terça-feira, 4 de agosto de 2009

Vem do clássico?


Quando comecei a tocar guitarra, uma discussão recorrente entre meu grupo de colegas de escola era se nossos ídolos tinham ou não uma formação musical erudita. Então, no meio de um debate sobre determinada banda, era comum surgir a velha pergunta: — Vem do clássico? Se a informação fosse positiva, o artista ganhava imediatamente moral entre a galera, virando um exemplo a ser seguido.

Essa credibilidade conferida aos que “vinham do clássico” tinha muito a ver com a própria moda da época, quando estavam em voga músicos virtuosos — ou punheteiros, na visão dos detratores — como os guitarristas Yngwie Malmsteen, Steve Vai e Joe Satriani. Além disso, servia para provar para nós mesmos que não estávamos seguindo o caminho de uma sub-música, o “limitado” rock, como apostava a maioria de nossos pais.

Bom, mas o fato é que essa formação erudita povoava as nossas mentes e nos incentivava a nos tornarmos instrumentistas cada vez mais técnicos. No meio das conversas, era comum surgirem lendas, como a de que Steve Vai, quando começou, almoçava tocando guitarra ou que Neil Peart, baterista do Rush, segurava uma moeda na parede somente com o rufar de suas baquetas. Isso sem falar na vídeoaula — essa, real — em que o guitarrista Paul Gilbert, do Mr. Big, acoplava a sua palheta a uma furadeira, para mostrar o quão rápidos eram os seus dedos. Sim, a concorrência era duríssima e teríamos que ralar muito para chegar lá.

Hoje, olhando para trás, sei que 90% dessa conversa era puro produto da adolescência. No entanto, por incrível que pareça, a questão relativa à educação musical dos artistas ainda tem sua relevância. Até porque, mesmo que não defina exatamente a qualidade de suas obras, delimita parte do caminho seguido por esses músicos.

Talvez para quem não toque um instrumento seja mais difícil de perceber, mas, para quem é músico, dá para ver quando o cara tem formação clássica: a sua música, de alguma forma, parece melhor conectada, com progressões que “denunciam” sua origem. É como o escritor que sabe bem as regras gramaticais de sua língua: a pontuação aparece no lugar certo, o texto é limpo e sem redundâncias.

Antes que me acusem de tradicionalista, vale ressaltar novamente que essa erudição não é, de forma alguma, sinônimo de qualidade, a qual tem mais a ver com talento e dedicação. Mas, por exemplo, peguemos a banda mais famosa da história, os Beatles: dá para notar que Paul McCartney tem uma formação musical mais refinada que John Lennon, o que faz com que suas músicas sejam, em geral, mais assobiáveis, mais orquestráveis até. A força de Lennon está claramente nas palavras, embora também fosse um ótimo e sensível melodista.

Outros exemplos de roqueiros que vêm do clássico: Brian Wilson, Billy Joel, Rufus Wainwright, Elton John, Freddie Mercury, Matthew Bellamy (do Muse). Eu chutaria que os noruegueses do A-ha e os suecos do Cardigans e do ABBA também têm um pé no clássico, pelo jeito como constroem suas músicas e pela própria tradição nórdica de música erudita. Seria óbvio eu falar dos grupos progressivos e de alguns segmentos de heavy metal melódico também, mas aí a coisa está muito evidente, pois a herança clássica faz parte do próprio discurso desses estilos. O interessante, na minha visão, é notar como essa influência erudita aparece de forma sutil — e, portanto, sem tantas firulas — em canções pop.

Sutileza, aliás, é a palavra-chave para se notar que, às vezes, o refinamento não está numa canção pretensamente rebuscada e cheia de acordes do Ed Motta (um falso erudito, com formação “das ruas”), mas numa base simples ou num solo de guitarra do Olga, do Toy Dolls (esse sim, um cara de formação clássica, camuflado de punk).

16 comentários:

  1. Ótimo post! Me deu idéias para algo precido que com certeza farei no sete doses.
    Bem, odeio virtuosos... do fundo do meu coração. Aqui em SP, essa turma (leia-se, por exemplo, Dr. Sin, Angra) se acha a última bolacha do pacote. São uns coitados. Lembro-me muito bem de um amigo guitarrista virtuoso que me falou mal de Dado Villa Lobos, dizendo ser um guitarrista medíocre. Mas disse a esse amigo que ele era medíocre, mas bem sucedido. Medíocre, mas que criou um estilo absolutamente próprio. Medíocre, mas que naprimeira nota qualquer um reconhecia seu estilo. Ao contrário desses outros todos que estudam, tem super ultra mega técnica, mas se esquecem de colocar o coração e o tesão nas notas. Virtuosos são todos iguais por usarem as mesmas técnicas. Joe Satriani, Vai, Nuno, os irmãos Busik, Kiko Loureiro e outros tantos não tem identidade / personalidade. Mick Jones tem, Andy Partridge (XTC) tem, Andrew Gill tem (Gang Of Four), Hillel Slovak tem (ex-Chili Peppers). Enfim, música é o que vem da alma e não da técnica...

