

Cor preferida, animal preferido, roupa preferida, comida preferida. As pessoas costumam eleger de forma muito particular suas predileções. Com a música, não é diferente. Vez ou outra, ouço amigos comentarem sobre alguma canção que anda fazendo a cabeça deles. A partir daí, começam a promover uma espécie de campanha em prol da sua candidata, mostrando o porquê de ela merecer ser eleita a melhor música de todos os tempos – ou, ao menos, do momento. São explanações que até soam como racionais, por se basearem em teorias musicais e fatos históricos, mas que, no final das contas, acabam revelando uma escolha quase que meramente emotiva.
Na verdade, o que aprendi ao longo dos anos é que escolher uma música preferida tem o processo bastante parecido quanto o de se apaixonar por alguém: você já tem critérios pré-estabelecidos em mente - gosta de louras, morenas, ruivas? Gosta de hardcore finlandês, pop-retrô fofo escocês, stoner rock californiano? - que podem até dar um caminho, mas não chegam a definir a sua escolha. E, assim como o nascimento de uma paixão, geralmente o amor por uma música vem quase por acaso, num momento em que os sentidos se vêem inesperadamente aguçados por estímulo sonoro arrebatador. Quando você menos espera, já está caído de quatro por uma canção.
Ainda lembro quando me “apaixonei” pela música Killing na Arab, do The Cure, no início de 1986. Estava começando a gostar de rock, mas conhecida poucas bandas: além das brasileiras de sucesso, só tinha visto pela TV os grupos internacionais que participaram da primeira edição do Rock’n’Rio no ano anterior e também sabia quem eram U2 e Dire Straits, porque estavam bombando nas rádios. Ah, e tinha medo do Kiss, porque eles vieram ao Brasil em 1983 e, além de serem mascarados, havia o boato de que pisavam em pintinhos no palco.
Voltando a Killing an Arab, lembro de ouvi-la pela primeira vez numa fita gravada pelo meu irmão. Fiquei de cara com aquela sonoridade arabesca do solo de guitarra, com o jeito esquisito de cantar do vocalista Robert Smith e com a agressividade causada pelo ataque no prato da bateria a cada mudança de acorde. Passei, então, a perseguir tudo o que havia por trás daquela canção: comprei a coletânea Standing On the Beach, pedia para colocarem a música nas festinhas que ia e até cheguei, mais tarde, a ler o livro O Estrangeiro, de Albert Camus, que inspirou a letra.
Assim como a música do The Cure, fui me atraindo perdidamente por outras canções ao longo da minha vida. A esquisita Add it Up, do Violent Femmes, foi uma que quase estourou as caixas de som da casa dos meus pais, assim como It’s Up to You and Me, do Agent Orange. E o que dizer de Stir it Up, de Bob Marley, com sua linha de baixo simples e genial? Essa rodou muitas vezes pela vitrola e pelo tape do meu 3 em 1. Gratitude, dos Beastie Boys, foi outra que chacoalhou minha mente por algum tempo, assim como I Zimbra, do Talking Heads, Going to Califórnia, do Led Zeppelin, Blue Sky, do Allman Brothers e God Only Knows, do Beach Boys, entre outras.
Para não ficar só nas velharias, vale dizer que fiquei muito de cara quando ouvi as africanidades de Mansard Roof, do Vampire Weekend. Também não passei incólume à macheza de The Lost Art of Keeping a Secret, do Queens of the Stone Age, e ao lado cool loureediano de Modern Age, do Strokes. Fiquei ainda bastante impressionado com o riff de guitarra de This Fire, do Franz Ferdinand, e a doçura e riqueza instrumental de Rebellion (Lies), do Arcade Fire. Outra música que me contagiou foi a levada pulsante do superhit Hey Ya!, da dupla Outkast.
O interessante é que essa empatia não se dá apenas com hits. A música do The Clash preferida do meu irmão, por exemplo, é Ghetto Defendant, um lado B do não muito valorizado disco Combat Rock. Outra exemplo: um grande amigo meu não liga seu amplificador de baixo sem tocar a linha de Journey to the End of the East Bay, contida no álbum ...And Out Come the Wolves, do Rancid. Tenho ainda um outro amigo que costumava ouvir infinitas vezes, num movimento de play e rewind do toca-fitas de seu carro, a música Have Love, Will Travel, da banda garageira de Seattle The Sonics. E, por fim, vale lembrar de um grande amigo baterista que, sempre que atua como DJ, não deixa de colocar a música Jump Around, do House of Pain.
O engraçado é que, nesse processo de troca de idéias e convivência com os amigos, fica quase impossível ouvir determinadas músicas sem associá-las a seus admiradores. Lembro, por exemplo, até hoje de um surfista pernambucano que tinha a música Children of the Revolution, do T-Rex, como preferida - ele gostava da versão do Violent Femmes, presente no álbum “The Blind Leading the Naked”. Não que eu fosse muito chegado do cara, mas, por algum motivo, aquela escolha musical é que me marcou. De uma maneira curiosa e muito peculiar, essas canções prediletas acabam ajudando a traçar um perfil de seus próprios fãs.
E você, qual é a sua música favorita?