terça-feira, 17 de novembro de 2009

Clínica de Desintoxicação Musical














Outro dia, estava almoçando no aprazível e levemente insosso restaurante natural perto da minha casa, quando, de repente, um som de saxofone começou a temperar de melodia o recinto. O repertório, composto por standards da música pop, assemelhava-se um pouco à programação da rádio Antena 1, criando um ambiente agradável — ou pelo menos, não incômodo — à clientela do lugar.

Apesar de conhecer e até gostar da maioria das músicas, fiquei questionando em minha mente aquela forma tão batida de “arte”: Por que essas músicas de bar e restaurante tendem a carecer tanto de estilo e de uma execução mais visceral? Como esse saxofonista, que me parece bom tecnicamente, poderia agregar valor e adicionar “sal” ao seu trabalho? Nesse sentido, passei a pensar nas minhas próprias carências musicais, conseqüências diretas das minhas escolhas desde a adolescência, que me fizeram me aproximar de alguns gêneros e deixar outros de lado. E, assim como eu, passei a notar que quase todos os meus colegas músicos e/ou amantes de música tinham também as suas opções bem definidas, o que, se sob certo ponto de vista, ajudavam a construir os seus estilos, sob outro, deixavam lacunas na sua musicalidade. No meio desses meus devaneios, tive uma idéia que me pareceu bem pertinente naquele momento: montar uma espécie de Clínica de Desintoxicação Musical.

E para que serviria exatamente essa clínica? Bem, a idéia é que o cliente que decida se internar — ou, ao menos, fazer uma consulta — seja avaliado por especialistas em Rock e Pop, que consigam detectar os seus vícios musicais, para, a partir dessa análise, receitar os remédios adequados para a superação da “doença”. No caso, os medicamentos seriam compostos por playlists de gêneros que esse amante da música nunca ouviu, seja por preconceito ou simplesmente por falta de oportunidade.

Para mostrar como funcionaria a clínica, vamos utilizar como primeiro exemplo o tal saxofonista que ouvi outro dia no restaurante natural. Ora, sua música, apesar de apresentar técnica, carece claramente de estilo e inventividade. Então, o que receitar para esse paciente? Bem, acredito que doses cavalares de Velvet Underground, Suicide, David Bowie e Roxy Music possam fazer muito bem a esse rapaz. Como ele parece gostar de música brasileira, colocaria no composto um pouco de Arnaldo Baptista fase Loki, de Walter Franco fase Revólver e até um punk rock sujo da seminal coletânea Começo do Fim do Mundo (Lixomania ou Olho Seco poderiam cair bem). O importante é mostrar que nem sempre a melodia é a única solução de uma composição: às vezes, precisamos de atitude e descompromisso com a técnica também.

Partamos para outro caso hipotético: o de um viciado em punk rock e sons mais pesados. De certa maneira, sua visão musical é antagônica à de um músico de bar: provavelmente esse paciente, se for músico, toca mal e acha que o discurso ideológico é o principal elemento de uma canção. Bem, ele precisa se desapegar dessa visão minimalista e de excessiva contestação. Desta forma, a receita para sua desintoxicação pode estar em aplicações diárias de Billy Joel, Paul McCartney e Elton John. Acredito que um Burt Bacharach e até um disco de rock progressivo (Yes ou King Crimson) possam fazê-lo bem. Numa última etapa, esse viciado em discursos ideológicos poderia ouvir a orquestra de Ray Conniff e a Orquestra Filarmônica de Berlim, regida por Herbert von Karajan, tocando a 6ª sinfonia de Beethoven.

Ok, Ok. Às vezes, o tratamento parece radical, mas, acreditem, tem grandes chances de fazer efeito. Vamos então a um terceiro caso, para tentar tornar mais clara essa minha revolucionária idéia: um músico de banda indie, com fortes influências shoegazer. Bem, esse paciente precisa urgentemente elevar a sua autoestima e masculinidade musical, não necessariamente nessa ordem. Nesse caso, é bom mantê-lo afastado de bandas como Belle & Sebastian, Cardigans e outras fofices. Em contrapartida, esse músico deverá ouvir, de preferência amarrado a uma camisa de força, grupos como Van Halen, AC/DC, Creedence Clearwater Revival e, numa última e talvez traumática etapa, ZZ Top. Para torná-lo desapegado de artes gráficas estilosas, seria interessante ainda apresentá-lo às capas horrorosas do Funkadelic.