    ResponderExcluir
  2. Putz, Paulo. Tinha escrito uma resposta grande, mas o computador não salvou. Deixa eu tentar reproduzi-la: também acho que essa galera virtuose costuma ter uma visão bastante limitada de música, confundindo qualidade com quantidade (de notas). Mas, no texto, tento mostrar que a técnica tem um lado bom, também: afinal, se usada para o bem, te faz chegar mais rápido a algumas respostas.
    Neste ponto, sou até meio crítico a algumas bandas indies novas, que se preocupam somente com o style - e deixam a técnica musical muito de lado.
    De qualquer forma, o importante, na minha visão, é haver um equilíbrio entre o feeling e a técnica, com a técnica servindo de apoio para o feeling (e não o contrário, como fazem os punheteiros).
    O meu ponto, no texto, é mostrar como essa influência clássica aparece de forma sutil em canções pop aparentemente comuns.
    Valeu a visita.

    abr.

    ResponderExcluir
  3. Caras, vou parar um pouco de estudar para comentar algumas coisas deste post.Duas coisas que mais precisamente mudaram um pouco a minha preocupação com virtuosismo.
    1 - o Dave Lee Roth lançou um disco, a muito tempo atrás, que tinha uma lina de frente animal: Caras, Blilly Shehan no baixo junto com o Steve Vai. Mostrei para um amigo uma faixa - Elephant gun - em que rolava um solo absurdo de baixo. E ele teve a coragem de dizer que aquilo não o agradava! Imagine. Comecei a pensar no argumento dele. Bom pracaralho. Ultratécnico. Mas simplesmente não o agradava simplesmente pelo fato dos músicos serem bons.
    O segundo ponto, foi o advento do Sonic Youth ( na verdade todo mundo que aprendeu a impôr o seu estilo na forma de tocar, independente de aspectos meramente técnicos: O Sonic é só um marco para mim no meu caso ) .
    Quando ouvi o conpacto Halloween - 1987 acho- fiquei mais tranquilo quanto aos virtuosismos e junto com tudo o que eu ouvia e gostava, acabei decidindo correr atrás do meu estilo, minha forma de tocar.
    Já observaram que algumas bandas, quando vc tira uma música, meio que 'pega a mão ' de tirar todas as outras daquela mesma banda? Isto é simplicidade? Sim. E também eu chamo isto de estilo. É o que faz o baixo do DK ter um timbre bastante semelhante e as sequências de notas e escalas serem parecidas a ponto de você colocar algo do gênenro em suas próprias composições , um ouvinte atento vai dizer, Ih isto é DK.
    Estilo. É aquilo que faz a diferença e quem ouve SABE que é você que está tocando. Basta vc reparar que muita gente toca funk; mas um boosty collins é único, um Flea é único. E é isto que eu tento fazer quando toco - isto não é uma propaganda pessoal! Mas é um dos meus motores para continuar a tocar.
    Desculpe uma resposta tão grande Pinduca, mas vc mexeu com os brios de muita gente... Vc acredita que até hoje eu tento tocar as músicas do Rush? Isto são traumas da adolescência... hahahahahaha! Um abraço .

    ResponderExcluir
  4. Belo texto, Pinduca. Como sempre, equilibrado e bem fundamentado. Me lembro da época que o The Edge ganhava as eleições de guitarristas na Guitar Player e muita gente não só torcia o nariz como ficava sem entender mesmo como um "mão dura" daquele podia bater no Satriani e no Vai. Velhas e boas discussões do tempo de escola...

    Gostaria de discordar do Paulo sobre o Dado Villa-Lobos. Legião era uma grande banda, mas não concordo que o Dado tinha um estilo absolutamente próprio. Ele forjou o som de sua guitarra em cima de bandas como Comsat Angels, Gang of Four e mesmo U2. Som este que caiu com perfeição ao estilo da Legião, é verdade. Mas isso não fazia dele o criador de um estilo, de uma escola. E sim um seguidor, um aluno, que tem seus acertos e deméritos.

