

No último sábado (17/4), o cantor e compositor norte-americano
Jonathan Richman, ex-líder do
Modern Lovers, se apresentou no
Circo Voador, tradicional espaço de shows do Rio de Janeiro. A apresentação era cercada de espectativa por boa parte dos fãs brasileiros de música alternativa , por se tratar da primeira visita de
Richman ao País. Para quem não conhece, o
Modern Lovers, banda formada no início dos anos 70 na cidade de Boston (EUA), está na base da árvore genealógica do
punk rock, influenciando artistas das mais variadas sonoridades e magnitudes: de
Ramones a
U2; de
Talking Heads a
Sex Pistols e
The Clash; de
Blondie ao
indie rock moderno. Além disso,
Richman é aquele cancioneiro que narra a — e aparece cantando na — comédia arrasa-quarteirão "
Quem vai ficar com Mary?", dirigida pelos irmãos Farelly em 1998.
Em contraponto à notoriedade da atração da noite, apenas umas 50 pessoas estiveram presentes no show de
Jonathan Richman — acompanhado do baterista
Tommy Larkins — no
Circo Voador. De passagem pelo Rio, eu estava entre os "felizardos" que puderam conferir uma apresentação que, de tão intimista, ganhou imediatamente uma aura de clássica. Afinal, não é todo dia que se pode assistir de perto e de forma tão exclusiva uma figura de tamanha relevância para a história do rock. Para se ter uma idéia, em determinado momento o público começou a pedir músicas para
Richman, que ficava decidindo qual pedido deveria atender. O ídolo punk estava ali, do nosso lado, tão tocável e real quanto uma banda iniciante de uma cidade do interior.
A despeito dessa aura clássica, o único problema foi a qualidade musical do show: abaixo da média. O que se via ali em cima do palco era quase uma improvisação, com
Richman puxando uma música no seu violão de nylon e
Larkins tentando acompanhá-lo na bateria. Em determinados momentos, o ex-líder do
Modern Lovers se afastava do microfone para dançar ou tocar percussão, impedindo que os espectadores ouvissem tanto o som do violão quanto o de sua voz. Obviamente, quem conhece a carreira solo do cantor sabe que o esquema é mais ou menos esse, mesmo: meio largado musicalmente, com foco nas letras e na performance tresloucada de
Richman. De qualquer forma, não é muito interessante ver um cantor mudar, no meio da música, o tom de uma composição de sua autoria, como se a estivesse tocando errado até aquele momento. Esse lapso (ou faz parte do show?) não aconteceu uma vez apenas, mas várias. Cheguei a ouvir
Richman, durante uma canção, falar consigo mesmo ao microfone:
— A little bit higher (traduzindo:
Um pouco mais alto) — para , a partir daí, subir em um tom a canção, para que ficasse mais adequado à sua voz.
Ao longo do show, muitos pensamentos me vieram à cabeça. O primeiro foi: — Será que as pessoas presentes na platéia gostariam daquelas composições, caso não soubessem que elas eram do ícone
Jonathan Richman? Tipo assim: se o pai de um fã de
indie rock lhes desse de presente um CD com aquelas canções meio latinizadas (algumas são cantadas em espanhol, italiano e francês), sem contar quem era o seu compositor, talvez a maior parte do público achasse aquilo meio esquisito. Também criei uma conversa imaginária com
David Byrne e
Jerry Harrison, ex-integrantes do
Talking Heads (banda chapa dos
Modern Lovers), em que eu começava assim: -
Fui a um show de Jonathan Richman no Brasil e achei meio estranho. E um dos ex-membros do
Talking Heads responderia: -
Haha. Richman surtou nos anos 70 e ainda não voltou à normalidade. Às vezes, até me preocupo com ele. Minha terceira elocubração (como arremedos de conclusão) daquela noite foi pensar em como as super produções, de uma
Beyoncé ou uma
Madonna da vida, muitas vezes são importantes, mesmo que em alguns casos possam recair em certa frieza. Afinal, a partir do momento em um artista sobe ao palco, ele assume uma espécie de compromisso com o público de lhe conceder um espetáculo ou, ao menos, entretenimento. O
punk rock (e o próprio
Richman) quebrou esse padrão
mainstream, mas, às vezes, é saudável recorrer a ele, só para dar uma equilibrada no excesso de largação e informalidade na relação público x artista.
Diante de tantos questionamentos em meio a um evento de público reduzido, senti-me impelido a baixar a cabeça sempre que tinha vontade de bocejar durante o show, para não "ferir os sentimentos" de
Richman. Tudo bem que nos momentos em que tocou hits de sua carreira solo e dos
Modern Lovers, como
Pablo Picasso,
I Was Dancing in the Lesbian Bar e
She Cracked (ele não tocou o grande sucesso
Roadrunner), a coisa até deu uma esquentada. Mas, na maior parte do tempo, o que prevalesceu foi algo aquém de uma apresentação aceitável do ponto de vista musical. Certamente, outros espectadores hão de discordar da minha opinião meio conservadora, até porque
Jonathan Richman sempre simbolizou a figura do anti-herói. A postura de ser contra — ou, simplesmente, não ligar para — o sistema começa um pouco nele e nos
Modern Lovers e, mesmo com todas essas...digamos...deficiências sonoras, o show desse sábado no
Circo Voador foi, no mínimo, singular - provavelmente, "o mais singular" de toda a minha vida.
Essa dificuldade de "entender" apresentações históricas e clássicas me remete ao show que o
Nirvana fez no Brasil, em 1993, no
Hollywood Rock. Compareci à apresentação do grupo de
Kurt Cobain na Praça da Apoteose, no Rio de Janeiro, certamente uma das mais emblemáticas que já presenciei na vida:
Cobain rastejou no palco, cuspiu para as câmeras de TV, ironizou o patrocinador do festival e ainda colocou seu "bilau" para fora da calça. De qualquer forma, não foi um dos melhores shows, no sentido musical da coisa, a que assisti na vida. Em certo momentos, devo confessar, achei-o até entediante. Umas das minhas lembranças mais fortes desse dia é a de
Flea, baixista do
Red Hot Chilli Peppers, tocando um trumpete muito chinfrim e fora do tom no hit "
Smell Like Teen Spirits" - o que, obviamente, estragou a música.
Na saída do show do
Nirvana, lembro-me de conversar com um crítico musical do jornal
O Globo, que, empolgado, disse acabar de sair de uma apresentação clássica. Meio desanimado, eu discordei dele, sem entender como um show sem qualidade musical poderia ser considerado tão histórico assim. Hoje, depois da morte de
Cobain, e, principalmente, após um punhado de shows nas costas (como espectador e músico), compreendo melhor a visão daquele jornalista. De fato, nem sempre é a música que define o grau de importância de um show. De qualquer forma, talvez por uma falta de noção histórica, ou um excesso de compromisso com a música, ou mesmo uma posição mais conservadora diante da vida, ainda trocaria um par de apresentações históricas por um mero show ordinário, mas bem acertado musicalmente.