segunda-feira, 1 de março de 2010

Faça o que eles dizem (não faça o que eles faziam)














O rock’n’roll — e a música Pop, em geral — é um gênero artístico em que a mensagem e atitude possuem quase tanta relevância quanto a própria música. Desde o seu início, em meados dos anos 50, quando Elvis Presley chacoalhava o quadril para encantar as jovens e escandalizar os mais velhos, a imagem dos ídolos tem sido cuidadosamente construída, de modo a dar um formato atraente ao produto à venda nas prateleiras das lojas de discos.

Além do apuro estético e da qualidade autoral, é importante que a imagem case com as próprias mensagens proferidas pelos artistas: o cabelo desgrenhado e os óculos escuros do folk Bob Dylan, nos anos 60, caem como uma luva nas canções que pregam a busca por uma liberdade inspirada nos beatniks, assim como as jaquetas pretas de couro alfinetadas e os cabelos espetados dos punks combinam com a agressividade da mensagem pessimista de ‘No Future’ vomitada pelos Sex Pistols no final dos anos 70.

No entanto, nem sempre a imagem que os músicos tentam passar corresponde a sua personalidade. E, nesse caso, se sua atitude dentro dos palcos é quase calculada, fora deles os ídolos costumam se trair, revelando realmente quem são.

Talvez o caso mais famoso de músico com uma imagem meio deturpada seja John Lennon. Mais conhecido por suas mensagens pacifistas, presente em músicas como All We Need is Love e Imagine, Lennon era, na verdade, um sujeito contraditório e meio agressivo, que não hesitava em confrontar quem o ameaçasse. Na famosa entrevista concedida à revista Rolling Stone, em dezembro de 1970, o ex-Beatle — acompanhado da esposa xarope Yoko Ono — atira sua metralhadora verbal para tudo que é lado, criticando a personalidade controladora de Paul McCartney e minimizando o talento de George Harrison, entre farpas a outras personalidades.

O ex-Beatle George Harrison, bastante chegado a filosofias orientais, é outro cujas mensagens presentes nas músicas parecem não corresponder exatamente às suas ações. Se no campo fonográfico, o ex-guitarrista dos Fab Four pregava o desapego material e a busca espiritual - presentes nos discos All Things Must Pass (1970) e Living in the Material World (1973) e nas músicas My Sweet Lord e Give me Love (Give Me Peace on Earth), por exemplo - na vida particular, Harrison era um cara ligado em automobilismo e grana, o que o levou até a escrever a música Taxman (cobrador de impostos, em inglês) em protesto à alta porcentagem de impostos que julgava pagar aos cofres britânicos.

Os artistas de reggae – como Bob Marley, Peter Tosh, Jimmy Cliff e Desmond Dekker - também costumam ser muito associados à luta pela paz e pela justiça. Entretanto, suas biografias revelam uma marginalidade de fazer inveja a qualquer bandido do filme Tropa de Elite. No início da carreira, Bob Marley e seus amigos rude boys — como eram conhecidos os delinqüentes juvenis jamaicanos — simplesmente ameaçavam fisicamente os programadores de rádio que ousavam não tocar suas músicas. Ou seja, uma atitude nada pacifista e rasta, como querem acreditar seus fãs.

Bob Dylan é outro artista contraditório. Se a sua imagem e as letras de suas músicas o fazem parecer o cara mais cool e engajado em causas nobres do Planeta, uma biografia não autorizada do cantor folk chegou a acusá-lo de se aproveitar do namoro com a cantora Joan Baez para alavancar sua iniciante carreira. E o que dizer dos punks? Se, por um lado, criticavam o estabilishment, por outro, o líder do The Clash, Joe Strummer, era um cara preocupado em se tornar famoso e Johnny Rotten, vocalista dos Sex Pistols, já declarou que só estava na música pela grana.

Caminhando rumo à música popular brasileira, também encontramos mensagens que não correspondem muito ao modo de vida dos seus compositores. O caso mais clássico talvez seja o da música Eu Sei que Vou te Amar, de Tom Jobim, com letra escrita por Vinícius de Moraes, que prega um amor “por toda a vida”. Ora, como se sabe, Vinícius era um poeta boêmio e apreciador de uísque, que se casou “apenas” nove vezes. Neste ponto, fica a pergunta: - qual das nove esposas Vinícius teria amado durante toda a vida dele? Outro exemplo notório é o de Chico Buarque, autor de diversas juras de amor que parecem não ser exatamente fiéis ao seu estilo pegador de ser.

Mais do que contradições, o que essas histórias revelam é que a análise da obra nem sempre traz uma radiografia correta da personalidade do artista. E aí fica a pergunta: quando os fãs usam as imagens de John Lennon ou de Bob Marley para pregar a paz, será que as estão utilizando de forma correta e consciente? Ou estariam apenas caindo numa espécie de ilusão criada por eles mesmos, com uma mãozinha da indústria fonográfica?

11 comentários:

  1. Pinduc's, mto bom post... mas devo atentar a um detalhe. Em defesa do Vinícius, ele sempre falou que amor era algo eterno enquanto durava, visto que é chama. Acho que ele foi coerente até demais! :)

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  2. Nosssa, Carlinhos! Você literalmente desmitificou todos os mitos, hein!? Historinhas interessantes; bom saber!!!!!