O último caso trata de músicos virtuosos, que gostam de Stevie Vai, Michael Angelo e Paul Gilbert, mas que revelam alguma afinidade com o gênero brasileiro Chorinho também. Bom, para esses pacientes, um bom punk rock (para dar ideologia) e alguns conjuntos de reggae (para ensinar questões de ritmo e alma) podem fazer toda a diferença. O tratamento deve se iniciar com doses de The Clash e Peter Tosh, progredindo para Rancid, Aswad, Steel Pulse, e terminando com Asian Dub Foundation, Arctic Monkeys e talvez alguns Raggas.

De qualquer forma, essas são fórmulas generalistas, apresentadas somente para exemplificar o trabalho da futura clínica. Caso, ao ler esse texto, você identifique algum vício em sua formação musical, o recomendável é procurar um especialista que possa ajudá-lo a se desintoxicar. Não tente se automedicar, pois alguns quadros podem até se agravar com tal procedimento. Os especialistas da Clínica de Desintoxicação Musical estão de braços abertos para receber aqueles que desejam ampliar e até mesmo refinar seu gosto musical.

16 comentários:

  1. legal esse lance de rehab. quando comecei a escutar beatles, lembro que de sentir todas as toxinas musicais geradas por bandas ruins de ska sendo expelidas do meu organismo, hehe.acho que rola de adicionar um motorhead ao indie.
    grande abraço

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  2. E para quem ouve pagode, axé e sertanejo? Tem salvação?

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  3. O Dr. Pinduca ja vem fazendo esta pesquisa ha anos. E começou comigo, uma "fofinha" ouvinte de Cardigans. A tentativa se deu por um cd do ZZ Top (com direito a barbas, motocicletas e gostosas de biquini na capa) como presente de Natal. Acho que sou incurável...

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  4. Maneiríssimo como sempre, Pinduca! Mas, Ray Conniff é tarja preta, pra paciente terminal mesmo, hein? Vim de Brasília com o meu pai de carro, e no caminho ouvimos clássicos da música mundial ao som de Richard Clayderman, q seria um ótimo parceiro de quarto para o referido saxofonista.
    Abs!

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  5. Eu já fui do tipo que ouvia punk rock/hardcore e mais nada. Meu tratamento foi um pouco mais radical. Nos idos de 1997, doses cavalares de Pet Sounds, Abbey Road e Frank Zappa abriram minha cabeça para novas batidas, novas pulsações.

    Abs

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  6. Sabe tudo esse Pinduca!
    Eu quero uma vaga de enfermeira nessa clínica de desintochicação. As veis música é tóchico puro véi. Tem que ter gente pra ajudar a desintochicar mermo. Tenho umas receitas aqui de Belém que podem ajudar, viu Pin?
    Eu conheci uma bichinha em Santarém que tava intochicada com o som do Galaxie 500. Ela dizia que New York era A city!
    Mas caso mais grave é o daquele apresentador Amaury Jr. O cara foi entrevistar a Fernanda Young e eu, tola que sou, fiquei acordada até de madrugada pra ver. Achei que ele fosse mostrar as fotos do ensaio que ela fez para a Playboy e coisa e tal.. Porra... Que cara intochicado véi! Ele disse a Fernanda Young que as fotos em que a parte inferior e mediana da região sexual dela, que forma uma eminência triangular e se cobre de pêlos, não era mais comum entre as mulheres jovens, que atualmente raspam os populares pêlos pubianos. Fernanda concordou e disse que não gostava daquela estética de "raspa tudo". Foi quando Amaury Jr disse que raspada (a xoxota) parecia uma cicatriz. E ele disse isso com um ar de nojo, cara... Foi quando Fernanda, que é macaca velha nesse tipo de situação, ficou gaga e não soube o que dizer.
    Aê Pin, leva esse cara pra tua clínica. Tá na cara que ele é assim porque ouve dance music o tempo todo. É o efeito do som, velho.
    Que cicatriz que nada, porra! Desintochica!

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  7. Goma: Com certeza, um Motorhead faria muito bem ao caso do indie shoegazer. Poxa, eu sempre esqueço do Motorhead quando falo de bandas de macho – e, neste caso, eles são um dos ícones. Valeu a dica. Quanto à liberação das toxinas de bandas de ska, acho que todos já passamos por processos parecidos, mesmo que o gênero musical seja diferente. Mas esse é exatamente o espírito do texto.

