

Ontem, fiquei incomodado ao me deparar com a revista dominical encartada no jornal O Globo. A matéria principal tratava dos 40 anos do álbum Abbey Road, dos Beatles, com a capa trazendo a seguinte manchete: “Clube da Esquina - nos 40 anos de ‘Abbey Road’, último e MELHOR disco dos Beatles, o culto à capa mais reproduzida da História, em discos, filmes, clipes, anúncios e, claro, revistas”. O que mexeu com os meus brios foi a afirmação, ali na capa, sobre a supremacia do último álbum gravado pelos Beatles em relação aos anteriores. Ora, quem acompanha um pouco as publicações especializadas em música sabe que não existe consenso sobre qual o melhor disco dos quatro rapazes de Liverpool, nem mesmo em relação ao melhor álbum da história da música pop.
Neste tempo em que acompanho as sempre questionáveis eleições de melhor álbum da história, promovidas por veículos especializados (Rolling Stone, MOJO, UNCUT, NME, MTV, etc), já vi vários discos ocupando o alto do pódio: Sgt. Pepper’s Lonely Heart Club Band e Revolver, dos Beatles; Pet Sounds, do Beach Boys, What’s Going On, do Marvin Gaye e até Exile on Main St., dos Rolling Stones. Sinceramente, não me recordo de ter visto Abbey Road levantando o caneco de melhor álbum (nem da História nem dos Beatles).
Resolvi dar, então, uma lida na matéria, para ver se encontrava uma justificativa para aquela afirmação contida na capa da revista. O que achei foi um texto - pouco informativo, diga-se - sobre a parte gráfica do álbum Abbey Road, assinado pelo designer Felipe Taborda, acompanhado de um box, no qual o jornalista musical Antônio Carlos Miguel fala sobre a importância do último disco dos Beatles e sua gestação a partir de divergência musicais e de uma disputa de egos entre John Lennon e Paul McCartney. O experiente crítico do O Globo começa o texto exatamente com a frase: “MELHOR DISCO DOS BEATLES, Abbey Road prova que a arte pode se beneficiar de tensões” (...).
Pelo que conheço (apenas como leitor) de jornalismo cultural, a crítica é o espaço mais aberto para a expressão de opinião do jornalista. Mesmo assim, acredito que seja perigoso emitir uma opinião tão contundente sobre uma obra que já se tornou clássica - e na qual, como disse, não há consenso sobre a superioridade de um disco em relação aos outros. Numa comparação grosseira, é como se um crítico de arte dissesse que a Mona Lisa é o melhor quadro de Leonardo da Vinci. Bem, você pode dizer que La Gioconda é a obra mais popular, a mais enigmática, sei lá, mas dizer que é a MELHOR soa bem esquisito.
Pior ainda é o editor da revista reproduzir essa linha opinativa num espaço não reservado para isso, que é a capa da publicação. Aí a coisa degringola de vez, pois o leitor menos informado não tem nem como “se defender” desse juízo de valor. A sorte é que música não é algo levado muito a sério e deslizes (ou desleixos) como esse não cortam a cabeça de ninguém.
PS: Para completar o meu estranhamento com grandes veículos da comunicação, hoje tive o desprazer de ler na capa da Folha de São Paulo a seguinte chamada: 94% acham que os TEENS de hoje bebem demais. Na boa, não sou nenhum defensor fervoroso e purista da Língua Portuguesa, mas por que a opção de trocar a palavra “adolescentes” por TEENS? Poderia ser problema de espaço, mas olhando para a página, não me parece ser isso. Talvez o editor da capa não quisesse repetir a palavra jovens, que já aparece em uma chamada anterior. Mas, para mim, nada justifica colocar a palavra TEENS como sinônimo de adolescentes ou jovens na capa de um jornal de grande circulação.