quinta-feira, 27 de agosto de 2009

A profundidade de ‘1,2,3,4’


A primeira vez que ouvi falar do Little Quail and the Mad Birds – banda brasiliense formada em 1988 por Gabriel (voz e guitarra), Zé Ovo (baixo) e Berma (bateria - logo substituído por Bacalhau) – foi em meados de 1990, por meio dos meus colegas do Conexão Brasília, banda de colégio de onde saíram três membros da formação original do Natiruts e dois do Maskavo Roots. O Conexão tinha tocado nas eliminatórias do Festival Interno do Colégio Objetivo (FICO) – em grau de importância para a gente na época, uma espécie de Rock in Rio - e seus membros voltaram falando de uma banda ridícula e esquisita que tocava uma música também ridícula e esquisita chamada 1,2,3,4. O pior é que, assim como o Conexão, eles tinham passado para a grande final do festival, que se realizaria no Ginásio Nilson Nelson, com show de encerramento do Barão Vermelho.

Se não fui às seletivas, acabei comparecendo à final do FICO, para engrossar o coro de torcedores do Conexão. Além de assistir aos meus colegas de colégio, fiquei curioso também para ver a banda ridícula tanto falada, o tal Little Quail. Mas os concorrentes foram passando e nem sinal deles: ou tinham tocado antes de eu chegar ou simplesmente não deram bola e “mataram” o festival. Posso estar confundindo as histórias, mas anos mais tarde fiquei sabendo que eles não foram à final do FICO porque estavam trazendo para Brasília naquela noite o Missionários, banda seminal de psycobilly de Curitiba.

De qualquer forma, só consegui assistir de fato ao Little Quail tardiamente, já no final de 1991, em um show no KG Bar, boteco instalado por pouco tempo nos fundos do então badalado Centro Comercial Gilberto Salomão. Fiquei de cara com a banda: eles eram afiados no palco e contavam com um público fiel – tudo isso em cima de um repertório próprio que fugia ao senso comum da época.

Neste ponto, vale explicar um pouco o contexto daquele final dos anos 80 e iniciozinho dos 90: o que preponderava era o rock com letras politizadas e forte apelo poético, fruto de uma forte influência “renatorussiana”. Algumas bandas, como De Falla, Kães Vadius e Cascaveletes, já fugiam desse padrão, mas o que estourava nas paradas era mesmo Paralamas, Barão, Titãs e Legião Urbana e seus seguidores, como os cariocas do Uns e Outros, por exemplo.

E mesmo se considerássemos o Little Quail dentro de um pacote de bandas mais “debochadas”, digamos assim, como Ultraje a Rigor ou os chatos e bombados à época Inimigos do Rei, dava para notar que a banda de Brasília já rumava por um caminho mais radical. Um belo exemplo desse radicalismo é a música 1,2,3,4, cuja letra se limita simplesmente a contar os quatro primeiros números cardinais, de forma nonsense e excessivamente minimalista, sobre uma base musical mezzo rockabilly mezzo punk rock.

Em Brasília, as canções inusitadas e criativas do Little QuailFamília que Briga Unida Permanece Unida, Azarar na W3, Essa Menina, Aquela e 1,2,3,4, entre outras – tornavam-se cada vez mais conhecidas, sempre dividindo a opinião do público sobre o seu conteúdo pretensamente “bobo”. No entanto, bastava uma olhada mais atenta para notar que ali não existia nada de ingênuo. Pelo contrário, o que havia era uma fina ironia, uma propositada infantilidade com clara intenção de nadar contra a maré do que era considerado sério por parte do público e crítica.

Nesse sentido, vale ainda chamar a atenção para o pioneirismo do Little Quail dentro da cena musical brasiliense dos anos 90. Eles foram os primeiros da sua geração a fazer intercâmbio com bandas e jornalistas de outras cidades. Também foram uma das primeiras bandas da capital – ao lado dos grupos de Metal – a lançar e comercializar sua já clássica fita demo, em meados de 92. Essa atitude sempre profissional levou o Little Quail a integrar a coletânea A Vez do Brasil, lançada pela gravadora paulista Eldorado no ano de 1993, o que fez com que suas músicas fossem incluídas na programação de diversas rádios pelo Brasil. No final deste mesmo ano, numa clara trajetória ascendente, a música 1,2,3,4 chegou a ser considerada, junto com Haiti (de Caetano e Gil), como a melhor canção de 1993 pela revista Bizz.