    ResponderExcluir
  5. Sim. Compreendi seu post Pinduca, e comcordo com ele. Essa coisa de rock com clássico é sobra do rock progressivo setentista, quando o rock virou uma coisa erudita, complicado e burocratico.
    Quanto ao Dado, não quis dizer que ele fez escola, mas sim que, pelo fato dele não saber tocar, teve que se virar e assim descobriu atalhos, barulhinhos e timbres que ajudaram a definir a sonoridade que ele usava. Se você escutar tudo que acontecia nos 80 verá que de fato, assim como a guitarra de Scandurra, Dado trouxe algo diferente que acabou ajudando numa sonoridade diferenciada.
    Aqui no caso quis mostrar que a vontade de tocar superou a técnica e que, com criatividade, se consegue algo diferente.

    ResponderExcluir
  6. Concordo com você nesse caso. Às vezes as próprias limitações podem ser usadas como um diferencial. Acho que foi o caso dele, sob certo aspecto.

    ResponderExcluir
  7. Galera (Zeca, Paulo e Fernando),

    A minha maior intenção com o texto é revelar um traço comum aos músicos que tiveram uma formação erudita, tenham eles optado ou não pelo caminho virtuoso.
    E, neste aspecto, o que quero dizer é que o Paul McCartney, o Billy Joel e o Olga do Toy Dolls desenvolveram uma "pegada" diferente do John Lennon e do Jimi Hendrix - só para citar artistas que eu gosto - por causa de uma educação musical mais formal.
    O fato de eu ter citado Steve Vai & Cia talvez tenha levado os leitores do post a crer que a minha intenção era promover uma espécie de embate entre virtuosos e não virtuosos, mas não era muito isso o que eu queria.
    De qualquer forma, como o Zeca disse, esse papo de virtuosismo acaba mexendo com os brios de quem é músico - principalmente, os que viveram aquele auge da punhetagem.
    Obrigado pela visita e pelos comentários.

    abraços.

    ResponderExcluir
  8. Foi mal, Pinduca. Meus comentários foram apenas em cima dos comentários e não do texto em si. Mas saquei as nuances do seu texto, sim!

    Prometo comentários pertinentes ao que foi escrito daqui para frente!

    Abraço.

    ResponderExcluir
  9. O que é isso, Fernando. Não precisa pedir desculpas por nada. Eu até achei bem pertinente a discussão sobre o Dado Villa-Lobos. Acho que é aquilo mesmo que você falou - e o Paulo concordou (e complementou) depois.

    Abç.

    ResponderExcluir
  10. e ae, pinduca!

    é engraçado como uma boa parte das grandes duplas musicais, tipo lennon/mccartney, se complementam exatamente pelos diferentes caminhos de formação musical. se vc pegar, o John lennon não tinha músicos na família (apesar da mãe tocar banjo, não teve muito tempo para ensinar ao filho), enquanto o Paul recebeu certa educação de berço. O cara que não tem músicos na família (categoria em que me incluo) nem sempre se dá bem com a ortodoxia, pois às vezes falta estímulo ao estudo mais rigoroso da teoria e técnica.

    agora... seria o Paul, com toda sua genialidade e formação artística, capaz de conceber uma melodia tão densa e vibrante como strawberry fields? ou mesmo because, que talvez seja a mais "erudita"das músicas dos beatles? sei não...

    você ouviu essa música nova do Paul,"sing the changes"? tem menos acordes que ramones, e não é muito assobiável... na verdade, achei uma merda. ando de mal com ele.

    abraço!

    ps: eu sempre fui mais fã do lennon

    ResponderExcluir
  11. Fala, Miguel. Muito interessante a sua colocação. Minha formação musicais é bem tosca, também de família de não músicos. Talvez seja por isso que eu admiro os "músicos de verdade".
    Como sempre fui mais fã de George Harrison, acho que consigo equilibrar esse duelo Lennon vs. McCartney. É sempre difícil falar que um é melhor do que outro em certo aspecto, até porque estamos tratando de dois gênios da pop music. A pior melodia do John Lennon é foda, assim como o Paul tinha também ótimas letras.
    Aliás, não ouvi a música nova dele. Tô super desatualizado.

    abraços e valeu pela visita

    PS: E o disco, já gravou?

