quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

O “verdadeiro” espírito do rock


Quando ainda fazia terapia, há cerca de um ano, numa das tresloucadas e, às vezes, existenciais conversas com meu psicólogo, fui questionado sobre o que simbolizava o rock para mim. Depois de uma breve vasculhada na mente, respondi que o verdadeiro espírito do rock estava associado a uma imagem que assistira naquela semana: dois adolescentes atravessando a pé, à tarde, o Eixão - gigantesca avenida de Brasília - conversando e carregando nas costas seus instrumentos musicais.

A minha explicação para a relevância daquela cena estava ligada à pureza que ela transmitia para mim: aqueles garotos pareciam estar descobrindo a música, tocando por prazer, sem que a banda lhes desse algo em troca; na sua rotina juvenil, tinham tempo livre para conversar (sobre música e outros assuntos) e o rock, provavelmente, seria apenas um meio para celebrar a sua amizade. É obvio que, sem conhecer aqueles adolescentes, muitos daqueles sentimentos seriam apenas frutos de uma projeção da minha parte. Mas, sem querer bancar o Freud, acho que a imagem vista por mim simboliza uma relação pura pela qual a maioria dos músicos já passou.

Devo confessar que sinto uma certa emoção quando leio histórias sobre os primeiros encontros dos membros de bandas de rock consagradas e/ou que gosto. Para mim, é como se esses momentos carregassem consigo o verdadeiro espírito do rock – se é que essa “entidade” existe. Acho legal saber, por exemplo, que, por trás de uma carreira regada a excessos dos bad boys Rolling Stones, existe um singelo encontro entre os jovens Keith Richards e Mick Jagger em uma estação de trem em Dartford, a caminho de Londres. Reza a lenda que Richards teria avistado o ex-colega de jardim de infância, Jagger, carregando discos de blues debaixo do braço, o que teria motivado o guitarrista a abordar o futuro vocalista de sua banda.

Assim com o primeiro encontro dos compositores dos Stones, existem muitas outras belas histórias no rock, como a do dia em que Paul McCartney impressionou John Lennon, ao tocar na guitarra a música Twenty Flight Rock, de Eddie Cochran, ganhando seu passaporte para integrar a banda de colégio The Quarrymen, espécie de embrião dos Beatles. Ou, trazendo para uma realidade brasileira e mais atual, é legal notar que os membros dos aclamados Los Hermanos começaram a banda despretensiosamente a partir de uma amizade surgida nos corredores da PUC, no bairro da Gávea, no Rio de Janeiro, ou que os brasilienses do Bois de Gerião, ainda garotos, se juntavam para tocar ska e punk rock na sobreloja de uma locadora de vídeo, na 308 sul.

Por mais que cresça e ganhe fama, dinheiro e mulheres, muito da essência que uma banda carrega vem desses primeiros encontros. De certa forma, conhecer a fase de germinação de um grupo é quase como ter acesso ao seu DNA: lá estão as referências musicais mais profundas e as relações pessoais mais honestas e verdadeiras entre os membros. E, mesmo havendo outros momentos grandiosos e criativos ao longo da carreira, é naquele início onde estão as células-tronco capazes de salvar a música dessas bandas em momentos de enfermidade (causadas, na maior parte, pelo ludibriante mundo do showbizz).

Não quero, com isso, fazer uma ode à ingenuidade ou à alienação, tão comuns à juventude. Na verdade, sei que muitas das grandes conquistas da vida vêm com a maturidade, com o progressivo movimento de conhecer a si mesmo. E admito que, quanto mais avanço na idade, mais admiro obras feitas por artistas maduros, que trocaram a mera manifestação hormonal por uma abordagem mais cerebral. No entanto, o que quero dizer bate um pouco com aquele pensamento que fala sobre as pessoas não deixarem de lado a criança que existe dentro de cada um. Por um lado, talvez isso funcione com bandas de rock também: uma vez que os músicos se entregam totalmente ao lado duro e demasiadamente adulto da vida, parecem, ao mesmo tempo, estar jogando fora uma parte importante de sua essência.