Em 1994, o Little Quail finalmente lançou o seu aguardado primeiro disco, Lírou Quêiol en de Méd Bãrds, pelo Banguela Records, selo de propriedade dos Titãs. O álbum, produzido por Carlos Eduardo Miranda, agradou aos novos fãs, com sua inteligente mistura de rock de garagem e letras divertidas. Para os conhecedores mais antigos, no entanto, o resultado foi um pouco decepcionante: as músicas estavam muito rápidas, sujas e tinham perdido um pouco da inocência rockabilly presente na demotape. A impressão que dava é que o Little Quail gravara o disco de forma ansiosa, querendo aproveitar a onda hardcore dos Raimundos, o que acabou desfigurando de maneira considerável o seu som.

O segundo disco da banda, A Primeira Vez que Você me Beijou (1996), trouxe respostas claras aos deslizes do primeiro álbum: as músicas voltaram a ficar mais limpas e num ritmo cadenciado. No entanto, o resultado, infelizmente, soou ainda um pouco artificial. Parecia que o tão positivo profissionalismo da banda no começo tinha se transformado numa negativa ansiedade. Para piorar o quadro do Little Quail naquele período, o estouro dos Mamonas Assassinas e de outras bandas engraçadinhas fez com que eles fossem incluídos num pacote de grupos “besteirol” e “sem conteúdo”. Nada mais injusto para uma banda pioneira, que sempre teve a fina ironia como uma das suas mais poderosas armas.

Lembro que, ao lançar o primeiro disco do Prot(o), em 2003, um jornalista de um site especializado em música me fez uma pergunta mais ou menos assim: - Vocês fazem parte de uma geração (encabeçada pelo Los Hermanos) que está voltando a dar atenção e profundidade às letras, etc e tal. Em um dos momentos em que me senti justo na vida, fiz questão de responder que não concordava muito com essa visão e que, se as coisas fossem colocadas dentro de um contexto, ficaria claro que bandas como Little Quail e Raimundos tinham letras excelentes e diferenciadas à sua maneira.

O passar dos anos tem criado um hype em torno do Little Quail e de outras bandas dos anos 90, num processo cíclico natural. Hoje, com cada um de seus ex-membros tocando seus projetos individuais (Gabriel comandando o Autoramas; Bacalhau nas baquetas do Ultraje a Rigor e Zé Ovo como um experiente diretor de palco), a banda dá shows esporádicos para um público formado por antigos e novos fãs, ávidos por ter contato com aquele espírito adolescente presente nas músicas da banda. Há alguns anos, pude ir a um desses reencontros aqui em Brasília, num ginásio que, se não ficou lotado como em outros tempos, encheu o suficiente para criar um clima de saudável nostalgia e reverência a uma das bandas mais importantes e admiradas da história do rock brasiliense.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

A música alegre mais triste da história


Já notaram que algumas mensagens contidas nas letras de determinadas músicas se repetem em outras canções, de maneira levemente diferente? É como se fossem roteiros de filmes hollywoodianos ou novelas globais, nos quais a mesma história é recontada diversas vezes, só mudando os atores e os cenários. A princípio, essa repetição poderia gerar tédio no espectador, mas, como os seres humanos costumam compartilhar dos mesmos sentimentos e situações, tal redundância temática acaba se tornando até bem-vinda.

Um dos sentimentos que vejo se repetirem em canções é o expresso na música What a Wonderful World, de Louis Armstrong. Em linhas gerais, o que a letra diz é: todos sabemos que a vida tem suas mazelas, mas a beleza do mundo é maior do que isso. Essa mesma vibe é reproduzida, por exemplo, em músicas como Don’t Worry Be Happy, de Bob McFerrin, e Three Little Birds, de Bob Marley, além de tantas outras tantas cantadas ao redor do mundo.

