quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Copiar é uma onda errada?














O texto abaixo foi publicado no site Senhor F em 2006. Na época, utilizei o codinome Marcos Silva Occhilupo, em homenagem ao campeão mundial de surfe Mark Occhilupo. Acredito que algumas das questões tratadas ainda sejam pertinentes dentro do nosso cenário musical:

Copiar é uma onda errada?

Poucas experiências são tão devastadoras psicologicamente quanto a insônia. Aquele despertar indesejado no meio da noite costuma se associar aos piores pensamentos sobre a vida: problemas no emprego, desastres envolvendo familiares, questões de relacionamento, tudo emerge com tamanha dramaticidade e pessimismo, a ponto de deixar um autor de novela das oito com inveja. Por outro lado, essa mesma melancolia noturna, em casos raros, parece jogar a nosso favor: trocando a nossa habitual insegurança pela assertividade, tornando-nos cruéis e intolerantes na medida certa.

Ontem, durante mais uma dessas noites em claro, me deparei com essa rara falta de sono "do bem". E, então, um tema que andava meio nebuloso em minha mente finalmente tomou forma: "Até que ponto uma banda que copia outra pode ser considerada boa?". Como cheguei a esse tema? Assistindo na MTV a clipes de algumas bandas brasileiras que — perdoem-me o termo — I-M-I-T-A-M o estilo de grupos estrangeiros "da moda".

Neste momento, os leitores de cadernos de cultura e sites sobre música já devem estar pensando: mas a semelhança entre 'criadores' estrangeiros e 'criaturas' brasileiras já foi revelada em diversas publicações. Trata-se de um assunto até desgastado. Sim, não nego. De qualquer forma, o meu interesse não é bater na mesma tecla que outros colegas de profissão. Peço a esses mesmos leitores que tenham paciência e cheguem ao final deste texto, pois acredito que o meu viés seja outro.

Comecemos, portanto, pela a diferença entre "influência" e "imitação". Influência, segundo o dicionário Houaiss, é o "poder de produzir um efeito sobre os seres ou sobre as coisas, sem aparente uso da força ou de autoritarismo". Ou seja, seria uma espécie de inspiração, que levaria o artista a produzir seu próprio trabalho. Neste ponto, é mais que normal que todos tenham as suas influências - as quais, no final das contas, acabam virando uma espécie de referência neste contato inicial de uma banda com o público e imprensa. Já imitação, ainda de acordo com o 'pai dos burros', é a "reprodução, o mais exato possível, de algo; imagem". Por uma determinada ótica, haveria algo de maquiavélico em se imitar alguém.

Seria fácil, dessa forma, detratar tais bandas imitadoras, caso não houvesse um porém: muitas são talentosas. Ou seja, os instrumentistas tocam bem, os vocalistas têm timbres legais, são afinados e as músicas são bem estruturadas, com melodias e letras interessantes.

E isso nos faz voltar à questão: se eles praticamente "xerocam" o estilo de outra banda, mesmo que sejam talentosos, eles podem ser considerados bons? A resposta para esta pergunta parece difícil, até mesmo porque a própria história do rock - e da arte, em geral - é tortuosa. Não são raros os casos de grupos que, tentando copiar outros artistas, acabaram desenvolvendo a sua própria identidade. Um bom exemplo disso é o New York Dolls, que num primeiro momento, era apenas uma reprodução mal feita dos Rolling Stones. Essa despretenciosa "tosqueira" acabou virando a grande marca do grupo norte-americano, conhecido como um dos pais do movimento punk. As próprias bandas de garagem dos anos 60, presentes na seminal coletânea Nuggets, em geral, nada mais eram do que tentativas de cópias dos Beatles. Nos anos 90, o Rancid era uma espécie de The Clash "turbinado". Ora, exemplos de emulações que acabaram descobrindo sua identidade não vão faltar na história do rock.

Por outro lado, sempre existiram os pastiches também. Ou seja, aqueles grupos sem conteúdo, que, tentando embarcar em uma nova onda, acabavam por "chupar" roupas, trejeitos e timbres dos artistas da moda. O Brasil é cheio desses exemplos, pois costuma "comprar" com atraso as últimas tendências internacionais. Como já disse, isso não é novidade e já foi debatido à exaustão. De qualquer forma, mesmo sendo um clichê, ao me deparar com bandas como as que assisti na MTV, foi inevitável surgir a pergunta:— Poxa, será que isso é apenas uma importação atrasada de uma onda estrangeira?

Tenho uma mania terrível de tentar "calcular o abstrato". Na verdade, é uma espécie de autodefesa diante da possibilidade de ser enganado por temas demasiadamente "esotéricos". Costumo, por exemplo, ir ao terapeuta de florais e cobrar resultados práticos depois de um algum tempo de tratamento. Acredito que essa seja minha única arma diante de um possível charlatanismo. De certa forma, incluo a crítica musical dentro dessas temáticas altamente abstratas. Não consigo confiar tanto na relatividade das opiniões jornalísticas e procuro uma espécie de verdade absoluta dos fatos, só para dar uma equilibrada na história da subjetividade.