    ResponderExcluir
  12. gravado! bem legal o estúdio dos dreher, rolou de gravar ao vivo, o que sempre foi um desejo grande da nossa parte... agora tá na mix, tendo algo mais acabado eu te mostro!

    abs

    ResponderExcluir
  13. falou e disse, Carlove. como vc sabe, eu sempre gostei dessa discussão.

    vejo que muitos ainda torcem o nariz para qualquer coisa que se relacione vagamente com virtuosismo. para alguns baixistas, um Dee Dee Ramone vale ouro, e um Geddy Lee, tem o preço calculado em bosta. e isso tá errado! o homem que contava o tempo nos Ramones é um artista fora de série (mesmo sem saber disso), mas como músico, ele é quase um mendigo.

    por isso eu sempre me chateio quando alguém fala mal do Stevie Vai pelo simples fato de ele conseguir tocar mil notas por segundo. porra, tava ouvindo o primeiro disco dele e fiquei com a cara no chão. não sabia nem onde tava 1 do compasso. uma coisa muito bem sacada, ligada ainda no Zappa e cheia de integridade artística. e isso é uma coisa que deveria motivar qualquer um que queira levar a música a sério, de buscar sempre entender qualquer tipo de música - seja ela um forró, uma sonata ou hardcore.

    eu acho que os músicos, sejam eles de onde forem, não podem se dar ao luxo de ouvir uma peça musical sem entender o que está acontecendo lá. se não entendeu, abaixe as orelhas e corra atrás do prejuízo.
    só assim é que um "gosto" ou "não gosto" passa a valer alguma coisa.

    por exemplo, caras do jazz que eu admiro, como Miles Davis, Max Roach ou Tony Williams, eram todos virtuosos escrotos e muito ligados no erudito. eram do tipo que sacaneavam quem não dava conta de tocar uma música. mas, mesmo assim, respeitavam o valor de canções "simples" como as feitas por Otis Redding e Lennon/McCartney.

    mais engraçado ainda é perceber que para muitos roqueiros de hj, tocar bem um instrumento vale tanto quanto as roupas ou o discurso da banda. se a preocupação, nesse caso, for com a arte (e aí a coisa entra num enigma, dentro de uma charada, envolto num mistério) tudo em cima. mas se o assunto é qualidade técnica (técnica, isso mesmo!) do músico, é preciso muito estudo (seja com quem for) e dedicação (seja como for).

    só um adendo ao que escreveu o Paulo Marchetti (que é gente fina e sabe do que tá falando:)): junto com a Plebe, tive a oportunidade de tocar com o Dado e com o Bonfá em seus projetos paralelos e percebi que os dois têm as mesmas limitações musicais (e não artísticas, que isso fique claro) dos tempos de Legião Urbana. como é que isso se explica? como é que uma pessoa que toca profissionalmente há quase trinta anos não tenha apresentado nenhuma melhoria técnica em relação aos tempos de garagem? a única explicação que me vem à cabeça é que eles nunca foram músicos. sempre foram artistas. e isso não é melhor nem pior - apenas uma onda diferente.

    desculpe o post imenso, Marlos :)))

    ResponderExcluir
  14. Pra jogar mais lenha na fogueira: Vocês sabiam que o Steve Vai é o guitarrista de estúdio do PIL no ALBUM?
    É mole? Onde é que ficam as nossas caixinhas de classificação 'virtuoso' ou não?

    ResponderExcluir
  15. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  16. Meu comentário anterior estava cheio de erros de português. Aqui vai, reescrito:

    Zeca: Tô ligado que o Steve Vai tocou com o PIL no ALBUM. Se não me engano, o baterista deste mesmo disco é o Ginger Baker, do Cream, outro fodasso. Mas é como o Txotxa disse no comentário acima do seu: o Steve Vai está longe de ser um idiota. Pelo contrário, é um cara com uma visão musical madura, que começou chamando a atenção do próprio Frank Zappa quando transcreveu todas as músicas do mestre para partitura (acho que é essa a história).

    Txotxa: Muito boa a sua colocação. É isso mesmo. As pessoas tendem a atacar tanto os eventuais deslizes dos virtuosos, que não enxergam os seus inegáveis valores. E, por outro lado, a galera que se preocupa com estilo, moda e discurso tem que se ligar mais um pouco (ou muito) na música em si.

    Quanto ao Dado e o Bonfá, tendo a achar que são caras que tiveram uma certa sorte de estarem ao lado de um grande talento. Não os conheço pessoalmente, mas tenho a impressão que, se o Renato Russo não tivesse surgido na vida deles, hoje poderiam ser diplomatas ou designers gráficos, felizes da vida. Só que a música é um negócio, literalmente, que deu certo na vida deles e eles foram seguindo nisso, como se estivessem em qualquer outro emprego. Sei lá, posso estar sendo injusto, mas é essa a minha impressão.

    abraços

    ResponderExcluir