável, tipo o timbre da guitarra do solinho de Réu Confesso, de Tim Maia (pedal Fuzz ligado diretamente na mesa de som, que, de tão esquisito, virou cult), mas, em geral, o resultado em matéria de timbre nos anos 70 parece ser mais adequado e ter mais personalidade do que o da década seguinte. Basta ouvir discos legais, como Expresso 2222, de Gilberto Gil (1972), Tábua de Esmeralda, de Jorge Ben (1974) e Cinema Transcedental, de Caetano Veloso (1979), para concretizar essa visão.

O problema é que, na virada para os anos 80, o crescimento da pop music e do rock parece ter influenciado nossos compositores a caminharem rumo ao que era considerado moderno à época. Vem daí a busca pela sonoridade mais eletro-eletrônica e a batida mais reta. No entanto, como os artistas não tinham tanto conhecimento desse tipo de som e suas próprias composições se originavam de um lado mais acústico e ritmado, os resultados ficaram meio artificiais. Afinal, existe algo mais contraditório do que Caetano Veloso tocando violão ovation de nylon no videoclipe do pseudo-rock Podres Poderes? Neste ponto, nem a produção de feras como Liminha (e seu assistente de produção à época Chico Neves) nos discos de Gil, e do norte-americano Erich Bulling, no disco Lilás, de Djavan, conseguiu ajudar nossos artistas a terem um resultado sonoro mais aceitável.

O disco Estrangeiro, lançado por Caetano Veloso simbolicamente no fim da década de 1980 (precisamente, em 1989), trouxe novos ares para a produção musical brasileira. Capitaneado pelos norte-americanos Peter Scherer e Arto Lindsay (este último criado em Pernambuco), membros da banda experimental Ambitious Lovers, o disco muda completamente a forma de tratar os timbres e a execução dos instrumentos: o pop rock passa a dar lugar a algo mais cerebral; os solos dos instrumentos são trocados por execuções mais sóbrias, contidas; os próprios timbres perdem o excesso de brilho e passam a ser mais secos. Apesar de soar meio chato e cabeçóide na maioria do tempo, Estrangeiro traz de volta para os trilhos uma personalidade que havia se perdido desde a década de 70.

De qualquer forma, não se pode negar que os anos 80 foram um período rico em matéria de composições e da própria exposição dos artistas da MPB. Mercadologicamente falando, foi a década que deu estabilidade à carreira desses músicos. É uma pena que os timbres não estejam exatamente à altura das canções.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

A encruzilhada dos 'Guidis'


A banda gaúcha Superguidis lançou nesta semana um single, composto por três músicas, que abre as portas para a chegada do seu terceiro disco, em março, pela gravadora Senhor F. Já tinha escutado algumas das novas canções nos shows que eles fizeram em Brasília no ano passado, mas não havia conseguido “interiorizá-las” ainda. Geralmente, preciso de mais de uma audição, de preferência no aconchego do meu lar, para sacar o que uma composição oferece aos meus ouvidos (que frescura, né?).

O fato é que os Superguidis são uma banda suficientemente relevante para que a chegada de um disco gere uma certa expectativa e seja fruto de comentários entre seus admiradores (nos quais me incluo), principalmente aqui em Brasília, espécie de segunda casa dos gaúchos de Guaíba. Dona de dois ótimos discos (com destaque para o primeiro) e de shows arrasadores, a banda conta com uma dupla de compositores-guitarristas inspirados, uma cozinha pra lá de competente e um vocalista com afinação e timbre foras de série.

Pela amostra que ouvi nos shows e do que saquei agora pelo single, está clara a intenção de dar novos rumos ao som e chacoalhar um pouco a fórmula “cozinha reta e guitarras entrelaçadas influenciadas por Guided by Voices e Pavement”, que orientou os dois primeiros álbuns da banda. Agora, as referências parecem mais amplas, englobando desde canções levadas ao violão até um lado mais esporrento do grunge (talvez a maior influência do vocalista/compositor Andrio Maquenzi).

O single é composto de duas músicas inéditas – “Não Fosse o Bom Humor” e “Visão Além do Alcance” – e uma versão acústica de “Malevolosidade”, hit do primeiro disco da banda. Se em uma primeira escutada, as canções inéditas parecem não se diferenciar tanto assim das músicas dos discos anteriores, mais atentamente pode-se obter pistas significativas para algumas mudanças no som da banda.

