quinta-feira, 20 de maio de 2010

Tão longe, tão perto


Sabe aqueles artistas que você assiste na TV e acha que nunca vai ter a oportunidade de ver de perto? Pois bem, talvez por um complexo terceiro-mundista, sempre achei que existia uma espécie de abismo entre mim e as grandes bandas internacionais das quais era fã. Parte dessa visão, certamente, se deve ao contexto no qual comecei a gostar de rock: os inflacionários anos 80, época de desvalorização da moeda nacional, em que até a vinda ao Brasil (diga-se, para o eixo Rio-São Paulo, com raras exceções) de bandas do segundo escalão, como Gene Loves Jezebel e Mighty Lemon Drops, era motivo de comemoração.

O passar dos anos – e dos planos econômicos – me mostrou que às vezes esses músicos internacionais podem estar mais próximos do que imaginamos. E, quase que num golpe do destino, oportunidades inusitadas de assisti-los aparecem em nossas vidas, de forma bem menos glamourosa do que poderíamos supor. O tal abismo, subitamente, se torna um minúsculo buraco na terra, a ponto de constranger o fã que sempre se acostumou a ver seu ídolo muitos degraus acima do seu humilde patamar.

Brasília, no último final de semana, abrigou dois casos emblemáticos de shows internacionais em lugares, digamos, peculiares. A banda nova-iorquina Living Colour se apresentou na última sexta (14), no Cine Drive In, local que, como o próprio nome entrega, nunca foi muito tradicional nem adequado para eventos musicais. Se, por um lado, o show arrebatador fez lembrar a competência da banda em seu auge, o pequeno público presente – eu chutaria umas 200 pessoas – contrastava com os tempos em que o grupo de funk metal americano tinha moral com a crítica e se apresentava para grandes platéias ao redor do mundo. Para se ter uma idéia, a primeira vez em que o Living Colour veio ao Brasil foi para tocar na edição de 1992 do festival Hollywood Rock. No último dia 14/5, porém, a outrora popular banda tocava para meia dúzia de gatos pingados, numa espécie de buraco underground brasiliense.

Outra situação inusitada foi apresentação do guitarrista sexagenário Johnny Winter no sábado (15), no aniversário de 25 anos do Ferrock, festival que aconteceu na cidade-satélite de Ceilândia, a 26 km de Brasília. Tratava-se da primeira vez que a lenda da guitarra fazia turnê pelo Brasil, mas acredito que poucos fãs brasilienses do guitarrista preveriam que a oportunidade de assisti-lo seria nos arredores da Capital Federal – e ainda mais, por apenas 2 kg de alimento como entrada. O balanço do evento acabou sendo bastante modesto também: apenas cerca de 500 pessoas consideraram válida a troca de alimentos por ingresso para ver o grande ídolo do blues, que chegou a dividir o palco com Jimi Hendrix.

Não foi a primeira vez que eventos peculiares como esses aconteceram em Brasília. No começo desta década, o ex-guitarrista do The Police, Andy Summers, se apresentou ao lado do jazzista brasileiro-argentino Victor Biglione na praça de alimentação do Conjunto Nacional, shopping popular de Brasília, situado ao lado da Rodoviária. Vejam bem: Andy Summers foi integrante de uma das bandas mais famosas dos anos 80, tendo a oportunidade de se apresentar nas grandes arenas do mundo. E, de repente, o ex-The Police estava tocando na praça de alimentação – permitam-me repetir: PRAÇA DE ALIMENTAÇÃO – do shopping cuja elite brasiliense evita freqüentar. Se o som de Summers e Biglione não fosse considerado hermético, diria que o caso do guitarrista do Police seria de extrema decadência. De qualquer forma, é no mínimo engraçado ver o show do ex-parceiro de Sting circundado pelo McDonalds, pela loja de CDs Discodil e pelo restaurante Torre de Pisa.

Indo para uma seara bem mais alternativa, a banda norte-americana Fugazi fez dois shows no Teatro Garagem, em meados dos anos 90. OK, o grupo-símbolo da resistência punk/indie ao mainstream estava acostumado a tocar em locais pequenos, mas não deixa de impressionar o fato de aquelas apresentações em Brasília contarem com um público tão reduzido - se bem me lembro, o preço do ingresso estava salgado à época, o que colaborou para esse fracasso de bilheteria-, a ponto de os presentes começarem a pedir músicas para o líder da banda, Ian MacKay. Realmente, naqueles tempos áureos do grunge, nunca se imaginou assistir de uma forma tão exclusiva a uma banda de renome da cena underground como o Fugazi.

Poderia enumerar outros vários exemplos de shows em que os artistas internacionais acabaram se aproximando bem mais do que qualquer fã brasileiro poderia esperar. Da lista rápida que elaborei, lembrei-me das apresentações: da banda franco-espanhola Mano Negra no Gate’s Pub (DF); do ex-vocalista do Iron Maiden, Paul Dianno, no pub UK Brasil (DF); da líder do Pretenders, a vocalista-ativista Chrissie Hynde, fazendo participação especial no show da Orquestra Imperial, no Circo Voador (RJ); do surfista-cancioneiro Jack Johnson nas areias do Posto 9, em Ipanema (RJ); dos grunges seminais do Mudhoney tocando em uma roda de violão com os membros da banda pernambucana Supersoniques na praia de Serrambi (PE); do baixista inventor da técnica slap, Larry Graham, fazendo uma ponta no show do jazzista Stanley Clark, no Teatro Nacional (DF); das milhares de vezes em que os ídolos da disco music Gloria Gaynor e Billy Paul vieram ao Brasil, tocar em diversos lugares de gosto bastante duvidoso.