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  3. linduca, eu prefiro fazer o q eles fizeram e deixar de lado o q eles disseram.
    veja, por exemplo, o vinícius. quantas mulheres o cara teve? e o q dizer dos babacas q não tocam minhas músicas nas rádios aqui do pará? eu só não faço o meismo q bob fez porque não tenho quem me apoie. se eu tivesse, eles iam ver. no mais, meu velho, quem vive na pindaíba como eu, sabe o valor q a grana tem.
    pin, acho q c tinha q escrever sobre o preconceito. o preconceito nas letras das músicas, por exemplo. desde o teu cabelo não nega, passando por pobre paulista até loura burra. algo tipo não cante os q eles cantaram.

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  4. Zurur: É verdade. O Soneto da Fidelidade até limpa um pouco a barra de Vinícius, mas ainda acho um contradição o fato de "o poetinha" ser o autor de "Eu Sei que Vou te Amar". De qualquer forma, acho que uma versão mais compatível com os últimos versos do Soneto da (In)Fidelidade seria mais ou menos assim: Que não seja imortal, posto que é faísca, mas que seja eterno enquanto eu não vou atrás de outro rabo de saia (rs).

    Leocádia: Valeu. Na verdade, acho que a própria vida levada por esses ídolos ajudou nessa desmistificação.

    Lívia: É um ponto de vista interessante esse seu. Com certeza, a vida de Vinícius deve ter sido bem divertida. Agora, fiquei preocupado com esse seu impulso agressivo em relação aos programadores de rádio. Poxa, deixe eles tocarem Calipso em paz, coitados.
    Quanto à matéria sobre preconceito nas letras, trata-se de uma boa pauta. Neste caso, até te faço um convite: o que acha de você mesma escrever esse texto? Você me manda, eu dou uma editada e publico aqui no blog. E aí, topa o desafio?

    abraços aos três.

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  5. Pinduca do meu coração,
    A contradição é uma das características mais marcantes da natureza humana e roqueiros, naturalmente, não fogem à regra. De todos os exemplos que você citou acho que John lennon é sem dúvida o mais emblemático retrato desta dissonância entre o que se diz e o que se faz. John Lennon estreou sua carreira de ativista político quando lançou a consagrada "Give peace a chance" em 1969. Declarando-se contra a guerra do Vietnã, Lennon, com esta música seminal, firmou-se à época como o grande arauto da paz mundial. Mas se John aparecia na mídia como um homem pacífico que pregava a não violência, em casa surrava a primeira mulher e tratava o filho Sean como lixo. É ou não é uma canalhice? O cinema também abriga casos de personalidades marcadas pela contradição como Rock Hudson, Montgomery Clift e Rodolfo Valentino que faziam papéis de machões pegadores nas telas mas em casa mordiam a fronha com força. É isso. De perto ninguém é normal.

    Adorei o texto. Alto nível.

    Déby B.

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  6. GOSTEI, DÉBORA!!!!!
    Por:Leocádia Joana

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  7. eu também gostei, débora.
    e é por isso que eu digo: as mulheres quando comentam neste blog dão de dez a zero nos caras. eu, débora e leocádia somos as pinduquetes! as superfãs do linduca. claro q guardando as devidas proporções quanto ao trio né, pois leocádia é simplesmente sensacional.
    linduca, fiquei lisonjeada com o convite-desafio, mas não posso aceitar. nem editando minhas tolas anotações chegariam perto da primazia dos textos q vc publica.
    deb, morder a fronha com força é meio estranho hein...
    Pinduca, seu blog é excelente!

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  8. hahahaha... Esta é parte que mais me irrita no rock em geral e outras artes. É neste momento que ouve falar dos 'radicais': São eles que levam ao extremo a mensagem dos seus ídolos. Os últimos, por sua vez, tem uma irritante postura contraditória.
    No caso do Bob Dylan, tem um evento que eu achei bastante emblemático: A vaia estrondosa que a Sinead O'Connor tomou na festa de 50 anos daquele artista. Ainda que não tenha sido o tio Bob himself, eu me perguntei se os fãs eram os mesmos Hippies dos anos 60. Como transformar o mundo com posturas como esta?

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  9. Emblemático foi o show do Bob Dylan em 2008, que entoou suas canções "engajadas" para uma platéia formada por socialites e celebridades, com ingressos (que chegavam a R$ 900!!!!) bancados pela Revista Caras, em São Paulo.

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  10. Deby: Muito interessantes as suas palavras. O foco do meu texto é exatamente a existência dessas contradições entre a postura fora dos palcos e as letras dos músicos citados – com John Lennon sendo, de fato, o caso mais emblemático. Concordo com a forma que você fecha o seu comentário: de perto ninguém é normal.

    Leocádia: Legal que você se sintoniza com os comentários das outras...hum... garotas do blog: Débora e Lívia

    Lívia: Hahaha. Engraçado o termo Pinduquetes. Aproveito para dar uma sugestão: por que vcs três (Lívia, Deby e Leocádia) não começam um blog, de forma a dar um toque mais...err... feminino a esse tão masculinizado universo roqueiro? Quanto ao meu convite-desafio, tenho certeza de que você escreveria um texto brilhante. Mas, bem, deixo-a a vontade para declinar do convite. Só o fato de tê-la como leitora do blog já é uma honra para mim.

    Professor Marcelo: Não lembrava dessa vaia que a Sinead O'Connor tomou no show do Bob Dylan. Será que tinha a ver com aquela história de ela ter rasgado a foto do Papa, ao vivo, no programa de TV Saturday Night Live? De qualquer forma, os fã do Bob Dylan de hoje são, realmente, beeem mais conservadores do que os hippies dos anos 60. Ou, talvez, os hippies dos anos 60 acabaram se tornando, ao longo do tempo, senhores conservadores.

    Renato: É verdade. É Impressionante como os artistas e o público caem nesse tipo de contradição e nem se tocam. São os males do capitalismo (discurso punk?).

    Abraços

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