Não Fosse o Bom Humor”, num antagonismo com o título, parece trazer uma letra mais séria, deixando para trás a ironia juvenil e pra cima dos álbuns anteriores. O som também parece mais direto, num jogo de guitarras um pouco menos torto a la Stephen Malkmus e mais “superfuzz bigmuff”. Os riffs espertos, certeiros e pegajosos, tão característicos dos Guidis, continuam lá guiando a música, mas um pouco menos na cara.

Já “Visão Além do Alcance” traz o lado baladeiro já revelado em canções dos álbuns anteriores, como “O Banana” e “6 Anos”. A música se inicia com um bordão puxado de guitarra, numa afinação que parece ser na nota (em vez do tradicional Mi) – para quem não conhece, vale explicar: a banda é “mestra” em mudar afinações – e os instrumentos entram em seguida, compondo o tradicional entrelace sonoro dos Guidis. Um ataque de toda a banda anuncia a estrofe, que é cantada sobre uma base meio “solta”. O chão da música volta entre as estrofes e se reforça no refrão. Quando se acha que pegou a música, ela nos surpreende com a entrada de cordas onde normalmente seria o solo de guitarra.

A versão acústica de “Malevolosidade” vem para provar a popularidade da banda no underground: a partir da segunda estrofe, quem canta é a platéia, que leva a música até o fim. Aficcionados por música independente que são, os Superguidis recorrem à escola indie para manter de forma criativa e irreverente na mesma faixa tanto os aplausos e a conversa com o público quanto uma segunda versão da música, desta vez cantada de cabo a rabo pelo vocalista Andrio.

De fato, os Superguidis conseguem unir qualidade e (potencial de) popularidade, algo raro no rock brasileiro atual. No entanto, o que parece ser o melhor dos mundos à primeira vista, acaba colocando a banda numa encruzilhada. O problema é que talvez eles precisem ampliar o seu público para se profissionalizarem (no sentido financeiro e prático da coisa). Bala na agulha e carisma para isso o grupo tem de sobra, mas talvez precise fazer certas concessões para penetrar no duro jogo do mercado musical.

Por outro lado, podem negar a crueza do mercado e se fixar somente na música. Mas, caindo na realidade, até quando uma banda consegue se manter junta sem retorno financeiro? Ainda mais jovens como são, a tendência é que as futuras profissões ditem os rumos de suas vidas, caso deixem a música somente como hobby.

Obviamente, há uma terceira via, mais equilibrada talvez, que faz com que uma banda “vença” pela consolidação de sua obra. Então, o que restaria seria ter paciência, tranqüilidade e ir lançando os discos de forma despretensiosa até que a coisa tome pernas. Mas, sinceramente, acho que isso quase tão raro e imprevisível quanto ganhar na loteria. Até porque uma banda é composta por vários membros (os Guidis são quatro), que tendem a mudar seus desejos e necessidades ao longo dos anos.

Ainda não ouvi o terceiro disco inteiro do Superguidis e não sei para que lado, ao certo, apontam as mudanças que senti no single. Estarão eles mais pops ou mais herméticos? Mais sérios ou conservarão um pouco da sua ironia juvenil? E de onde viria exatamente essa mudança: de uma necessidade interior ou de algo mais direcionado para o mercado? Pelo que conheço dos caras, sempre me chamou a atenção em seus perfis apenas uma boa e salutar ambição artística – nunca financeira ou mercadológica. Por outro lado, o verso que fecha, de forma meio melancólica, a música “Visão Além do Alcance” talvez entregue um pouco do dilema vivido pela banda neste momento: “Com tanto artifício assim, é difícil ser você mesmo”.

Do meu lado, torço para que os Superguidis continuem sendo eles mesmos - embora saiba que a batalha seja dura.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

O “verdadeiro” espírito do rock


Quando ainda fazia terapia, há cerca de um ano, numa das tresloucadas e, às vezes, existenciais conversas com meu psicólogo, fui questionado sobre o que simbolizava o rock para mim. Depois de uma breve vasculhada na mente, respondi que o verdadeiro espírito do rock estava associado a uma imagem que assistira naquela semana: dois adolescentes atravessando a pé, à tarde, o Eixão - gigantesca avenida de Brasília - conversando e carregando nas costas seus instrumentos musicais.

