quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Hora de olhar para frente












A presença de bandas candangas históricas na escalação do último Porão do Rock jogou luz novamente em um rótulo musical que andava apagado havia mais de uma década: o “Rock Brasília”. Até mesmo o mais cético dos espectadores teve uma pitada de emoção ao assistir ao desfile de gerações roqueiras da capital federal no palco montado na Esplanada dos Ministérios no último final de semana: dos oitentistas Plebe Rude, Escola de Escândalo, Fallen Angel e Detrito Federal até os atuais Watson, The Pro, Superquadra e Móveis Coloniais de Acaju, passando ainda pelos representantes noventistas do Little Quail, Maskavo Roots e Os Cabeloduro – neste pacote, teve espaço até para os cariocas do Paralamas do Sucesso, espécies de padrinhos do rock federal. O clímax do festival foi a homenagem à Legião Urbana, maior nome da história do rock local (e, talvez, nacional), que reuniu membros de bandas brasileiras de diversas gerações.

Mais do que uma celebração, a 12ª edição do Porão do Rock acabou trazendo um sopro de motivação para algo que andava bem em baixa: a atual cena roqueira brasiliense. Quem acompanha as apresentações de bandas locais nos últimos dez anos, sabe que, com exceção do Móveis Coloniais de Acaju, o que mais se vê são shows meio vazios, com uma platéia formada quase que somente pelos amigos dos integrantes das bandas. Realmente, nada mais contrastante como os anos de ouro do rock da capital federal, que já viu seus representantes lotando estádios Brasil afora. Neste ponto, o Porão do Rock teve o papel de recordar-nos que vivemos numa capital com vocação não só para o rock, mas para a música POP, de uma forma geral.

Cheguei a Brasília em 1989, época em que existia uma verdadeira idolatria em relação às bandas da Capital. Lembro de, em minhas primeiras idas ao shopping Conjunto Nacional com a minha mãe, ver vários estandes com camisas que estampavam o nome de bandas brasilienses à venda. Além disso, era comum ter amigos de escola ou de quadra que tinham bandas, numa proporção bem maior do que em outros estados onde havia morado. O rock era uma espécie de orgulho e hábito locais, principalmente para uma cidade nova como Brasília, que ainda buscava a sua identidade cultural.

Viver minha adolescência aqui me fez adquirir uma “alma brasiliense”. E, de uma hora para outra, me vi fazendo parte dessa turma que produzia rock na capital federal. Para a minha geração, dos anos 90, essa história de ser uma banda brasiliense ainda tinha algum valor e rendia até espaço em jornais de outros estados. De certa forma, o estouro nacional da geração anterior (Plebe, Capital e Legião) fazia brotar uma curiosidade por parte tanto do público e crítica brasilienses quanto de outros estados pelo que estava sendo produzido por aqui.

O engraçado é que as bandas que “deram certo” nos anos 90 acabaram sendo aquelas que conseguiram se desapegar desse rótulo de Rock Brasília, o tal gênero politizado dos anos 80. Lembro que, no momento de entressafra entre os anos 80 e 90, as bandas que comandavam os shows e pequenos festivais locais eram os clones de Legião & Cia. E, subitamente, aquelas bandas de moleques que tocavam, sem muita pretensão, forró-core, hardcore, rockabilly, reggae, ska e indie rock começaram a ser vistas como as originais e se destacar dentro e fora da cidade. A mesma coisa aconteceu na passagem dos 90’s para os anos 00’s: o que predominava eram os filhotes de Raimundos, até que alguns grupos quebraram o paradigma do rock irreverente e de putaria, para impor uma nova marca “mais séria”.

O interessante é que, mesmo ficando cada vez mais para trás, o Rock Brasília dos anos 80 continuou sendo um fantasma (meio conservador, em alguns aspectos) para as gerações posteriores. Isso porque ele se tornou a base de comparação para qualquer banda nova que comece a se destacar na capital federal. Ora, não é preciso ser nenhum gênio para notar que um novo Renato Russo não vai aparecer por aqui nem tão cedo - ou nunca mais. Além disso, sem tirar o mérito dos talentosos artistas dos anos 80, o período pós-ditadura e o Plano Cruzado criaram um clima absurdamente favorável para o estouro de bandas de rock politizadas. Isso nos leva a crer que, simplesmente, é muito difícil que condições tão positivas façam o rock brasiliense voltar a ser uma ‘grife’ e ter o mesmo reconhecimento do passado. E, na verdade, talvez esse parâmetro de estouro nacional nem seja mais muito importante em tempos de internet e “independência”.