No Brasil, uma das músicas que tenta recriar essa positividade é a intitulada O que é, o que é?, do cantor e compositor Gonzaguinha (1945-1991). Ela chegou a “bombar” nas paradas de sucesso no início dos anos 80, com um refrão grudento, que clamava “É a vida / É bonita / E é bonita”, sobre um ritmo de samba enredo. Mesmo criança, lembro de o seu autor, à época, comparecer a vários programas de TV, para interpretar a tal canção anunciada pelos apresentadores como super alto astral.

Essa música, no entanto, nunca conseguiu me trazer muita alegria. De alguma forma, sentia que, por trás daquele pretenso sambinha feliz, existia algo “dark”, como na famosa imagem em que, depois do show no picadeiro, o palhaço de circo aparece em seu camarim tirando a maquiagem e chorando. Pois bem, “O que é, o que é?” tem, para mim, esse clima de uma tristíssima música alegre.

Na realidade, se analisamos a letra de forma minuciosa, notamos indícios “depressivos” em vários trechos. Na primeira estrofe, Gonzaguinha já anuncia que não tem “vergonha de ser feliz”. E quem se sentiria embaraçado por isso, a não ser uma pessoa amargurada? Em seguida, se coloca na posição desconfortável e imutável de “eterno aprendiz” e ainda afirma que a vida “deveria ser bem melhor”.

Ao longo da letra, outros trechos vão entregando a visão niilista de Luiz Gonzaga Júnior em relação à vida, como no questionamento metafísico:“Ela é maravilha ou é SOFRIMENTO? Ela é alegria ou LAMENTO?”. Ou ainda na observação do autor, na qual se utiliza da terceira pessoa no feminino para afirmar: “Ela diz que o melhor é MORRER / Pois amada NÃO É / E o verbo SOFRER”. Ao contrário do que preconizavam os animados apresentadores de TV, o único momento alegre da música é o tal refrão “É bonita / É bonita / E é bonita” — mas isso parece muito pouco para torná-la alto astral. Para piorar a situação, a composição é em tom menor, o que costuma denotar uma certa melancolia harmônica.

A situação se torna ainda mais esquisita quando notamos que, em toda a obra de Gonzaguinha, não existe simplesmente nenhuma música “para cima”. O grande lance do autor era criar composições questionadoras e com forte engajamento político, que o fizeram ser reverenciado principalmente pelos militantes de esquerda nos anos 70. E, na verdade, basta olhar para a imagem de Luiz Gonzaga Júnior, com sua constante barba desgrenhada e cigarro na boca, para notar que seus versos nasciam de um coração amargurado, talvez pelos constantes conflitos com o seu ausente e rígido pai Gonzagão. Diante desse quadro, achar felicidade nas canções de Gonzaguinha parece tão difícil quanto encontrar motivação nas letras de Ian Curtis, vocalista “suicida” do Joy Division.

Com todas essas características, “O que é, O que é?” parece residir num ambiente diametralmente oposto a “What a Wonderful World”, como naquela relação de mundo real e bizarro dos desenhos do super-homem. Se, como foi dito no início do texto, a célebre canção de Louis Armstrong - com suas árvores verdes, rosas vermelhas, céu azul e cores do arco-íris – deixa as mazelas da vida de lado para celebrar a sua beleza, a mensagem de Gonzaguinha parece inverter todos os fatores e afirmar: “A vida é uma porcaria, mas tem até um ou outro evento aceitável, de vez em quando”.

