Este espaço foi criado para a exposição de alguns pensamentos sobre música e outros assuntos do cotidiano.
domingo, 7 de fevereiro de 2010
Marley & Eu
Neste último sábado (6/2), o cantor e compositor Bob Marley faria 65 anos, se estivesse vivo. Seu aniversário foi comemorado em todo o mundo e, no Brasil, um dos grandes redutos de culto ao reggae, não poderia ser diferente: diversos jornais e sites publicaram matérias e emissoras de TV transmitiram programas sobre o grande ídolo jamaicano. Eu, que geralmente costumo lembrar da data, esqueci este ano e fui recordado pelo documentário Bob Marley – Freedom Road, exibido no canal de TV por assinatura Multishow, à tarde.
Conheci a música de Bob Marley em 1990, dos 15 para os 16 anos, quando um grande amigo do colégio gravou para mim uma fita cassete de 60 minutos, contendo, de um lado, a coletânea "Who’s Better, Who’s Best”, do The Who, e, do outro, os grandes sucessos do rei do reggae: No Woman No Cry, Is This Love, Redemption Song, Three Little Birds, Stir it Up, entre outras. Como meu background era 99% roqueiro, esse contato inicial com o reggae não chegou a se figurar como amor à primeira vista, mas, à medida em que o tempo passava, fui sacando mais e mais a grandeza do material que tinha em mãos. Fui ficando, então, cada vez mais interessado – de certa forma, viciado - em reggae: além de buscar sons e informações sobre o estilo, deixei o cabelo crescer e comecei a usar pulseirinhas coloridas e até um colar meio riporonga.
Foi exatamente nessa época que fiquei amigo do pessoal do Cravo Rastafari, banda formada na Escola Americana de Brasília, que se dedicava a tocar clássicos do reggae e, principalmente, Bob Marley. Conheci os caras pelo Txotxa (baterista do Cravo e atualmente na Plebe Rude), que estudava comigo no Marista e já tinha o hábito de tocar em várias bandas ao mesmo tempo – nós participávamos de grupo chamado Aspargos. O Cravo virou, imediatamente, a minha “banda de colégio” preferida. Passei a acompanhar os shows deles e fiquei bastante feliz quando, no ano seguinte (1991), fui convidado para integrar a banda, pois o guitarrista e vocalista Marcus Navarretti tinha ido estudar fora da cidade.
O Cravo Rastafari - que em 1993, depois de algumas mudanças na formação e no som, veio a se tornar o Maskavo Roots - acabou sendo uma grande escola musical para mim: como se tratava de uma banda cover (principalmente de Bob Marley), tínhamos que nos ater somente à entender e tocar da melhor forma possível os arranjos das canções. E, neste ponto, as canções de Bob Marley nos ensinaram o que há de melhor na música pop: são simples harmonicamente, mas ao mesmo tempo ricas em melodia e com ótimas sacadas de arranjo; são pops e com refrões grudentos, mas nem por isso vazias (pelo contrário, a sua marca é a espiritualidade).
Uma vez assisti num programa de TV o rapper Marcelo D2 expressando uma opinião da qual compartilho: Bob Marley não tem músicas ruins. Você pode até não gostar de uma ou outra, mas todas as canções do rei do reggae são bem elaboradas, possuem seu valor tanto como música quanto como mensagem. Neste sábado, assistindo ao documentário exibido no Multishow, fiquei pensando como Bob Marley sempre tinha o que falar: a impressão que fica é que não há um verso enxertado ou enrolado para fechar a métrica da letra. Além disso, as imagens utilizadas para expressar as suas opiniões são absolutamente fantásticas, de uma beleza poética de dar inveja a qualquer literato.
Talvez por conta dessa carga de espiritualidade, desse “sempre ter o que dizer”, Bob Marley é reverenciado quase como uma divindade por seus seguidores – embora o culto excessivo por “rastas louros classe média” seja, muitas vezes, um pé no saco. E, no mundo do reggae, é interessante como Bob Marley é absoluto. Isto é, você pode até gostar de Peter Tosh, Max Romeo, Burning Spear, Bunny Wailer, Lee Perry ou outro grande artista do gênero, mas todos sabem que Bob Marley está em um ou dois degraus acima dos demais.