Portanto, se você é fã de alguém muito famoso hoje em dia, não desanime: num futuro próximo, é bem capaz de você estar assistindo a um show do Bono Vox ou do Thom Yorke bem de perto, num local não muito valorizado de sua cidade.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Teclado: o "patinho feio" do rock











Antes de ser guitarrista, quase fui um tecladista. Eu sei, essa é uma confissão meio embaraçosa de se fazer para quem hoje empunha o instrumento-símbolo do rock. Mas, nos áureos tempos da minha infância, estimulado pela presença de um pequeno sintetizador Casio VL-Tone em meu lar, cheguei a sonhar em ser uma espécie de novo Jean Michel Jarre (e poder tocar com teclas de raio laser em palcos de todo o mundo). Sorte minha que, em determinado momento da minha trajetória musical, uma guitarra "pau de rato" Jennifer e um pedal de distorção tosqueira caíram em minhas mãos, livrando-me de um futuro de preconceitos e dificuldades dentro do rock.

Sim, porque, se existe um instrumento malvisto no gênero musical criado por Chuck Berry e seus asseclas, esse instrumento se chama T-E-C-L-A-D-O. Não sei exatamente quando tal preconceito surgiu e nem tive muito tempo de pesquisar, mas que atire a primeira pedra quem nunca ficou impaciente com as primeiras notas do solo da versão ao vivo de Light My Fire, do The Doors. — Que saco! Tira essa música chata aê!!! — já ouvi muitos amigos gritarem, torcendo o nariz para as belas notas empunhadas pelo tecladista cool Ray Manzarek. E o que dizer dos longos e virtuosos solos do maestro tecladista Jon Lord, do Deep Purple? Talvez tenham sido os trechos musicais mais xingados e/ou questionados da história do rock, mesmo que, muitas vezes, durassem apenas a metade do tempo das frases palhetadas pelo guitarrista e parceiro de banda Richie Blackmore. Discípulo de Lord, o mago Rick Wakeman foi outro que, por conta de suas longas e intrincadas composições, chegou até a ganhar uma dedicatória-protesto na música Short Songs, dos punks Dead Kennedys, que continha apenas um verso: I like short songs (traduzindo: eu gosto de músicas curtas).

Fazendo uma análise bem superficial, diria que parte do preconceito com os tecladistas se deve, contraditoriamente, à sua rica e tradicional formação musical. Ora, se o rock é um gênero em que a visceralidade e a atitude são muitas vezes mais valorizadas do que a própria música, o teclado acaba sendo um símbolo de caretice nesse universo onde os excessos são idolatrados. E, no próprio palco, convenhamos, enquanto o vocalista, o guitarrista, o baixista e o baterista estão se movimentando e "batendo cabeça", o que está fazendo o tecladista? Tocando sentado — ou em pé, mas parado como um poste —, geralmente, olhando com cara de entediado para os seus parceiros de banda se divertirem. Com tamanha desvantagem em termos de atitude, não há fã juvenil que volte de um show de rock dizendo: — Papai, quero ser tecladista.

Lembro que, na minha adolescência, quando o punk rock estava no topo da minha predileção musical, fiquei super decepcionado ao assistir a um show do The Clash na TV, no qual a banda contava com um tecladista de apoio. O pior é que o cara era filmado exatamente na hora em que suas mãos bailavam do começo ao fim das teclas, demonstrando um virtuosismo incompatível com os meus ideais na época. Lamentei profundamente a presença daquele tecladista em meio aos meus ídolos do The Clash e demorei a perdoar aquela escolha equivocada feita pela minha banda predileta.

Tentando compensar esse lado — desculpem-me o termo — "bundão" do teclado, a indústria de instrumentos musicais até tentou buscar alternativas, como a invenção nos anos 80 do teclado em formato de guitarra, para dar mais mobilidade e "radicalidade" ao instrumentista. No entanto, por ser adotado principalmente por grupos pop (no Brasil, o conjunto Polegar talvez seja o exemplo mais conhecido), o teclado-guitarra logo virou motivo de piada entre os músicos e a própria platéia, o que o levou a cair no ostracismo. Na década seguinte, os integrantes de grupos como EMF e Jesus Jones também tentaram dar uma nova roupagem ao teclado: agora, ele vinha em cores fosforescentes e era jogado para cima durante todo o show, por tecladistas com visual modernoso (para a época). Mas essa nova tentativa de "desencaretar" o teclado também naufragou, haja vista que, em meio a uma excessiva preocupação com a estética, os tecladistas dos grupos EMF e Jesus Jones se esqueciam do básico: tocar o instrumento.

A ascensão da música eletrônica nos anos 90 trouxe o teclado para um novo patamar: o instrumento passou para frente do palco, sendo tocado por componentes tão drog... quer dizer... cool quanto os guitarristas, baixistas e bateristas dos grupos de rock tradicionais. Além disso, os excessos cometidos em termos musicais ao longo das décadas anteriores — solos gigantescos nos anos 70 e timbres emulando (de forma tabajara) instrumentos reais nos 80’s — foram substituídos por execuções mais discretas e espertas. A palavra de ordem passou a ser “camadas”, numa referência às várias gravações de teclado ou sampler presentes em uma música, sempre discretas e criadas para dar um clima na faixa.

Boa parte das bandas de rock atuais já agregam essa nova ordem do teclado concretizada pela música eletrônica. Hoje, a participação do instrumento nas composições é bem mais comedida e o teclado já não representa tanta tradição e caretice como anteriormente. De qualquer forma, boa parte do preconceito ainda persiste e não estranhe se, num belo dia, você estiver ouvindo uma música repleta de teclados e for censurado por amigos, que, simplesmente, não aturam o som desse instrumento tão rico, mas, ao mesmo tempo, tão pouco compreendido no rock.