Quando o Prot(o) acabou, há cerca de dois anos, sentia uma desmotivação quase anciã com meio musical, como se eu fosse uma espécie de precoce dinossauro do rock independente (poxa, eu só tinha 33 anos!): em meio a preocupações com fechamento de shows, capas de discos, aluguéis de estúdio, contatos com a mídia e com produtores nos bastidores dos festivais, havia deixado meio de lado o que tão e somente havia me atraído para aquele mundo: A MÚSICA (com letras maiúsculas mesmo). Não vi isso acontecendo só comigo, mas com muitos outros amigos que se aventuravam a levar a vida musical um pouco mais a sério. E, com poucas exceções, o que observei foi a paixão e a inocência juvenis dando cada vez mais espaço para uma relação fria, burocrática e, às vezes, cínica com o seu maior objeto de paixão.

Talvez por ter submergido tanto neste oceano obscuro da não-música é que a simples imagem de dois garotos atravessando a avenida com seus instrumentos nas costas tenha soado tão forte e libertadora naquela tarde de um fim de semana qualquer.

16 comentários:

  1. Maneiro Carlo, curti! Lembro dos ensaios do Cravo aqui em casa, na casa do Beto. Tocávamos só por diversão, os "broders" pintavam nos ensaios...muito bacana, sem falar nos shows, Escola Americana, Fico, Marista, Leonardo da Vinci, Overdoze...abraçao'!

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  2. pinduca, realmente, os textos de cunho pessoal são os meus prediletos.
    muito boa a pergunta do seu psicólogo.e muito boa sua resposta.acho que isso fica evidente em qualquer música do prot(o).inclusive, numa conversa com o gás, fiquei familiarizado com o termo ´´ rock verdade``,referente a vocês.
    grande abraço e feliz ano novo!
    ps: o ping pong do balaio voltou!

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  3. Pinduquinha da minha vida,
    você foi acometido de um sentimento muito especial: nostalgia. É mais do que normal sentirmos isso depois que ingressamos no hostil mundo adulto com suas contas a pagar, filhos pra criar e chefes para suportar.
    É um processo brutal de perda da inocência do qual muitos poucos se recuperam. Felizes são aqueles que mesmo depois de adultos ainda conseguem conservar além do bom humor, alguma leveza, frescor, pureza e encantamento diante da vida. No fundo, no fundo, amigo, os adultos que conservam um lado meio rock'n'roll são muito mais felizes do que o resto da humanidade.

    Beijos da Débora!

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  4. E aê Pinduca! Que bom q c voltou a escrever cara.
    Gosto de ler suas coisa véi. Pô, me amarrei. Mas o Prot(o) acabou? Tipo assim, acabou meismo? Eu não sabia não. C cansou da banda? Conta aê q q houve cara. Eu acho q a banda tava até melhorando...Aí acaba? Não dá pra entender.
    Acabou a greve hein Pind. Lívia tá de volta. Mandando um beijo pra Débora que fala umas coisas tão legais q me deixa vívida. E outro beijo pra Leocádia, que tem um feeling completamente special. Aê Leocadinha, c acertou hein... Mas só em parte. É issaê!

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  5. só esclarecendo: o que fica evidente no prot(o) é justamente esse sentimento dos dois caras atravessando o eixão e não a perda da inocencia!

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  6. Bolívia: Legal que você curtiu o texto. Não participei da primeira fase do Cravo, mas, do que peguei, lembro exatamente disso que você falou: ensaios com a presença de “bróders” - e até shows com amigos em cima do palco – na sua casa, na casa do Beto e do Navarreti. O Cravo é um exemplo de banda que, apesar das diversas deficiências técnicas, tinha um show bem legal, muito em parte pela alegria e senso de amizade que os membros transmitiam, de cima do palco, ao público.

    Goma: Legal você gostar dos textos de cunho pessoal: eles são os mais difíceis de escrever, pois surgem a partir da falta de uma pauta mais concreta para o blog. Aí, tenho que cavucar em algum lugar da mente algum tema meio maluco e é daí que esses textos surgem. Sobre o Prot(o): acho que tínhamos uma busca pelo “rock verdade” mesmo, mas devo assumir que vivemos alguns períodos de perda da inocência também. Essa entrada na “não-música” é uma fase inescapável para quase todo grupo, infelizmente. Sobre o ping-pong: tô ligado que voltou. Vou tentar ir lá na próxima quarta.