    Felipe Campbell (não conheço nenhum Felipe Martins!!!): Tem salvação para todo mundo. Obviamente, enquanto alguns têm pequenos vícios, outros estão quase no leito de morte. Mas, para esse pessoal que você citou, eu receitaria num primeiro momento, música caipira de raiz (para os sertanejos), samba também de raiz (para a galera do pagode) e Assis Valente, Novos Baianos e Armandinho, Dodô e Osmar (para a galera do Axé). Depois, radicalizaria, para mostrar que os concertos musicais nem sempre são pretextos para uma noite de amor: um canto gregoriano poderia cair bem. E, sei lá, no final do tratamento, um pop bem feito de Jacson 5 e Paul McCartney poderia mostrar como artistas de verdade também podem ser populares. O que cahou do meu tratamento?

    Mzzo: Realmente, você é minha primeira paciente e meu primeiro caso perdido. Mas se até Freud fez lambança em seu primeiro tratamento (com Anna O.), por que eu estaria imune a tais deslizes? A propósito, aquela coletânea do ZZ Top era maneiríssima!!!

    Argila: Com certeza, Ray Conniff é Tarja Preta, mas, para alguns tratamentos, mostra-se extremamente eficaz. Só tem que ter cuidado para não gerar dependência. Quanto ao Richard Clayderman, acho que ele seria um bom companheiro de quarto para o saxofonista mesmo, mas o meu sentimento é que o caso de Clayderman é mais grave, pois tem a doença há décadas e nunca a tratou. Acho que, para começar um tratamento de choque com Richard Clayderman, eu quebraria seu piano branco com machadadas e ainda rasparia o seu cabelo (de eterno Príncipe Valente). Se esse tratamento de choque não der certo, nada mais dá.

    Renato: Pois é, também fui um dependente do punk rock e até hoje sinto falhas no meu senso melódico. Também tomei doses cavalares de Pet Sounds e Sgt. Pepper’s, mais ainda falta muito para me sentir curado do excesso de atitude e ideologia em minha pobre formação musical.

    Lívia: Hahaha. O problema é que o Amauri Jr. não precisa se “desintochicar” somente de dance music, mas de vários outros vícios e manias. O caso dele é muito, mas muito grave mesmo. De qualquer forma, aquele tema de disco music do KC and Sunshine Band que toca desde que o programa dele foi ao ar pela primeira vez deve ter ajudado a deixá-lo doidão. Poxa, ainda não vi o matagal da Fernanda Young: falam que faz lembrar os bons tempos da Cláudia Ohana. Mas, sei lá, acho que o meu interesse sexual na Fernanda Young é próximo ao meu “tesão” nela como apresentadora e escritora (ou seja, próximo a zero).

    Abraços a todos.

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  8. Tears for Fears também desintoxica assim como Men at Work.

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  9. haha, amauri jr. está na uti, todo entubado!
    pinduca, o seu texto serviu de estompim: eu e uma amiga vamos fazer um programa de rehab. eu vou gravar um cd pra ela e ela um pra mim, cada qual contendo sugestões do que a pessoa que gravou o cd considera uma dieta musical saudável. ela é fã de bon jovi, lady gaga e acha stones melhores que beatles. só quero ver o que vem em minha direção!

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  10. Pedro: Depende. Qualquer banda/artista pode intoxicar ou desintoxicar na mesma proporção. O importante é ter equilíbrio entre os estilos. No caso, para desintoxicar do excesso de anos 80 de "Tias Fofinhas" e Men at Work, eu receitaria alguns bons conjuntos pop dos anos 60, 70, 90, 00. Às vezes, a intoxicação provém do excesso de apego a determinada década(e não apenas a estilos ou grupos).

    Goma: Esses CDs gravados por amigos são uma ótima pedida para deisntoxicar. São umas espécie de água de coco sonora.

    abs.

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  11. Achar stones melhor que beatles é terminal. Mais fácil curar o pessoal do axé!

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  12. Mas pelamordejaguar(jaga o fantasma dos thundercats), não trate ninguem com progressivo não! E nem Janis Joplin hahahahahaha!
    interessante essa idéia de clínica de desintoxicação musical. Já fui muito de ouvir só punk rock/hardcore. Hoje no som "tecnológico" do meu carro, o cartao SD é recheado com Rev. Horton Heat, Cramps, coletâneas de reggae, Muse, Prodigy, Beach boys, Beatles, Hank Willians III, Roy Orbison, Kate Perry (!!!), Amy winehouse, Specials, Catalépticos, Slayer, Motorhead, Foo Fighters e o novo do Weezer. Uma salada. Acho que preciso é de fé e dinheiro no bolso. hahahaha

    Mas sério, nunca use progressivo e Janis Joplin para desintoxicar alguém. É extremamente nocivo!

