terça-feira, 21 de julho de 2009

Boas ações de uma rádio “maldita”


A idéia desse texto surgiu a partir da comemoração do Dia Mundial do Rock, no último dia 13 de julho. Apesar de não dar muita bola para a data, resolvi usar o pretexto para homenagear esse estilo musical, que vem atravessando gerações como, talvez, a principal manifestação musical dos jovens. Neste ponto, vale informar que, quando digo rock, refiro-me a todas as suas variações ao longo desses cinqüenta e poucos anos de existência: do grindcore ao pop, do psicodelismo ao funk metal, do hard rock ao... emo (!) — bom, acho bom pararmos por aqui.

Nesta minha procura por algo que representasse o rock’n’roll, pensei em vários ícones: Chuck Berry, Elvis, Beatles, Led Zeppelin, The Clash, Nirvana. Achei que seria injusto escolher somente um deles e resolvi optar por algo que englobasse o estilo como um todo. Foi aí que me veio a idéia de homenagear uma rádio: a niteroiense Fluminense FM, conhecida como “Maldita”, emissora essencial na divulgação de bandas brasileiras dos anos 80 (como Paralamas, Legião e Kid Abelha, entre outras) e importantíssima na minha educação musical.

Conheci a Fluminense FM em 1988, quando me mudei para o Rio de Janeiro. Estava vindo de Recife, com 13 para 14 anos, e já gostava de música, mas meio que num segundo plano. O meu lance até então era o esporte. A mudança para o Rio me fez perder o ciclo de amigos que já havia construído na capital pernambucana, entrar no colégio mais chato que já estudei na vida e enfrentar o crowd não muito amistoso dos surfistas cariocas. Enfim, desânimo total, o que me fez permanecer em casa por mais tempo do que eu desejava. O lado bom era ter a companhia da Fluminense FM.

E, realmente, foi um impacto me deparar com a programação da “Maldita”. Em Recife, quase não existiam programas de rock alternativo na rádio: que eu me lembre, só havia o de um cara chamado Carlinhos, que passava aos sábados. Na Fluminense, a programação era toda alternativa, sete dias por semana, 24 horas por dia. E, neste ponto, vale lembrar que estávamos nos anos 80: ou seja, se você não tivesse com o disco em suas mãos, simplesmente não conseguia ouvir a música que tanto queria. Além disso, o mercado brasileiro não comportava o lançamento de álbuns mais alternativos, de bandas como Violent Femmes ou Dream Syndicate, por exemplo. O negócio era realmente bem difícil.

A Fluminense FM surgia, então, como um oásis no meio desse deserto fonográfico. Você podia ligar o rádio a qualquer hora e se deparar com uma música dos conhecidos Siouxsie and the Banshees, Echo and the Bunnymen, Jesus and Mary Chain e The Cure ou até de bandas mais obscuras, como That Petrol Emotion, Fields of Nephilim, Lords of the New Church (do ex-Dead Boy Stiv Bators), Toy Dolls ou dos brasileiros Violeta de Outono, Replicantes e De Falla. Ainda tinha espaço para apostas como The Woodentops, Screaming Blue Messiahs, Sugar Cubes, Mighty Lemon Drops e Godfathers, por exemplo. Os clássicos, como The Who, Jimi Hendrix e Led Zeppelin, também não eram esquecidos. Ou seja, era uma programação bem balanceada, que unia artistas consagrados e recentes, estrangeiros e brasileiros.

Os programas eram atrações à parte: bem pensados e prontos para caber em uma fita cassete. Lembro até hoje de vários deles (alguns nomes eu esqueci):

10h às 11h - McTwist – O nome derivado de uma manobra de skate já dava a pista: o som era focado nas preferências dos skatistas, o que, na época, significava basicamente hardcore e hip hop. Entre as bandas que costumavam tocar, estavam: Agent Orange, Suicidal Tendencies, Minor Threat, Beastie Boys, Run DMC, Oingo Boingo e Hüsker Dü. Como batia com o meu horário de aula, eu só ouvia nas férias ou quando faltava ao colégio.

13h às 13h30 – Esqueci o nome desse programa. A idéia era simples, mas prática: meia hora tocando músicas de uma banda, sem intervalo. Ou seja, bastava comprar uma fita K-7 de 60 minutos e colocar para gravar. Gravei várias fitas assim: The Clash, The Church, Dead Kennedys, Lloyd Cole and the Commotions, os californianos do “X”, etc. Cheguei a gravar um especial do T-Rex, mas não entendi muito o som da banda à época e taquei algo por cima.

20h às 21h – Também esqueci o nome desse programa. A idéia aqui era abrir espaço para a programação feita pelos ouvintes. Obviamente, a qualidade dependia do gosto da pessoa que mandava a programação. Mas já ouvi muita coisa legal. Lembro que de ter ouvido pela primeira vez “Dança do Semáforo”, da Plebe Rude, e “Popularidade”, do Escola de Escândalo, em um desses programas.