Talvez para o bom observador, o paradoxo já esteja evidente na própria comparação dos títulos das músicas. Enquanto Armstrong exclama pura e simplesmente que o mundo é MARAVILHOSO, Gonzaguinha prefere colocar um ponto de interrogação no seu título, que se restringe a perguntar, de maneira vaga, “o que é?” duas vezes. Tenho certeza que, se num encontro improvável, a mesma música caísse nas mãos de Bob Marley ou Louis Armstrong, eles sugeririam a Gonzaguinha: — Por que você não troca pelo menos esse título para um lance mais astral, tipo “É Bonita (a Vida)”?. Obviamente, o filho rebelde de Luiz Gonzaga recusaria a sugestão.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Twitando no Prêmio Multishow


Vou utilizar esse blog como Twitter: Estou assistindo ao Prêmio Multishow e, como em outras edições, achando tudo muito constrangedor. Era só isso mesmo.

sábado, 15 de agosto de 2009

Eu estive em Woodstock


O título deste texto é, obviamente, uma frase de efeito. Não, eu não tenho idade para ter estado em Woodstock, nem mesmo na barriga da minha mãe. De qualquer forma, optei por este enfoque porque acredito que tanto eu quanto todos os que já foram a grandes festivais - como Rock in Rio, Hollywood Rock e Lolapalooza, entre outros - tiveram contato, de alguma fora, com uma parte significativa do legado do festival mais importante da história do rock.

Sim, porque, mesmo que não tenha sido o primeiro festival (Monterey Pop veio antes, em 1967), Woodstock se tornou a matriz para qualquer grande evento roqueiro que se preze. Se festivais modernos utilizam sua plataforma para propagar mensagens positivas, de combate a fome na África a sexo seguro, isso é herança de Woodstock. Se as bandas aproveitam a oportunidade diante de um grande público para fazerem discursos de cunho político e social, isso também tem muito de Woodstock. Até nas já banalizadas doações de alimentos como desconto do ingresso de shows existe um pouco do espírito de Woodstock.

Pessoas da minha geração, nascida na primeira metade da década de 70, tiveram um misto de encantamento e repulsa ao assistirem, já nos anos 80, ao famoso documentário Woodstock – Onde Tudo Começou, dirigido por Michael Wadleigh e ganhador de Oscar (1970). Encantamento pela liberdade que aquelas cenas proporcionavam: jovens em clima de paz e amor, andando nus e unidos na luta por um ideal, algo inédito para nós até então. A repulsa, paradoxalmente, vinha de um local muito próximo ao da admiração: o excesso de liberdade mostrado no filme “confrontava” a nossa caretice e pragmatismo. Além disso, o passar dos anos já havia revelado alguns desvios naquela forma de conduta flower power – o filme Forrest Gump retrata esses equívocos de maneira bem interessante - o que, para nós, acabou culminando na disseminação do termo pejorativo “hippie sujo”.

Não quero me aventurar a falar muito sobre o que não conheço a fundo. Na verdade, essa postagem é um pretexto para fazer uma homenagem aos 40 anos do lendário festival, que contou com importantes nomes da música, como Jimi Hendrix, The Who, Santana, Janis Joplin, Sly and Family Stone, Joe Cocker, entre outros. Não importa se a sua preferência é o punk rock, o mod, a música eletrônica, o indie ou o reggae, Woodstock é item praticamente obrigatório para quem quer se aprofundar no conhecimento da música pop.

Aliás, nessa comemoração de quatro décadas de Woodstock, muitos veículos estão publicando matérias bastante interessantes sobre o assunto, o que tem me servido para aprender mais sobre aqueles três dias de "paz, amor e música". O texto mais interessante que li até o momento foi do crítico musical do New York Times, Jon Pareles, publicado ontem (14) no jornal O Globo. Na matéria, Pareles – que, ao contrário de farsantes como eu, esteve de fato no festival - relata sua experiência em Woodstock e aproveita para fazer uma análise do que o evento teve de tão especial e sua herança (positiva e negativa) para a música e a sociedade.

PS: Talvez por questões de direitos autorais, o jornal O Globo não disponibilizou em seu site o texto de Pareles. Procurando no Google, acabei achando-o no UOL. Quem quiser conferir a versão em português, está aqui. Ou então, tem a versão em inglês também.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Copiar é uma onda errada?














O texto abaixo foi publicado no site Senhor F em 2006. Na época, utilizei o codinome Marcos Silva Occhilupo, em homenagem ao campeão mundial de surfe Mark Occhilupo. Acredito que algumas das questões tratadas ainda sejam pertinentes dentro do nosso cenário musical:

Copiar é uma onda errada?