Uma das imagens fortes que tenho da música de Bob Marley tem a ver com uma fase física e mental meio frágil na minha vida, na qual, por conta de um rompimento no menisco (cartilagem do joelho), minha perna ficou algum tempo fora do lugar. Depois de ortopedista ao qual consultei me dizer que a coisa só se ajeitaria na mesa de cirurgia, consegui reencaixar a perna e o joelho numa bela tarde, ouvindo Bob Marley no meu quarto. Durante algum tempo, atribui o “milagre” ao efeito terapeutico da música do rei do reggae. Embora, hoje, duvide um pouco dessa teoria mística que eu mesmo criei, ainda desconfio que a música de Bob Marley traga algo maior, em termos espirituais, do que sonha a nossa vã filosofia.
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Você ainda duvida que foi um milagre???
ResponderExcluirUma vez eu estava no Pelourinho e passei por um bar chamado Bar do Reggae. Lá dentro, só se ouvia Bob Marley e só havia rastafaris dançando. Fiquei observando a cena da janela por um tempo quando constatei que todos ali sabiam de cor todas as letras, repetindo exatamente o que saía da boca de Bob, porém, era visível que não sabiam o que as letras diziam, apenas repetiam os fonemas que Marley cantava. Porém também faziam isso com tamanha emoção que comprovava (para mim) que pouco importava o que as letras diziam, mas sim, a emoção que era passada através das melodias, transformando a música em uma linguagem universal, um dos grandes méritos de Marley.
E só a título de "curyosidade", Marley, por um tempo, não tirou o Revolver dos Beatles da vitrola, segundo Timothy White, seu biógrafo.
O CD vai amanhã pelo correio.
Abração.
Cury
Muito bom o post. Talvez um aspecto não abordado: as letras dele não são só religiosas, mas extremamente políticas.
ResponderExcluirReza a lenda que ele ficou famoso para o mundo primeiro conquistando a Inglaterra, onde surgiu admirado pelos punks ingleses, que tinham acesso às coisas dele com outros presos, principalmente Jamaicanos.
E essa admiração com certeza não foi tal qual essa citada no post acima, da paixão pela melodia, sem entender letras etc.
O tema da independência colonial, da resistência de costumes e da brutalidade da "cultura ocidental" sobre os seus "satélites" é recorrente na obra.
Eu vi o mesmo documentário que você e eu não sabia que o fanatismo dele chegava ao ponto de se recusar a fazer os tratamentos convencionais contra o câncer.
Definitivamente, foi cedo.
Parabéns pela perna... talvez não tenha sido milagre, apenar força de vontade e médico açougueiro.
Parabéns pelo blog.
demais, pinduca.
ResponderExcluircara, boto a maior fé que o som dele influiu nessa auto cura !
muito maneiro esse relato, acredito muito nessas coisas.
e legal você mencionar esse lance das letras, dele sempre saber o que dizer. eu tenho a mesmo impressão, apesar de não conhecer a obra dele a fundo.acho que sinto a mesma coisa com relação ao john lennon .
grande abraço!
ps: contusões são um porre! estou me recuperando de uma ruptura de ligamento.vou ouvir um bob pra ver se ajuda!
ResponderExcluirPinducs, nunca fui uma fã muito ardente de Bob Marley mas, obviamente, reconheço seu papel de pedra angular do universo do Reggae. O que achei bastante interessante em sua postagem foi o impressionante papel terapêutico que suas músicas desempenharam na cura de sua perna bichada. Tem certeza de que além da música você não estava também em um transe provocado por baforadas de Cannabis? Que a música faz bem e interfere na saúde e estado de espírito de todos os seres viventes não há dúvidas.
ResponderExcluirCaso a medicina comprove o poder curativo da obra de Bob, a solução definitiva para a tragédia no Haiti seria mandar pra lá toneladas e toneladas de Ipods carregados com Reggae do bom. Seria maravilhoso melhorar o mundo com música.