E é nesse ponto onde quero chegar. No último Porão do Rock, encontrei muita gente que não via há tempos, que foi ao festival para reviver momentos felizes de suas vidas. Nada contra esse saudosismo: eu mesmo faço isso de vez em quando e acho até saudável, se não for excessivo. E quem sou eu para falar de saudosismo num festival que eu mesmo toquei com uma banda já extinta? Por outro lado, chega a ser paradoxal notar que, em um evento que se propõe a elevar a bola do rock brasiliense, as bandas novas da cidade (com exceção sempre do Móveis) estivessem numa posição de tão pouco destaque, confinadas ao Palco Pílulas e concorrendo com as apresentações das grandes atrações. De certa maneira, talvez o rock de Brasília volte a brilhar dentro e fora da cidade quando parar de viver de sua história e passar a olhar para frente, a fazer história.

14 comentários:

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  2. Não discordo, mas gostaria de acrescentar uns lances. Muito da condição de "exceção" do MCA deve-se ao fato da banda também ser de um profissionalismo incomum entre as bandas locais. E a principal lição que as bandas deve tirar disso é a necessidade da auto-gestão da carreira, de ter as rédeas do planejamento de suas carreiras.

    Porque o que acontece em Bsb é que a grande maioria das bandas se entregam de corpo e alma nas mãos de uns produtores que, na maioria das vezes, não tem nenhuma competência pra isso.

    Hoje, a figura do produtor independente parece para mim, um Mini-Me das antigas grandes gravadoras. Garantem shows, mídia, festivais. Mas, assim como o antepassado mais forte só serve pra atrapalhar....

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  3. Por conta do Nirvana & Cia, aqui em Salvador, nos anos 90, Bsb era conhecida como a Seatle brasileira. Acho que também ouvi isso em alguma Bizz da vida.

    Maskavo Roots, Raimundos, LQ, Oz, Low Dream, Pravda, Os Cabeloduro... Todo mundo lançando disco. Daqui a gente pensava "ah, se Salvador fosse igual".

    Abração,
    Cury.

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  4. Que coincidência, Pinduca. Estava conversando com o Ju exatamente sobre isso ontem. Ele até me disse que você estava preparando um texto com esse enfoque. Também tive a mesma sensação: os shows foram legais e foi interessante ver as bandas com formação original mas fiquei com uma sensação meio ruim, de ver aquela reverência exagerada ao passado. Achei inclusive o show da Legião deprê. O tempo passou, as coisas mudaram. Acho que é hora de prestar atenção em quem está gravando agora. Parabéns pela análise sóbria (e pelo jeito, solitária) dos shows.

    abs.

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  5. Como brasiliense da gema, vivi intensa e apaixonadamente a era dourada do Rock da capital. Ter podido assistir a tantos shows bons de tanta gente boa foi realmente um privilégio. Relembro com inexplicável prazer até hoje o célebre "não show" do Legião no Mané Garrincha que acabou em um tumulto infernal entre a banda, a multidão enfurecida e a PM. Acontece que depois daquele "boom" todo era natural haver um certo arrefecimento, uma melancolia post coitum. E houve. O problema é que esse resfriamento natural já dura tempo demais. A cena musical brasiliense há muito não é sacudida por nada digno de nota. É pena. Temos vocação pra música. Fomos e podemos voltar a ser um celeiro formidável de talentos. O que não dá é ficar glorificando o passado. Gênios como Renato Russo talvez nunca mais apareçam por estas plagas mas quem disse que se faz história apenas com gênios o tempo todo? Bobagem. E mais: Brasília precisa mais do que nunca da velha efervescência musical para que cessemos de ser lembrados apenas pelas baixarias e torpezas perpretadas pelos cangaceiros que ocupam o nosso parlamento. É isso.

    Beijundas,
    Débora

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  6. Renato: Interessante a sua colocação e passível de reflexão em diversos pontos. Realmente, os Móveis são exceção, inclusive pelo seu extremo profissionalismo. Isso os fez construir a carreira de uma maneira genuinamente independente. Na verdade, quando escrevi o texto, queria falar sobre os aspectos positivos e negativos dessa edição histórica do Porão do Rock. E não sei se consegui deixar claro no texto, mas eu vi muitos méritos na escalação do festival: acredito que o rock de Brasília precisava recuperar a sua auto-estima e o Porão fez isso com louvor. Por outro lado, acho já há algum tempo que o público (e, ás vezes, a crítica) tende a viver do passado. E isso acaba se tornando uma espécie de âncora para as bandas atuais. Não quis entrar muito no mérito da qualidade das bandas das várias gerações, pois isso geraria controvérsias e não é nem o intuito do texto. Em suma: o que quis dizer é que “o peso da história” do rock Brasília às vezes atenta contra o futuro desse mesmo rock. Mas, como disse no começo do comentário, existem muitas coisas para serem refletidas.