Poucas experiências são tão devastadoras psicologicamente quanto a insônia. Aquele despertar indesejado no meio da noite costuma se associar aos piores pensamentos sobre a vida: problemas no emprego, desastres envolvendo familiares, questões de relacionamento, tudo emerge com tamanha dramaticidade e pessimismo, a ponto de deixar um autor de novela das oito com inveja. Por outro lado, essa mesma melancolia noturna, em casos raros, parece jogar a nosso favor: trocando a nossa habitual insegurança pela assertividade, tornando-nos cruéis e intolerantes na medida certa.

Ontem, durante mais uma dessas noites em claro, me deparei com essa rara falta de sono "do bem". E, então, um tema que andava meio nebuloso em minha mente finalmente tomou forma: "Até que ponto uma banda que copia outra pode ser considerada boa?". Como cheguei a esse tema? Assistindo na MTV a clipes de algumas bandas brasileiras que — perdoem-me o termo — I-M-I-T-A-M o estilo de grupos estrangeiros "da moda".

Neste momento, os leitores de cadernos de cultura e sites sobre música já devem estar pensando: mas a semelhança entre 'criadores' estrangeiros e 'criaturas' brasileiras já foi revelada em diversas publicações. Trata-se de um assunto até desgastado. Sim, não nego. De qualquer forma, o meu interesse não é bater na mesma tecla que outros colegas de profissão. Peço a esses mesmos leitores que tenham paciência e cheguem ao final deste texto, pois acredito que o meu viés seja outro.

Comecemos, portanto, pela a diferença entre "influência" e "imitação". Influência, segundo o dicionário Houaiss, é o "poder de produzir um efeito sobre os seres ou sobre as coisas, sem aparente uso da força ou de autoritarismo". Ou seja, seria uma espécie de inspiração, que levaria o artista a produzir seu próprio trabalho. Neste ponto, é mais que normal que todos tenham as suas influências - as quais, no final das contas, acabam virando uma espécie de referência neste contato inicial de uma banda com o público e imprensa. Já imitação, ainda de acordo com o 'pai dos burros', é a "reprodução, o mais exato possível, de algo; imagem". Por uma determinada ótica, haveria algo de maquiavélico em se imitar alguém.

Seria fácil, dessa forma, detratar tais bandas imitadoras, caso não houvesse um porém: muitas são talentosas. Ou seja, os instrumentistas tocam bem, os vocalistas têm timbres legais, são afinados e as músicas são bem estruturadas, com melodias e letras interessantes.

E isso nos faz voltar à questão: se eles praticamente "xerocam" o estilo de outra banda, mesmo que sejam talentosos, eles podem ser considerados bons? A resposta para esta pergunta parece difícil, até mesmo porque a própria história do rock - e da arte, em geral - é tortuosa. Não são raros os casos de grupos que, tentando copiar outros artistas, acabaram desenvolvendo a sua própria identidade. Um bom exemplo disso é o New York Dolls, que num primeiro momento, era apenas uma reprodução mal feita dos Rolling Stones. Essa despretenciosa "tosqueira" acabou virando a grande marca do grupo norte-americano, conhecido como um dos pais do movimento punk. As próprias bandas de garagem dos anos 60, presentes na seminal coletânea Nuggets, em geral, nada mais eram do que tentativas de cópias dos Beatles. Nos anos 90, o Rancid era uma espécie de The Clash "turbinado". Ora, exemplos de emulações que acabaram descobrindo sua identidade não vão faltar na história do rock.

Por outro lado, sempre existiram os pastiches também. Ou seja, aqueles grupos sem conteúdo, que, tentando embarcar em uma nova onda, acabavam por "chupar" roupas, trejeitos e timbres dos artistas da moda. O Brasil é cheio desses exemplos, pois costuma "comprar" com atraso as últimas tendências internacionais. Como já disse, isso não é novidade e já foi debatido à exaustão. De qualquer forma, mesmo sendo um clichê, ao me deparar com bandas como as que assisti na MTV, foi inevitável surgir a pergunta:— Poxa, será que isso é apenas uma importação atrasada de uma onda estrangeira?