    Abraço,

    Leo Capotones.

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  13. Pinduca, o texto está "esporrantemente" engraçado. A idéia da clínica de desintoxicação musical é fantástica! O problema é que ia ter fila de espera de meses pra conseguir uma internação. É incrível que num país que legou à humanidade um Villa Lobos, Um Noel Rosa, um Cartola, um Pixinguinha, um Renato Russo, um Cazuza e um Herbert Vianna existam tantos indigentes musicais. Só acho que para conseguir ser recuperado na clínica, o sujeito teria que passar pelo crivo de uma equipe "médica" de gosto musical apuradíssimo. O cara curte tocar sax mas é apaixonado por Kenny G? Interna. O doente gosta de Calypso e Calcinha preta? O outro só escuta Chiclete com Banana e Asa de Águia? O playboy só conhece Tiesto? Sacrifica.Injeção letal na veia sem piedade. Há casos irrecuperáveis! Dá até pra imaginar uma reunião de doentes na clínica onde cada um se levanta e se dirige ao grupo dizendo coisas do tipo: Meu nome é Joanna, tenho 17 anos e estou sem escutar NX Zero há 3 dias. O grupo aplaude comovido e se debulha em lágrimas.

    Parabéns, Pinds!

    Da sua fã, Débora Blog

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  14. Pinduca, adorei o post. Confesso que não conheço todos os "medicamentos" citados, mas a ideia é demais e vou buscar conhecê-los melhor. Há alguma opção de tratamento com bandas mais recentes?
    Bjo.
    Marla

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  15. Eduardo: Já conheci uma galera que gostava mais de Stones do que Beatles. Geralmente, é esse pessoal mais ligado em rockão e guitarras, que considera os Beatles pop demais e curte o lado doidão dos Stones. Do meu lado, também sou mais ligado nos Fab Four.

    Léo: Acredite, o rock progressivo é extremamente eficaz em alguns tratamentos. Ele ensina importantes lições como apuro técnico e construção de melodias mais rebuscadas. Quanto à Janis Joplin, acho que ela ensina a cantar com alma. Sobre o que você ouve no carro: realmente, é uma salada musical, que vai do pop (Kate Perry) até lances mais rockabillies, como The Cramps e Catalépticos, passando ainda por reggae, eletrônico e outros estilos. Você me parece um cara bastante saudável do ponto de vista musical. Para lhe dar alta com toda convicção, eu só receitaria algumas doses de música erudita (tocatas de Bach, prelúdios de Chopin, sinfonias de Mozart e Beethoven), um pouco de jazz (de Louis Armstrong a Jaco Pastorius), música brasileira (Cartola e Noel Rosa são um bom início) e, por fim, doses homeopáticas de rock progressivo (comece com Pink Floyd fase Syd Barret e vá até o disco solo do Rick Wakeman). Acredito que seu tratamento não durará mais do que três meses(rs).

    Débora: Realmente, não podemos esconder o fato de que existem casos irrecuperáveis. De qualquer forma, mesmo que não consigamos achar uma cura, o nosso papel é dar pelo menos conforto e uma melhor qualidade de vida aos nossos pacientes terminais. Neste ponto, a clínica está disposta a aceitar qualquer paciente, mesmo que por tempo limitado. Quanto à questão de abstinência, já vi muitos casos parecidos com o que você relatou sobre o NXZero: o poder da força interior e o poder de superação do ser humano deixam qualquer um comovido.

    Leocádia: Valeu a leitura e o apoio à futura clinica.

    Marla: Sim, há tratamento com bandas recentes. Ele é destinado aos ouvintes que estão com o pé demasiadamente no passado. Neste caso, o receitado é ouvir boas bandas do início da geração 00 até hoje: Strokes, White Stripes, Franz Ferdinand, Arcade Fire, Arctic Monkeys, Libertines, LCD Soundsystem, Yeah, Yeah, Yeahs, Fleet Foxes, The XX, Dirty Projectors, entre outras. Confesso que tenho um pouco essa doença, da qual estou tentando me curar. Relato esse meu problema em um dos textos publicados no blog: http://pinducasblog.blogspot.com/2009/09/meu-problema-com-as-bandas-novas.html

    Grande abraço a todos.

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