    Cury: Legal o seu depoimento. E é legal ver que Salvador “bombou” depois, com Penélope, Cascadura e, por fim, Pitty (esta juntou em sua banda uma galera da pesada do underground daí). Mas, na verdade, Salvador sempre foi o celeiro de grandes roqueiros brasileiros, vide o mito Raul Seixas (e, depois, Camisa de Vênus). E é legal ver que hoje existem bandas legais vindas de Cuiabá, Pará, Acre, lugares que não estavam no mapa do rock brasileiro até 10 anos atrás.

    Fernando: Realmente, esse foi o meu grande sentimento no festival: de uma justa, mas, talvez, excessiva, reverência ao passado do Rock de Brasília. Acho que essa atitude acaba ancorando um pouco (ou bastante) o futuro das bandas da capital.

    André: Concordo em gênero, número e grau. É isso, mesmo. Os anos 80 foram anos dourados para o rock brasiliense (e isso eu acompanhei, em parte, de outros estados), mas já acabaram. É hora de olhar para frente e de trazer de volta essa efervescência cultural. Eu não chego a dizer no texto que morei em Brasília também em 1983 e 1984. Meus irmãos mais velhos pegaram esse momento em que as bandas daqui começaram se destacar. E lembro que, quando a Legião lançou o seu 1º disco, no final de 1985, meus irmãos faziam referência a já os conhecerem aqui de Bsb.

    Abraços a todos.

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  7. Bem Pinduca, comentar devidamente o que vc apresentou no texto é impossível nestes espaço. Como você sabe - acredito - a minha pequena ( mesmo!) produção acadêmica gira em torno de algumas idéias que vc apresentou aí: A 'capital do Rock' , o mito de Renato Russo e as bandas da primeira geração e tal.
    Não vou esgotar o assunto, insisto. Mas gostaria de lembrar alguns detalhes. E me perdoe o tom professoral...São minhas opiniões e não quero ofender nínguem dizendo que as coisas são assim ou assado.
    Fatos Históricos são únicos. As pré-condições para o rock 80 ( bsb-Brasil-Mundo) acontecerem nunca mais se repetirão. Parece óbvio dito assim, mas como ainda se ouve ecos de uma Brasília, Capital do Rock, na mídia e no discurso de certas bandas. Acretido que tem gente que ainda entra numas que isto ainda possa acontecer.
    E nesta gana de que tudo volte a ser como antes ( hahahah) deixamos de perceber vários aspectos - ou legados - daquela época. Vou comentar um deles. Falo por mim, mas vejo muito disto em alguns amigos meus: Os adolescentes dos anos 80 e 90 estavam e estão fazendo a cara de nossa cidade. E é única. Temos uma gama de profissionais liberais, figuras dentro da adminstração federal e distrital, vários setores profissionais da cidade. Pode parecer meio ideal punk, mas como Jello Biafra disse uma vez, os executivos que foram punks ensinam os outros executivos a serem punks.
    Estamos subvertendo. Pode parecer idealista ao extremo, mas eu acredito neste aspecto. Quando eu tinha 16 anos ser músico, ter ideais não era compatível com a 'normalidade' da vida. Hoje isto ocorre: Quase 40, pai de família, dj, músico, professor : Brasiliense.
    Agora ficar na pilha de quem tem o cetro do rock nacional, bem , hoje isto é irrelevante. Por 'n' motivos, a música - nacional ou gringa - tende cada vez mais a ter menos uma assinatura regional: bandas de Manchester, Seattle ou de Brasília. Sim senhor, pois num dado momento do seculo XX havia uma marca idelével do que cada banda fazia.
    Por mim, ok. Agora minha música, nossa música não tem obrigação de impressionar nínguem por sua procedência.

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  8. Legal o tema do post, ainda mais vindo de alguém que tocou numa banda homenageada.
    Sobre o porão,já não é de hoje equivocos de programação e de escalação entre palco principal e o ´´demo``.Não entendo como bandas tipo ´´elfus`tocam no principal e bandas como o the pro, que , na minha opinião, fez um grande show, ficam no demo.Parece que a qualidade não é um fator prioritário.
    Sobre a cena, é trite ver que ela está morna. Bandas com o the pro, watson, pedrinho grana e os trocados, los torrones e outras ainda fazem shows mas eu sinto falta dos festivais que rolavam na década de 90( ´´loucuras de verão ``, por exemplo):via-se bandas de vários estilos e com certeza era um incentivo pras bandas novas , que podiam tocar com bandas que já tinham mais estrada.Eu lembro que eu entrei pra cena rock com esses fetivais e era muito empolgante ver uma cena com várias bandas e todas tocando num mesmo evento.
    Está morna , mas não está morta! Só acho que as bandas poderiam fazer mais shows, independente de festivais.
    um abraço e vida longa ao rock e à cultura brasiliense.