Acho que o Bob Marley se mandou cedo pra não ter o desgosto de ver o reggae (um estilo caracterizado por uma cozinha forte e fundamentada em linhas de baixo poderosas) ser transformado pelos brasileiros em musiquinha de violão sob as cores da bandeira da Etiópia. 400 years é a minha preferida.
ResponderExcluirBela postagem, Pinduca.
Abs
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirPessoal,
ResponderExcluirDesculpem a demora numa resposta. Estava trabalhando que nem um burro de carga esta semana e, no meu pouco tempo livre, não queria nem olhar para o computador.
Cury: Não sabia essa informação sobre o Bob Marley não tirar o Revolver, dos Beatles, da vitrola. Legal saber disso. Sou a fim de ler esse livro "Queimando Tudo", mas acabou nunca rolando. Quanto ao episódio do Pelourinho, além de revelar o forte elo Jamaica-Bahia, mostra o quanto a música de Bob Marley é universal.
Rafael: Você tem razão, as letras de Bob não são somente espiritualistas: há também o lado político e até romântico. De qualquer forma, o meu ponto é que Bob Marley era uma espécie de "man with a mission" e, neste aspecto, sua espiritualidade costuma transbordar para suas outras facetas. Quando, por exemplo, ele diz que "Jah provides the bread", no meio de uma letra romântica, como “Is This Love”, isso fica claro, na minha opinião. Sobre essa união do punk com o reggae, acho legal a história, mas acho que há um pouco de marketing no meio também. Afinal, o Eric Clapton já tinha gravado e feito sucesso com I Shot the Sheriff em 1974. Ou seja, a minha impressão é que o reggae conquistaria o mundo com ou sem o punk - sem querer tirar o mérito do movimento. Mas são só suposições da minha parte:a história oficial costuma relacionar essa chegada de Marley à Inglaterra com o punk. Quanto ao documentário, também me chamou a atenção essa história de Bob não aceitar fazer o tratamento. Legal você ter gostado do blog e ter participado com um comentário enriquecedor.
abraços aos dois.
Goma: De fato, a experiência da autocura foi marcante, mas, como disse, comecei a duvidar um pouco da história depois. Sei lá. É daquelas coisas que nunca terei uma resposta, acho eu. Quanto ao John Lennon, acho que ele pertencia ao time do Bob Marley, mesmo, de sempre ter o que dizer. Mas, por incrível que pareça, acho essa característica mais forte ainda no Bobito. Quanto às contusões, são, de fato, um saco. Desejo melhoras no seu ligamento.
ResponderExcluirDébora: Haha. Acredite se quiser: minha experiência "mística" ao som de Marley foi absolutamente “de cara”. Sei lá, rolou uma vibe muito doida naquele momento, a qual não consigo explicar. Seria bom mandar Ipods com o som de Bob para o Haiti: mas, certamente, essa não é a prioridade no momento.
Renato: Com certeza, o reggae levado ao som do violão ornamentado com a bandeira da Etiópia é bem deprimente. Já várias situações dessas na UnB, quando estudava lá. Também me amarro em 400 Years (que é até cantada pelo Peter Tóxico, se não me engano, né?), mas, do álbum Catch a Fire, sou ligadão em Slave Driver.
abraços a todos e desculpem novamente pela demora na resposta.
Carlinhos, ñ se preocupe comm a demora; o importante é saber que vc lê e responde a todos.Amei as palavras rebuscadas que tu usastes(ai...as palavras). Sabe, Carlinhos, aconteceu um fato inusitado na festa Play - é que o djGonzalo disse que sempre me observa e ele me convidou pra discotecar na próxima. Fiquei hiper lisonjeada só que gentilmente recusei porque do jeito que adoro dançar seria bem capaz de eu abandonar as picapes e me jogar na pista(rs). Ñperdi a oportunidade de sugerir o seu nome; agora cê vê, menino - em plrna cinco e pouca da manhã seu santo nome sendo falado assim, sendo que nesta hora tu deverias estar no décimo sonho. Eaí? Topas o desafio?????
ResponderExcluirpor: Leocádia Joana Garibaldi Pinto.