A minha explicação para a relevância daquela cena estava ligada à pureza que ela transmitia para mim: aqueles garotos pareciam estar descobrindo a música, tocando por prazer, sem que a banda lhes desse algo em troca; na sua rotina juvenil, tinham tempo livre para conversar (sobre música e outros assuntos) e o rock, provavelmente, seria apenas um meio para celebrar a sua amizade. É obvio que, sem conhecer aqueles adolescentes, muitos daqueles sentimentos seriam apenas frutos de uma projeção da minha parte. Mas, sem querer bancar o Freud, acho que a imagem vista por mim simboliza uma relação pura pela qual a maioria dos músicos já passou.

Devo confessar que sinto uma certa emoção quando leio histórias sobre os primeiros encontros dos membros de bandas de rock consagradas e/ou que gosto. Para mim, é como se esses momentos carregassem consigo o verdadeiro espírito do rock – se é que essa “entidade” existe. Acho legal saber, por exemplo, que, por trás de uma carreira regada a excessos dos bad boys Rolling Stones, existe um singelo encontro entre os jovens Keith Richards e Mick Jagger em uma estação de trem em Dartford, a caminho de Londres. Reza a lenda que Richards teria avistado o ex-colega de jardim de infância, Jagger, carregando discos de blues debaixo do braço, o que teria motivado o guitarrista a abordar o futuro vocalista de sua banda.

Assim com o primeiro encontro dos compositores dos Stones, existem muitas outras belas histórias no rock, como a do dia em que Paul McCartney impressionou John Lennon, ao tocar na guitarra a música Twenty Flight Rock, de Eddie Cochran, ganhando seu passaporte para integrar a banda de colégio The Quarrymen, espécie de embrião dos Beatles. Ou, trazendo para uma realidade brasileira e mais atual, é legal notar que os membros dos aclamados Los Hermanos começaram a banda despretensiosamente a partir de uma amizade surgida nos corredores da PUC, no bairro da Gávea, no Rio de Janeiro, ou que os brasilienses do Bois de Gerião, ainda garotos, se juntavam para tocar ska e punk rock na sobreloja de uma locadora de vídeo, na 308 sul.

Por mais que cresça e ganhe fama, dinheiro e mulheres, muito da essência que uma banda carrega vem desses primeiros encontros. De certa forma, conhecer a fase de germinação de um grupo é quase como ter acesso ao seu DNA: lá estão as referências musicais mais profundas e as relações pessoais mais honestas e verdadeiras entre os membros. E, mesmo havendo outros momentos grandiosos e criativos ao longo da carreira, é naquele início onde estão as células-tronco capazes de salvar a música dessas bandas em momentos de enfermidade (causadas, na maior parte, pelo ludibriante mundo do showbizz).

Não quero, com isso, fazer uma ode à ingenuidade ou à alienação, tão comuns à juventude. Na verdade, sei que muitas das grandes conquistas da vida vêm com a maturidade, com o progressivo movimento de conhecer a si mesmo. E admito que, quanto mais avanço na idade, mais admiro obras feitas por artistas maduros, que trocaram a mera manifestação hormonal por uma abordagem mais cerebral. No entanto, o que quero dizer bate um pouco com aquele pensamento que fala sobre as pessoas não deixarem de lado a criança que existe dentro de cada um. Por um lado, talvez isso funcione com bandas de rock também: uma vez que os músicos se entregam totalmente ao lado duro e demasiadamente adulto da vida, parecem, ao mesmo tempo, estar jogando fora uma parte importante de sua essência.

Quando o Prot(o) acabou, há cerca de dois anos, sentia uma desmotivação quase anciã com meio musical, como se eu fosse uma espécie de precoce dinossauro do rock independente (poxa, eu só tinha 33 anos!): em meio a preocupações com fechamento de shows, capas de discos, aluguéis de estúdio, contatos com a mídia e com produtores nos bastidores dos festivais, havia deixado meio de lado o que tão e somente havia me atraído para aquele mundo: A MÚSICA (com letras maiúsculas mesmo). Não vi isso acontecendo só comigo, mas com muitos outros amigos que se aventuravam a levar a vida musical um pouco mais a sério. E, com poucas exceções, o que observei foi a paixão e a inocência juvenis dando cada vez mais espaço para uma relação fria, burocrática e, às vezes, cínica com o seu maior objeto de paixão.

Talvez por ter submergido tanto neste oceano obscuro da não-música é que a simples imagem de dois garotos atravessando a avenida com seus instrumentos nas costas tenha soado tão forte e libertadora naquela tarde de um fim de semana qualquer.