Diante da questão relativa à "qualidade da cópia", acabei buscando meu pragmatismo numa analogia maluca entre surf e música. Deixem-me explicá-la. Na época em que eu pegava onda (sim, já fui um atleta), o critério para julgamento de um surfista em uma competição era mais ou menos o seguinte: cada surfista podia pegar dez ondas, mas só as três melhores eram computadas. Caso o atleta invadisse a onda de outro, cometeria uma interferência, o que acarretaria no descarte de uma das ondas do "invasor" — só ficando, portanto, com o direito de somar duas notas em sua pontuação final. Neste caso, por melhor que fosse o surfista, seria muito difícil ganhar dos adversários, pois ele ficaria numa posição extremamente desvantajosa.

Foi por meio dessa transposição das regras do surf para a música que cheguei a uma resposta para a pergunta colocada no início do texto, sobre a possível qualidade de uma banda imitadora: para mim, o artista que se propõe a copiar o outro comete uma espécie de interferência e perde uma importante nota para ganhar a "disputa" pela qualidade autoral. Por mais talentoso que seja, ele acaba ficando numa terrível desvantagem perante seus colegas. E aí, na competição por um lugar no sol, essas bandas que não correm atrás do seu próprio estilo acabam entrando numa onda errada.

7 comentários:

  1. Cara, a imprensa é foda. Me lembro quando apareceu o Mop Top e foi dito na mídia algo do tipo, 'esta banda não é uma imitação. Somente está em sitonia com as novas tendências'. Eu penso que é meio conveniente este argumento. E se eu, beirando os 40 fizesse um som tipo Strokes? Possivelmente algum setor da mídia me acusaria de plágio e de tentar entrar na nova onda. E se eu fizesse um som 80's? Seria um velho, parado no tempo. Um cara de 20 anos, imitando aquela época, seria elogiado como um revisionista, retomando as influências da década de 80, especialmente se ele é brasileiro... Cruel, cara.
    Voltando a imitação, eu não a percebo tão descaranda nos grupos gringos, mas bastante em alguns grupos brasileiros. Ouso afirmar que nos é idiossincrático até. E curioso que esta prática persiste em uma época em o hiato entre o lançamento lá fora é quase simultâneo ao nosso país. ( não conheço outros países do naipe do Brasil; não sei se esta imitação ocorre por lá também).
    Aí, eis que de repente, algumas bandas nossas decolam para cenários fora daqui. Esta imitação pura e simples é válida? Alguma vez o foi? Curioso é o caso de Raul Seixas, dos Mutantes, Chico Science, Vyziadoc Moe, Sepultura e tantos outros que correram atrás de algo parecido com o que rolava lá fora, mas por diversos motivos ficou com cara de Brasil.

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  2. Pois é, Zeca. Resolvi colocar a foto do Moptop no post porque acredito que a banda simboliza bem o que quis dizer no texto: ela “copiava” Strokes no 1º disco (agora, tá mais para Snow Patrol), mas, paradoxalmente, tem potencial - ou seja, um bom compositor, vocalista e instrumentistas e composições bem estruturadas. Então, no que essa falta de originalidade a torna pior?

    Sepultura é um bom exemplo do outro lado dessa questão: uma banda que surgiu fazendo um trash metal "tradicional", mas que foi achando sua marca pessoal ao longo da carreira (Chaos AD e Roots, principalmente). De qualquer forma, acho que, mesmo num Beneath The Remains ou Morbid Vision da vida, eles nunca foram imediatamente associados a outra banda - pelo contrário, sempre tiveram a sua própria pegada reconhecida.

    Também não conheço a realidade de outros países do nosso porte. Então, não sei se esse problema é só brasileiro. Acredito que não. Você vê: mesmo nos Estados Unidos, surgiram tantas bandas “xerox” de Pearl Jam nos anos 90. Talvez a imitação seja um “mal” do ser humano.

    Sobre o lance de os críticos não enxergarem a “imitação” do Moptop (e de outras bandas): isso, às vezes, é um problema mais complexo do que imaginamos numa primeira análise. O que eu acho é que, às vezes, a mídia enxerga o que quer e, neste ponto, a amizade entre membros de banda e jornalistas “polui” um pouco as relações que eram para ser mais, digamos, profissionais.