Leocádia, valeu por sugerir o meu nome para discotecar na Play. Tenho até vontade de colocar som em festas. O único problema é que não tenho um setlist pronto para as pistas de dança - e devo confessar que sou meio preguiçoso para baixar músicas. Então, sei lá, acho que a primeira coisa que eu deveria fazer é montar esse set. Vou er se deixo a preguiça de lado e faço isso. Assim que tiver o set pronto, te aviso. Obrigado, de novo, lembrar do meu nome para a Play.
ResponderExcluirabs.
Sobre o comentário do Renato: 400 Years é cantada e foi composta pelo Peter Tosh. Saiu no Catch a Fire, que foi lançado pelo The Wailers e não Bob Marley & The Wailers, como é vendido hoje em dia (afinal, Bunny Wailer e Peter Tosh aindam não tinham seguido em carreira solo). Então não é bem uma música do Bob Marley.
ResponderExcluirJá vi numa entrevista o Hélio Bentes (vocalista da Ponto de Equilíbrio) dizendo que quando começou a ouvir Bob Marley nem sabia que ele cantava em inglês. Aquilo pra ele era um outro idioma, um 'jamaicanês'. Não compreender as letras não o impedia de gostar de Bob Marley e perceber que ele estava dizendo alguma coisa importante.
"Embora o culto excessivo por “rastas louros classe média” seja, muitas vezes, um pé no saco." Essa frase me chamou atenção. Você quis chamar a atenção para aquele velho lance, de pessoas que curtem músicas que não se "adaptam" exatamente à condição social delas? Como os jovens brancos de classe média que cantam alto os versos de Nego Drama, dos Racionais MC's. Esse é um tema delicado. Afinal, a Cravo Rastafari, como você disse, surgiu na Escola Americana de Brasília. Atualmente (e há 20 anos tambem devia ser assim) ela é uma escola para classe média alta, o que não impediu o surgimento de uma banda de reggae honesta.
Não me leve a mal, se eu tiver entendido sua frase de maneira errada, desconsidere o que escrevi. Mas, de qualquer maneira, o assunto é interessante, quem sabe você não escreve algo a respeito.
Vale a pena comprar a biografia do Bob Marley. Aconselho comprá-la em inglês, é bem mais barata e acho que é mais completa que a versão brasileira, pois foi atualizada algumas vezes até a morte do biógrafo.
Carlos: Obrigado por seu comentário e pela sua “aula” de Bob Marley. De fato, essa história do nome The Wailers vs. Bob Marley & the Wailers foi fruto de briga entre os integrantes da banda e culminou na saída de Peter Tosh e Bunny Wailer (o qual, se não me engano, era meio irmão de Bob, né?). Sobre o depoimento do vocalista do Ponto de Equilíbrio: é interessante como, de fato, a forma como Bob Marley cantava já revela a importância de sua mensagem. Quanto aos “rastas louros classe média”, não quis soar preconceituoso, mas talvez tenha sido. Não sei, vou refletir sobre isso. Na verdade, peguei o termo emprestado de um filme adolescente chamado “10 Coisas que Odeio em Você”, em que o ator apresentava ao novo colega as tribos da escola - dentre elas, a dos Rastas Louros. De qualquer forma, mais do que uma classificação, acredito que tenha feito uma constatação. Realmente, acho sim um pouco contraditório esse culto excessivo por pessoas que parecem não compartilhar profundamente dos ideais propagados pelas músicas de Bob Marley. Muitos desses rastas louros – e, como vc pode constatar, acompanho-os há cerca de 20 anos – acabam se adequando ao sistema, mostrando que a contestação nunca foi real. Era mais uma onda (adolescente, na maioria dos casos). De qualquer forma, existem casos e casos. E, como vc disse, não só no exemplo do Cravo, mas de outras diversas bandas espalhadas pelo Brasil, isso não impede a formação de grupos de reggae honestos. Valeu pela dica da compra em inglês da biografia de Bob Marley. É até bom lê-la no idioma bretão para eu dar uma apurada no meu inglês macarrônico.
ResponderExcluirAbraço (e valeu pela “aula” e pelas dicas)