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  9. Que lindo! Que lindo! Adoro teu blog Linduca!
    Pena que só descobri agora.
    Eu sou tua fã e te quero muito bem, fofo!
    Gostei do texto também mas, eu não acho que a imprensa e o público valorizam as bandas antigas tanto assim não. Pelo contrário. Jornalista tá sempre em busca da última novidade. Não sei como ainda não me descobriram... Eu acho que há espaço pra tudo fofo, pra banda nova, pra banda velha e pra dinossauro dos anos noventa também. Afinal, nós já temos um passado não é mesmo? Não acho exagero não. As bandas novas, se forem boas mesmo, brilharão. Acontece que tem muita, mas muita coisa ruim mesmo por aí. Ai que saudade do Renatão.
    Só mesmo Bull pra nos salvar. Viva a Superquadra!
    Lívia Sapassã (cantora, compositora, fã do Linduca e futura estrela, musa e diva da música brasileira)

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  10. Carlito, legal o post. Mas acho que os anos 80 foram dourados para o rock nacional, não apenas o brasiliense.

    E, da mesma forma que em Brasília, eu não vejo no Brasil novas bandas terem espaço considerável.

    Quem sabe com a decadência das gravadoras isso muda?

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  11. Pinduca, meu filho. Cadê o Proto??????????

    Abrass e inté
    Régis Martins - Motormama

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  12. Prof. Marcelo “Zeca” José: Muito legal o seu depoimento. Não tenho nem muito o que falar, ainda mais diante de um punk acadêmico (que ensina os outros acadêmicos a serem punks) do mais alto quilate. Concordo em relação ao fato de a música não ter que impressionar mais ninguém por sua procedência. É isso mesmo.

    Goma: Poderiam rolar mais festivais, mesmo. O lance é que as coisas às vezes ficam tão frias que ninguém mais tem coragem de fazer um festival (que, provavelmente, não vai contar com público algum). Mas eu tenho fé de que as coisas voltem a melhorar num futuro próximo. Acho que já está rolando uma certa movimentação por parte dessas bandas novas (Tiro Williams, The Pro, Dynamites, Watson, etc).

    Lívia: Não sei por que tenho a impressão de te conhecer, talvez com nome de homem (e amigo do Cláudio Bull). Mas vamos lá. O que vc disse faz sentido: jornalista gosta de novidade. Mas, na minha opinião, esse lance do rock anos 80 ter se tornado uma espécie de “expressão maior da cultura de Brasília” trouxe uma situação atípica para a nossa cidade, de um certo culto ao passado. Não me refiro apenas aos jornalistas, mas, principalmente, ao público. E era sobre a necessidade dessa mudança de mentalidade que eu queria falar no texto.

    Thelma: Concordo com você em relação em relação a esse culto ao rock dos anos 80 em todo o país. Não é a toa que essas festas Ploc/Anos 80 pipocam por todas as cidades brasileiras. Mas, sei lá, acho que em Brasília o buraco é mais embaixo, pois esse rock significou a “expressão maior da cultura da cidade” (como disse acima, para o (a) Lívia). Querendo ou não, São Paulo teve os Mutantes nos anos 60, os Secos e Molhados, Joelho de Porco e Tutti Fruti nos anos 70 e mais um monte de artistas de renome em sua história, que não faz a cidade não ser tão ligada aos 80, como acontece aqui em Bsb. Realmente, a decadência das gravadoras já está trazendo uma nova configuração ao mercado – neste momento, ainda meio confusa, mas que pode render novos (e bons) frutos.

    Régis: E aí, rapaz. Poxa, o Prot(o) acabou há quase dois anos. Saímos à francesa. Agora, tô sem banda e decidi virar um blogueiro solitário. É bem mais legal do que ser músico, pois vc não tem que convencer ninguém de que a sua idéia é boa (rs). E o Motormama, como está?

    Abraços a todos.

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  13. Gozado ler esse post, pois cresci em Goiânia admirando a cena brasiliense e a veia roqueira da capital federal. Acho que as duas capitais do Cerrado perdem muito em não conectar suas cenas! Basta ver a programação dos últimos festivais das duas cidades, levando em conta a proximidade, são muito poucas bandas daí escaladas pra tocar aqui, e vice-versa!

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  14. prezado pinduca.
    volta a escrever!
    e a tocar! ao vivo! para outras pessoas!

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