    Abraço

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  3. Pensando melhor, a minha resposta ao seu post não se referia as bandas, mas na prática, referia-se as conveniênicias - as chamo assim - da imprensa especializada. Cá entre nós, seja Mop Top ou o que for, como alguém pode afirmar com certeza que uma banda está 'antenada ' com o que ocorre fora do país? É um despropósito conceitual.
    Mas que é irritante, sim isto é. As vezes você trabalha atrás de uma hipotética originalidade ( tipo, o primeiro do Artic Monkees que eles JURAM que tentaram não parecer com nada ) e vem logo alguém de um setor ' especializado ' da imprensa ( digo entre aspas, pois QUEM ou o QUÊ DETERMINA QUE UM JORNALISTA x OU y É ESPECIALISTA EM MÚSICA x ou y ...)determinando que o seu som está alinhado com esta ou aquela tendência.
    Clássica aposta da imprensa: 'Te cuida Madonna, Patsy vem aí' !
    Sim, é uma referência de velhos para velhos só para lembrar como que os meios de comunicação não tem bolas de cristal para ver futuros e nem determinar tendências.
    Exisitem casos em que realmente rola uma sintonia com que está rolando fora do país: Cara, ja conversei com algumas pessoas da década de 70 e elas falaram que quando começaram a chegar coisas da Inglaterra , eles já faziam algo semelhante aqui e com as mesmas influências musicais; ou mesmo o caso do Sunburst (lembra?) que era MUITO HüskerDü, mas simplesmente nunca tinham ouvido o tal do som. Isto era cópia?
    Mas eu, pessoalmente, não acredito em cópias pura e simpes. Sempre tem um aspecto bem pessoal nas cópias. Acredito que vc saiba, que eu sou fã incondicional dos Sisters of Mercy. Já ouviu algum de seus imitadores? Vê aí: Garden of deligth; the wake; ou a melhor de todas Merry toughts. Num primeiro momento, são idênticas ao Sisters; depois mostram suas diferenças e tal.

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  4. Fala, Zeca.

    Também acredito nesta sintonia entre bandas de países diferentes, em determinado período. Realmente, é mais comum do que imaginamos esse lance de bandas (e músicas) se parecerem, mesmo sem nunca terem se ouvido.

    Não conheço essas bandas "imitadoras" de Sister of Mercy". Achava, nos anos 80, "Fields of Nephlim" bem parecido com o Sisters. Também rolam umas bandas atuais bem parecidas com Joy Division, tipo Interpol e She Wants Revenge.
    É difícil precisar o quanto cada banda trás de influência ou imitação de sua referência. A gente acaba se norteando pelo feeling e pelo número de referências copiadas.

    Quanto às apostas da imprensa, elas realmente são bastante questionáveis, muitas vezes ligadas à criação de um factóide, na minha opinião.

    abç.

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  5. fala pinduca,
    na minha humilde e e quase ignorante opinião,vou puxar para a única banda citada ( fora beatles) que curto e conheço razoavelmente bem ( strokes) e vou palpitar sobre o moptop( na verdade, eu poderia falar sobre the pro, que tem um som semelhante ao do moptop). eu acho , como você, que a banda tem qualidade, mas acho que poderiam ter escolhido um caminho menos ´´strokes``. sou fã da banda nova iorquina,como você sabe, mas se eu quiser escutar strokes, eu boto um cd do strokes e não um do moptop(é óbvio, mas é que cabe). mas ainda assim, acho que eles são uma boa novidade na cena musical. já que o mercado escolhe sempre coisas que já tem um mercado aberto lá fora, pelo menos agora a banda da vez é uma banda que faz um rock decente e de qualidade( uma alternativa aos ´´NXszeros`` que dominam as rádios).E acho que o moptop ainda abriu espaços para bandas como o the pro. acho que você pode dizer se isso é verdade ou não, mais que eu.
    quero comentar um trecho que eu achei massa:
    ´´Tenho uma mania terrível de tentar "calcular o abstrato". Na verdade, é uma espécie de autodefesa diante da possibilidade de ser enganado por temas demasiadamente "esotéricos". Costumo, por exemplo, ir ao terapeuta de florais e cobrar resultados práticos depois de um algum tempo de tratamento. Acredito que essa seja minha única arma diante de um possível charlatanismo. De certa forma, incluo a crítica musical dentro dessas temáticas altamente abstratas. Não consigo confiar tanto na relatividade das opiniões jornalísticas e procuro uma espécie de verdade absoluta dos fatos, só para dar uma equilibrada na história da subjetividade.``
    mandou bem de ter colocado isso no texto. além de dar credibilidade ao que você escreveu, dá um toque pessoal à coisa. acho legal sair da impessoalidade.
    parabéns
    abraço

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  6. só pra dar a referência, esse é o myspace do the pro, com EP recém gravado.
    http://www.myspace.com/bandathepro

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  7. Fala, Goma.

    Eu acho que só ouvi uma música do The Pro até hoje, na Rádio Cultura. Já me disseram que parece bastante com o Strokes, ao mesmo tempo que falam que os caras são competentes. Vou escutar com calma e depois te passo a minha opinião.

    Valeu pela leitura do blog. Realmente, eu tento dar uma mesclada entre ser pessoal e impessoal. Nem sempre consigo ser equilibrado. Mas, bem, vou tentando aqui do meu lado.

    Abraço

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