Sabe aqueles artistas que você assiste na TV e acha que nunca vai ter a oportunidade de ver de perto? Pois bem, talvez por um complexo terceiro-mundista, sempre achei que existia uma espécie de abismo entre mim e as grandes bandas internacionais das quais era fã. Parte dessa visão, certamente, se deve ao contexto no qual comecei a gostar de rock: os inflacionários anos 80, época de desvalorização da moeda nacional, em que até a vinda ao Brasil (diga-se, para o eixo Rio-São Paulo, com raras exceções) de bandas do segundo escalão, como Gene Loves Jezebel e Mighty Lemon Drops, era motivo de comemoração.
O passar dos anos – e dos planos econômicos – me mostrou que às vezes esses músicos internacionais podem estar mais próximos do que imaginamos. E, quase que num golpe do destino, oportunidades inusitadas de assisti-los aparecem em nossas vidas, de forma bem menos glamourosa do que poderíamos supor. O tal abismo, subitamente, se torna um minúsculo buraco na terra, a ponto de constranger o fã que sempre se acostumou a ver seu ídolo muitos degraus acima do seu humilde patamar.
Brasília, no último final de semana, abrigou dois casos emblemáticos de shows internacionais em lugares, digamos, peculiares. A banda nova-iorquina Living Colour se apresentou na última sexta (14), no Cine Drive In, local que, como o próprio nome entrega, nunca foi muito tradicional nem adequado para eventos musicais. Se, por um lado, o show arrebatador fez lembrar a competência da banda em seu auge, o pequeno público presente – eu chutaria umas 200 pessoas – contrastava com os tempos em que o grupo de funk metal americano tinha moral com a crítica e se apresentava para grandes platéias ao redor do mundo. Para se ter uma idéia, a primeira vez em que o Living Colour veio ao Brasil foi para tocar na edição de 1992 do festival Hollywood Rock. No último dia 14/5, porém, a outrora popular banda tocava para meia dúzia de gatos pingados, numa espécie de buraco underground brasiliense.
Outra situação inusitada foi apresentação do guitarrista sexagenário Johnny Winter no sábado (15), no aniversário de 25 anos do Ferrock, festival que aconteceu na cidade-satélite de Ceilândia, a 26 km de Brasília. Tratava-se da primeira vez que a lenda da guitarra fazia turnê pelo Brasil, mas acredito que poucos fãs brasilienses do guitarrista preveriam que a oportunidade de assisti-lo seria nos arredores da Capital Federal – e ainda mais, por apenas 2 kg de alimento como entrada. O balanço do evento acabou sendo bastante modesto também: apenas cerca de 500 pessoas consideraram válida a troca de alimentos por ingresso para ver o grande ídolo do blues, que chegou a dividir o palco com Jimi Hendrix.
Não foi a primeira vez que eventos peculiares como esses aconteceram em Brasília. No começo desta década, o ex-guitarrista do The Police, Andy Summers, se apresentou ao lado do jazzista brasileiro-argentino Victor Biglione na praça de alimentação do Conjunto Nacional, shopping popular de Brasília, situado ao lado da Rodoviária. Vejam bem: Andy Summers foi integrante de uma das bandas mais famosas dos anos 80, tendo a oportunidade de se apresentar nas grandes arenas do mundo. E, de repente, o ex-The Police estava tocando na praça de alimentação – permitam-me repetir: PRAÇA DE ALIMENTAÇÃO – do shopping cuja elite brasiliense evita freqüentar. Se o som de Summers e Biglione não fosse considerado hermético, diria que o caso do guitarrista do Police seria de extrema decadência. De qualquer forma, é no mínimo engraçado ver o show do ex-parceiro de Sting circundado pelo McDonalds, pela loja de CDs Discodil e pelo restaurante Torre de Pisa.
Indo para uma seara bem mais alternativa, a banda norte-americana Fugazi fez dois shows no Teatro Garagem, em meados dos anos 90. OK, o grupo-símbolo da resistência punk/indie ao mainstream estava acostumado a tocar em locais pequenos, mas não deixa de impressionar o fato de aquelas apresentações em Brasília contarem com um público tão reduzido - se bem me lembro, o preço do ingresso estava salgado à época, o que colaborou para esse fracasso de bilheteria-, a ponto de os presentes começarem a pedir músicas para o líder da banda, Ian MacKay. Realmente, naqueles tempos áureos do grunge, nunca se imaginou assistir de uma forma tão exclusiva a uma banda de renome da cena underground como o Fugazi.
Poderia enumerar outros vários exemplos de shows em que os artistas internacionais acabaram se aproximando bem mais do que qualquer fã brasileiro poderia esperar. Da lista rápida que elaborei, lembrei-me das apresentações: da banda franco-espanhola Mano Negra no Gate’s Pub (DF); do ex-vocalista do Iron Maiden, Paul Dianno, no pub UK Brasil (DF); da líder do Pretenders, a vocalista-ativista Chrissie Hynde, fazendo participação especial no show da Orquestra Imperial, no Circo Voador (RJ); do surfista-cancioneiro Jack Johnson nas areias do Posto 9, em Ipanema (RJ); dos grunges seminais do Mudhoney tocando em uma roda de violão com os membros da banda pernambucana Supersoniques na praia de Serrambi (PE); do baixista inventor da técnica slap, Larry Graham, fazendo uma ponta no show do jazzista Stanley Clark, no Teatro Nacional (DF); das milhares de vezes em que os ídolos da disco music Gloria Gaynor e Billy Paul vieram ao Brasil, tocar em diversos lugares de gosto bastante duvidoso.
Portanto, se você é fã de alguém muito famoso hoje em dia, não desanime: num futuro próximo, é bem capaz de você estar assistindo a um show do Bono Vox ou do Thom Yorke bem de perto, num local não muito valorizado de sua cidade.