    Débora: Concordo com você. De fato, esse texto é inundado de nostalgia. Mas, como você mesma falou, ele também busca olhar para frente quando trata da recuperação (ou conservação), na fase adulta, do “bom humor, alguma leveza, frescor, pureza e encantamento diante da vida”. É muito doido, mas, às vezes, temos que dar um passo para trás para andar para frente.

    Lívia: Minha fiel leitora Lívia, fico feliz que você tenha ficado feliz com o retorno dos posts e mais satisfeito ainda que tenha terminado com sua greve de comentários. A propósito, tinha quase certeza que você – não o alter ego cantora paraense, mas o leitor real brasiliense - sabia do fim do Prot(o). Também acho que estávamos melhorando, embora os poucos fãs da banda costumem curtir mais o nosso primeiro disco.

    Goma (de novo): Eu já tinha sacado que era isso que você queria dizer. Valeu mesmo. Na verdade, o Prot(o) eram quatro caras atravessando uma rua: só não sei se todos andavam no mesmo sentido. Talvez um ou outro estivesse voltando, enquanto os outros estivessem indo, o que nos fazia cruzar neste meio da rua. Ah, nesse movimento de travessia, alguns carros às vezes quase nos atropelavam também :)

    Abraços a todos,

    PS: Piada interna para Lívia e Débora: poxa, fora a Leocádia, só homens comentam neste blog!!!!

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  7. Carlinhos,
    sua resposta pro analista foi bastante oportuna, hein? Numa das apresentações da Geratric Blues Band-sempre com palestras-também ouvi essa singela história dos Stones. Era romântico até certo ponto na época, aquela inocência. Hoje em dia se encontra às pencas "amigos de infância" na internet.
    Perdão, ñ sei se comparando mal, mas notei que tu falas com certa melancolia da banda Prot(0) e com entusiasmo(visto em outro post)sobre o Maskavo Roots.
    Gracias, Lívia!
    Peraí, Carlos! Pára tudo! Será que entendi direito? Então a Débora e a Lívia são?(...)

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  8. Esqueci! Este comentário aí de cima é da Leocádia.

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  9. Puxa vida Pinduca. Acho que vc se confundiu. Não existe alter ego não fofo. Aliás, eu nem sei o que é isso! I'm a happy dyke, darling!(only dyke, not trans dyke)
    Nós ainda não nos conhecemos pessoalmente. Sou apenas sua fá!

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  10. legal a analogia, achei bem explicativa. nunca tive banda, mas( como você) me interesso pela dinâmica entre os integrantese , encontros historicos e processos de criação.
    mas tenho uma pergunta, sobre as bandas nas quais já tocou: você acha que todo esse material burocrático ( hoteis, produtores, etc) chegou aafetar a música em si?!acha que as composições mudaram por causa desses fatores?

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  11. Lembrando da época, em que coloco vcs: Eduhard Pentifíeld (Trio Porrada Dura!), Betão, Pinduca, Txotxa, Salsicha e mais uma tonelada de pessoas que tinham um certo grau de amizade (uns menos outros mais), acontece o mesmo sentimento. Já muito bem explanado por vc. Não colocao mais nada. Excelente post. Obrigado.

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  12. Cara, eu boto fé que um livro está sendo escrito online, dr.Pinduca. Desculpe a ausência, feliz ano novo. Não pare de escrever! um abraço!

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  13. Pessoal,

    Desculpem a demora na resposta aos comentários. O lance é que ando bastante ocupado e, no meu único tempo livre, resolvi priorizar a redação da nova postagem.