22h às 24h (quartas-feiras) Novas Tendências – Apresentado pelo DJ José Roberto Mahr, trazia as novidades do mundo da música – uma espécie de Lúcio Ribeiro das ondas do rádio. Como passava num horário meio tardio para um colegial como eu, muitas vezes tinha que deixar a fita gravando. Foi lá que conheci Pixies, Wedding Present e Soup Dragons, por exemplo. Lembro de uma outra banda californiana chamada Tragic Mulatto, que nunca vingou.

No começo de 1989, vim morar em Brasília. Nas minhas visitas ao Rio, no período de férias, sempre reservei um espaço para ouvir a Fluminense FM. Ao longo dos anos, notei que, apesar do aparecimento de outros bons programas, como o College Radio (apresentado por Rodrigo Lariú) e Hellradio (apresentado por André X e Tom Leão), a rádio foi caminhando para um lado mais comercial, meio pop-surfístico demais.

Simbolicamente, no ano de 1994, o Maskavo Roots, banda a qual eu integrava, foi chamada para tocar num festival promovido pela Fluminense FM. O evento ocorreu na praia de Ipanema e contou com a participação de Ira, Plebe Rude, Little Quail, Pelvs, O Rappa, Fausto Fawcett, entre outros. Algum tempo mais tarde, a rádio fecharia suas portas - tentando retornar vez ou outra, mas sem muito sucesso.

Passados 20 anos daquele meu contato intenso com a “Maldita”, ainda me impressiono com o refinamento e conhecimento de causa presentes em sua programação, indo desde as músicas até as vinhetas. É aquele tipo de experiência que, por acontecer tão cedo na sua vida, você não dá muita bola, acha que vai encontrar mais daquilo muitas vezes.

Mas não foi exatamente o que aconteceu: os anos foram passando e, infelizmente, não me deparei com programações de tamanha qualidade. Talvez a resposta esteja até numa questão simples: a Fluminense FM, provavelmente, não tinha tanto compromisso com o lucro – “mal” que faz com que a MTV, por exemplo, seja obrigada a - ou tenha a justificativa de - exibir programas insuportáveis de adolescentes/auditório.

Hoje, os podcasts e os canais cada vez mais segmentados cumprem o papel de luz no fim do túnel para os amantes da boa música. Espero que esses adolescentes que começam a gostar de rock e sacam bastante de tecnologia consigam boas fontes que lhes sirvam como oráculo. A Fluminense, no caso, foi o meu oráculo, a minha Escola do Rock.

7 comentários:

  1. Boto fé. Entrementes, em Brasília havia um programa diário de uma hora e excepcionalmente com duas horas no sábado chamado new rock. A funcionalidade destes programas era absurda, pois não havia a facilidade de se ter alguns daqueles sons.
    A fluminense, por exemplo, chutava o balde. Verão de 87 e o Metallica acabou de lançar o Master of Puppets: Tocou no programa 'guitarras' de sábado a tarde ( se eu não me engano, uma da tarde, só metal e outras porradas ).
    Só fui conseguir encontrar e comprar o 'smell of female' do Cramps nos fins dos anos 90 . Na fluminense já rolava em 1986. Uma loucura para os fãs.

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  2. Fala, Marcelo (Zeca?),

    A música Master of Puppets tocava direto no McTwist. Acho que lembro do New Rock, logo que cheguei em Brasília. Se não me engano, já ouvi entrevista com uma banda chamada Electra lá.

    Abs.

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  3. fala pinduca. bem legal o texto, voltei no tempo. era a tarde inteira escutando a fluminense. interessante que precisaram inventar o dia do rock pra que se tocasse black sabbath novamente numa radio do rio de janeiro. juro que quando liguei o radio, no momento que tocava a musica, fiquei uns segundos sem entender o que tava acontecendo. logo depois veio a vinheta. 'programacao especial da oi fm por causa do dia do rock'. parece ate que fizeram um favor.

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  4. Fala, Bruno. Eu acho que todo mundo que morou ou ainda mora no Rio sente uma certa nostalgia em relação à Fluminense. O triste é essa sensação atual de que as coisas estão regredindo - pelo menos, em termo de rádios rock. Como disse no texto, acho que a internet (com seus podcasts e rádiowebs) é a esperança para preencher essa lacuna.

    abç.

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  5. A maldita era massa,... excelente rádio... conheci um pouco antes, tipo 84, tinha a sua idade.. hehehe... foi lá que conheci Dead kennedys.

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  6. fala pinduca! a manu levantou a bola e lá fui eu. li teu blog todinho... não sou nada etendida de música mas adorei. em especial, esse da fluminense, que me fez voltar no tempo e lembrar da 100.9 aqui em brasília. valeu! ciÇa.

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  7. Ed: Fala, Ed. Pois é, eu já conhecia um pouco Dead Kennedys antes de morar no Rio em 1988, mas me aprofundei mesmo no som dos californianos quando passei a escutar a Fluminense FM. Em 84 eu ouvia Blitz e Balão Mágico.

    Ciça: A Cultura FM era bem legal mesmo, principalmente em meados dos anos 90. A boa notícia é que, há cerca de dois anos, o Marcos Pinheiro voltou à rádio como diretor e tá dando (já deu, na verdade) uma reformulada na programação. O único problema atualmente da 100.9 é o sinal ruim.

    Abraços para os dois e obrigado pela visita (desculpem a demora na resposta).

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