Tenho uma mania terrível de tentar "calcular o abstrato". Na verdade, é uma espécie de autodefesa diante da possibilidade de ser enganado por temas demasiadamente "esotéricos". Costumo, por exemplo, ir ao terapeuta de florais e cobrar resultados práticos depois de um algum tempo de tratamento. Acredito que essa seja minha única arma diante de um possível charlatanismo. De certa forma, incluo a crítica musical dentro dessas temáticas altamente abstratas. Não consigo confiar tanto na relatividade das opiniões jornalísticas e procuro uma espécie de verdade absoluta dos fatos, só para dar uma equilibrada na história da subjetividade.

Diante da questão relativa à "qualidade da cópia", acabei buscando meu pragmatismo numa analogia maluca entre surf e música. Deixem-me explicá-la. Na época em que eu pegava onda (sim, já fui um atleta), o critério para julgamento de um surfista em uma competição era mais ou menos o seguinte: cada surfista podia pegar dez ondas, mas só as três melhores eram computadas. Caso o atleta invadisse a onda de outro, cometeria uma interferência, o que acarretaria no descarte de uma das ondas do "invasor" — só ficando, portanto, com o direito de somar duas notas em sua pontuação final. Neste caso, por melhor que fosse o surfista, seria muito difícil ganhar dos adversários, pois ele ficaria numa posição extremamente desvantajosa.

Foi por meio dessa transposição das regras do surf para a música que cheguei a uma resposta para a pergunta colocada no início do texto, sobre a possível qualidade de uma banda imitadora: para mim, o artista que se propõe a copiar o outro comete uma espécie de interferência e perde uma importante nota para ganhar a "disputa" pela qualidade autoral. Por mais talentoso que seja, ele acaba ficando numa terrível desvantagem perante seus colegas. E aí, na competição por um lugar no sol, essas bandas que não correm atrás do seu próprio estilo acabam entrando numa onda errada.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Novo cardápio musical














Embora não seja vegetariano, costumo freqüentar restaurantes naturais duas ou três vezes por semana. A iniciativa ajuda a melhorar a minha saúde e também alivia a culpa por ainda me alimentar de carne. Uma característica notada ao ir a esses lugares é que a música de fundo tende a ser sempre de um estilo indiano misturado com new age. Então, o que rola é: você paga apenas para comer salada com arroz integral, mas tem de engolir todo um ambiente de “Paz Espiritual”.

O mesmo acontece com outros tipos de comida: onde se serve feijoada, ouve-se samba, para combinar com o clima “Brasil”. No restaurante japonês, o que prevalece é a música zen-kitaro. Estabelecimentos moderninhos, de comida fusion, são os templos do eletrônico “soft” e “ambient”. E, em restaurantes mais cool e noturnos, você será servido com um jazzinho ao fundo.

O que quero dizer é que, às vezes sem perceber, somos colocados dentro de um pacote, que o senso comum fez o favor de confeccionar para a gente. E se, por acaso, eu adorasse rabo de porco e não suportasse Zeca Pagodinho, o que faria? Por enquanto, nada. Porque se o assunto é feijoada, meu amigo, você está fadado a se tornar brasileiro “de raiz”, pelo menos por uma tarde. Em dias de arroz, feijão e couve, até o comportamento na mesa muda: as pessoas falam mais alto e com um vocabulário composto por gírias populares – a única coisa boa é a “obrigatoriedade” do uso de shortinho pelas mulheres.

Eu gostaria muito de poder ir um dia a uma feijoada e ouvir John Coltrane fase A Love Supreme ou até a new age de Enya. Ou, então, escutar o samba enredo da “Unidos de sei lá o quê” num restaurante cool noturno. Seria delicioso também furar os tímpanos com Olho Seco e Napalm Death num estabelecimento especializado em comidas naturais. Ou, transportando a idéia para o ramo de vestuário, adoraria ser atendido na loja de óculos escuros Chilli Beans por um vendedor sem tatuagem, com corte de cabelo tradicional e, de preferência, trajando terno e gravata.