    Leocádia: Sua observação é interessante e sintomática. Realmente, talvez eu fale do Prot(o) com mais melancolia por ser algo mais próximo, cronologicamente falando, que o Maskavo (o qual já eu saí há 14 anos). Quanto mais o tempo passa, mais a gente tende a ver somente as coisas boas. E essa talvez seja uma explicação para o que você colocou. Talvez pese também ‘contra’ o Prot(o) o fato de eu tomá-lo como um projeto mais meu do que o Maskavo. Não sei. Vou ver se marco uma sessão com meu antigo terapeuta para ver se ele me ajuda a esclarecer essa questão.

    Lívia: Realmente, você ainda não me convenceu e ainda tenho uma pulga atrás da orelha em relação a sua verdadeira identidade (rs). De qualquer forma, internet serve exatamente para esse tipo de coisa, né? O meu primo, por exemplo, costumava entrar num chat de lésbicas fingindo ser uma delas. Um dia, um amigo mais ‘internético’ do que eu me relevou que metade das lésbicas que escreviam no chat eram, na verdade, homens!!!! Mas não se preocupe: nossa relação virtual não mudará, seja você quem for. O que importa são as idéias que trocamos aqui.

    Goma: Acho que a composição não muda por conta desse lado burocrático, não. O que mudou, no meu caso, foi a motivação em continuar fazendo parte de uma banda (pois acho esse outro lado muito chato). Mas o que queria dizer no texto também é que, no decorrer da carreira, muitas bandas costumam deixar um pouco a música de lado para se ater a questões mais ligadas à divulgação, contato com gravadoras, jornalistas e emissoras de TV. Na minha opinião, essa mudança de foco acaba prejudicando muitas vezes a própria música da banda, que tenta se adequar às expectativas do meio (ou do mercado). No fundo, acho que a maioria dos músicos começou a tocar por amor à música – e, a meu ver, não é bom que isso seja esquecido.

    Therje: Valeu. Lembro até hoje do ensaio conjunto do DFTA e do Cravo Rastafari na casa do Navarretti e do posterior show no Anf. 09. Era uma época boa, em que íamos para o ensaio com os brothers todos no mesmo carro, escutando musica, trocando idéias e tocando a zona.

    Zeca: Valeu pelo incentivo. Legal que você ‘voltou’ ao blog. Apesar dos esporádicos desânimos, pode deixar que continuarei tentando escrever.

    Abraços a todos e desculpem novamente pela demora.

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  14. Eu lembro de alguns momentos do começo dos Bois. E já li várias biografias de rock que, invariavelmente, relatam em detalhes esses momentos. Atualmente estou devorando a biografia do Led Zeppelin, que tem tanta referência de blues em seu começo de carreira que faz até você querer ler o livro com um papel e caneta na mão, para anotar os nomes e ir atrás das paradas. Ainda que 40 anos depois. Ainda que soem datadas para alguns. Mas a essência de tudo, como você disse, é a música.

    abração, companheiro!!!

    PS: De Beirute para Tok Stok é um sinal de calmaria. :)

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  15. Ei, Pinduca!

    Achei vc através de um "retweet" do Senhor F. Ótimos textos! Adorei ler seu blog! Espero te encontrar em breve! um beijo, Ana Rita

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  16. Felipe: Também comecei a ler uma biografia - não autorizada - do Led Zeppelin (Hammer of the Gods), mas acabei parando no meio. Realmente, também vi muitas referências a artistas de Blues. A propósito, você já assistiu ao documentário A Todo Volume, que reúne o Jimmy Page, o The Edge e o Jack White, para relatarem suas experiências como guitarristas? É bem legal.

    Sobre o início do Bois: nós, da Comunicação da UnB, pudemos acompanhar de perto o começo da banda também pelo fato de dois componentes (Fábio e Gus) estudarem com a gente, né?

    E o show do Metallica, como foi? Pelo que li nos jornais, parece ter sido bem legal. Os jornalistas disseram que o foco foi nos primeiros discos da banda, né? Cool.

    Quanto à mudança de ambiente: de fato, hoje tô bem mais para Tok & Stok do que para o Beirute, seja lá o que isso signifique.

    Ana Rita: Legal que você “descobriu” o blog. Obrigado pelos elogios. E aí, tá na Espanha ainda ou já voltou para o Brasil?

    Abraços aos dois.

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