Este espaço foi criado para a exposição de alguns pensamentos sobre música e outros assuntos do cotidiano.
sexta-feira, 11 de setembro de 2009
A admirável arte de fazer tudo igual
Uma das características mais admiráveis na Música – e nas Artes, em geral – é a versatilidade. Além de revelar as ferramentas dominadas pelo artista, ela denota-lhe um certo refinamento intelectual, uma espécie de prova de que sua obra é fruto do acesso e amadurecimento de diversas referências.
No rock, como não poderia deixar de ser, a diversidade também é muito celebrada. Basta olhar para a banda mais famosa da história, The Beatles, que teve recentemente suas canções lançadas no videogame Rock Band: com uma destreza e bom gosto fenomenais, os Fab Four iam do rock’n’roll mais clássico (Back in the USSR) ao country (I’ve Just Seen a Face), do experimentalismo (Revolution 9) ao primórdios do heavy metal (Helter Skelter), da balada romântica (Michelle) ao blues rasgado (Why Don’t We Do It In the Road). Ouvir, portanto, um disco dos Beatles é como caminhar por diversos ambientes, cada um com peculiares paisagens - e, certamente, os jogadores de Rock Band terão que ralar para dominar cada um desses recantos.
No entanto, o mesmo rock que abriga a valorização da versatilidade, estranhamente também abre espaço para o enaltecimento do seu extremo oposto: a repetição. E, neste nicho, surgem alguns dos mais interessantes músicos do gênero, que, simplesmente, viraram as costas para a diversidade de referências e resolveram optar por um único e retilíneo caminho, sem desvios ou encruzilhadas.
Talvez o primeiro artista de “rock igual” da história seja o inigualável Chuck Berry. Quem nunca ouviu o riff inicial de alguma música de Chuck Berry e achou erroneamente que era Johnny B. Goode que atire a primeira pedra. Eu confesso que, na primeira vez que assisti ao documentário Chuck Berry, o Mito do Rock (Hail! Hail! Rock’n’Roll, em inglês), em 1990, achava que todas as músicas desaguariam em Johnny B. Goode. Mas, para minha surpresa, os refrões eram (levemente) diferentes. Demorei para sacar a genialidade de Chuck Berry no meio daquele mar de riffs “johnnybgoodianos”.
Outros gênios na arte de fazer tudo igual são os punks novaiorquinos do Ramones. Lembro até hoje de quando comprei o disco Rocket to Rússia (1977) no formato cassete: estava gostando muito das músicas e, em especial, da última do lado A, We’re a Happy Family. Quando mudei a fita de lado, fiquei bastante surpreso ao sacar que a primeira música do Lado B, Teenage Lobotomy, tinha o riff quase igual. Depois, fui notar que os Ramones eram simplesmente mestres em se auto-plagiar. O mais intrigante nessa história é que a tal repetição não ameaçava nem um pouco o moral que a banda tinha entre seus fãs – talvez até o reforçasse.
Ainda na seara do punk rock/hardcore, vale também ressaltar outro grupo bem interessante: os finlandeses do Rattus. Lembro até hoje da sensação de ouvir um disco do Rattus pela primeira vez, no final dos anos 80: a música de abertura tinha um refrão com a sonoridade parecida com a palavra “muslabu”. A segunda música, por sua vez, era muito parecida com a primeira, mas o refrão caía em algo como “muslabu vã”. Ou seja, quase tudo igual, com exceção do fonema “vã” — que, em finlandês, deve significar algo como “E vou matar sua mãe” ou “E lhe esfaquearei pelas costas”.
Caminhando rumo ao hard rock, nos deparamos com os australianos do AC/DC, uma das bandas mais de macho da história. Eu sempre pensei em como deve ter sido difícil o primeiro dia de emprego do atual baterista do AC/DC. O Angus Young, guitarrista e um dos líderes da banda, deve ter chegado para o “batera” e falado: — A batida é assim ó, “pá-pum-pá-pum-pá-pum”. E o baterista deve ter perguntado: — De que música? E, no meu diálogo imaginário, Angus respondeu: — Como assim “de que música”? É de TODAS as músicas, meu irmão.
Piadas à parte, o mais legal desses artistas talvez seja a despretensão de estar sempre inventando a roda. Se, por um lado, a maioria deles perde no quesito versatilidade, acaba ganhando muitas vezes em coerência. Tenho um colega que afirma não gostar de ter surpresas ao ouvir uma música. Na visão dele, o prazeroso é saber onde os acordes de uma canção vão parar, sem muitos solavancos no percurso. É uma visão no mínimo curiosa, mas que demonstra muito do prazer de se ouvir, sem pretensões, um bom e velho rock’n’roll. Além disso, em tempos de Rock Band, fica muito mais fácil decorar as partes das músicas e tirar onda com os amigos.
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Pinduca, já jogou Rock Band? Semana que vem compro o dos Beatles, me amarro demais.
ResponderExcluirSobre um músico ou banda buscar novos caminhos ou manter uma linha única pra mim não faz muita diferença desde que o trabalho seja honesto, ou que ao menos me pareça honesto. Gosto de algumas bandas que ficam se "repetindo" disco após disco, sempre buscando uma ou outra nuance, melhorando o que fizeram anteriormente ou de outras que vão se reinventando no caminho. Só vejo problema quando as boas idéias (de uma mesma coisa ou de coisas novas) se esgotam.
Abraço,
Victor
Fu,
ResponderExcluirPenso muito parecido com você: o importante é que a música seja honesta e com boas idéias, independente de qualquer versatilidade.
abç.
li só o titulo, depois você confirma se o meu comentario tem a ver com o texto, ...
ResponderExcluirmas eu acho os EMOS diferentes.
Zuza! Concordo, Offpring, Operation Ivy, Pennywise e Genghis Khan, estao no time? Mulsabu vã!
ResponderExcluirPedro: Os Emos são diferentes, mas comungam das mesma ruindade musical e do péssimo gosto para o corte de cabelo (rs).
ResponderExcluirZazo: Eu só não coloquei a galera do hardcore melódico no texto por falta de espaço. Também faltou falar do Jorge Ben(jor). Quanto ao Genghis Khan, só conheço as músicas "Comer Comer" e "Genghis Khan"... Então, nem consigo emitir uma opinião sobre a "obra" deles.
Fu: Esqueci de dizer no comentário anterior que já joguei Rock Band, sim. Sou ruinzão.
Abraços a todos.
Plus ça change, plus c'est la même chose.
ResponderExcluirValeu, pinduca! O post foi excelente especialmente porque fala de uma divindade que ainda habita este plano: Chuck Berry.
Bjs,
Débora
pinduca. preciso falar contigo. me manda um mail com o seu tel,pliss. tenho que escrever um texto sobre o maskavo pra ontem!!!!!!!
ResponderExcluirZeca, não achei o teu e-mail na minha caixa atual. Pega o meu aí: carlos.pinduca@gmail.com .
ResponderExcluirAndré: Valeu pela participação. Me amarro em Chuck berry também, uma talento na guitarra e um gênio das métricas.
abs.