Talvez o mundo se tornasse melhor se não fosse tão compartimentado – concluo eu.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Vem do clássico?


Quando comecei a tocar guitarra, uma discussão recorrente entre meu grupo de colegas de escola era se nossos ídolos tinham ou não uma formação musical erudita. Então, no meio de um debate sobre determinada banda, era comum surgir a velha pergunta: — Vem do clássico? Se a informação fosse positiva, o artista ganhava imediatamente moral entre a galera, virando um exemplo a ser seguido.

Essa credibilidade conferida aos que “vinham do clássico” tinha muito a ver com a própria moda da época, quando estavam em voga músicos virtuosos — ou punheteiros, na visão dos detratores — como os guitarristas Yngwie Malmsteen, Steve Vai e Joe Satriani. Além disso, servia para provar para nós mesmos que não estávamos seguindo o caminho de uma sub-música, o “limitado” rock, como apostava a maioria de nossos pais.

Bom, mas o fato é que essa formação erudita povoava as nossas mentes e nos incentivava a nos tornarmos instrumentistas cada vez mais técnicos. No meio das conversas, era comum surgirem lendas, como a de que Steve Vai, quando começou, almoçava tocando guitarra ou que Neil Peart, baterista do Rush, segurava uma moeda na parede somente com o rufar de suas baquetas. Isso sem falar na vídeoaula — essa, real — em que o guitarrista Paul Gilbert, do Mr. Big, acoplava a sua palheta a uma furadeira, para mostrar o quão rápidos eram os seus dedos. Sim, a concorrência era duríssima e teríamos que ralar muito para chegar lá.

Hoje, olhando para trás, sei que 90% dessa conversa era puro produto da adolescência. No entanto, por incrível que pareça, a questão relativa à educação musical dos artistas ainda tem sua relevância. Até porque, mesmo que não defina exatamente a qualidade de suas obras, delimita parte do caminho seguido por esses músicos.

Talvez para quem não toque um instrumento seja mais difícil de perceber, mas, para quem é músico, dá para ver quando o cara tem formação clássica: a sua música, de alguma forma, parece melhor conectada, com progressões que “denunciam” sua origem. É como o escritor que sabe bem as regras gramaticais de sua língua: a pontuação aparece no lugar certo, o texto é limpo e sem redundâncias.

Antes que me acusem de tradicionalista, vale ressaltar novamente que essa erudição não é, de forma alguma, sinônimo de qualidade, a qual tem mais a ver com talento e dedicação. Mas, por exemplo, peguemos a banda mais famosa da história, os Beatles: dá para notar que Paul McCartney tem uma formação musical mais refinada que John Lennon, o que faz com que suas músicas sejam, em geral, mais assobiáveis, mais orquestráveis até. A força de Lennon está claramente nas palavras, embora também fosse um ótimo e sensível melodista.

Outros exemplos de roqueiros que vêm do clássico: Brian Wilson, Billy Joel, Rufus Wainwright, Elton John, Freddie Mercury, Matthew Bellamy (do Muse). Eu chutaria que os noruegueses do A-ha e os suecos do Cardigans e do ABBA também têm um pé no clássico, pelo jeito como constroem suas músicas e pela própria tradição nórdica de música erudita. Seria óbvio eu falar dos grupos progressivos e de alguns segmentos de heavy metal melódico também, mas aí a coisa está muito evidente, pois a herança clássica faz parte do próprio discurso desses estilos. O interessante, na minha visão, é notar como essa influência erudita aparece de forma sutil — e, portanto, sem tantas firulas — em canções pop.

Sutileza, aliás, é a palavra-chave para se notar que, às vezes, o refinamento não está numa canção pretensamente rebuscada e cheia de acordes do Ed Motta (um falso erudito, com formação “das ruas”), mas numa base simples ou num solo de guitarra do Olga, do Toy Dolls (esse sim, um cara de formação clássica, camuflado de punk).