quinta-feira, 11 de março de 2010

Quando uma música faz a cabeça














Cor preferida, animal preferido, roupa preferida, comida preferida. As pessoas costumam eleger de forma muito particular suas predileções. Com a música, não é diferente. Vez ou outra, ouço amigos comentarem sobre alguma canção que anda fazendo a cabeça deles. A partir daí, começam a promover uma espécie de campanha em prol da sua candidata, mostrando o porquê de ela merecer ser eleita a melhor música de todos os tempos – ou, ao menos, do momento. São explanações que até soam como racionais, por se basearem em teorias musicais e fatos históricos, mas que, no final das contas, acabam revelando uma escolha quase que meramente emotiva.

Na verdade, o que aprendi ao longo dos anos é que escolher uma música preferida tem o processo bastante parecido quanto o de se apaixonar por alguém: você já tem critérios pré-estabelecidos em mente - gosta de louras, morenas, ruivas? Gosta de hardcore finlandês, pop-retrô fofo escocês, stoner rock californiano? - que podem até dar um caminho, mas não chegam a definir a sua escolha. E, assim como o nascimento de uma paixão, geralmente o amor por uma música vem quase por acaso, num momento em que os sentidos se vêem inesperadamente aguçados por estímulo sonoro arrebatador. Quando você menos espera, já está caído de quatro por uma canção.

Ainda lembro quando me “apaixonei” pela música Killing na Arab, do The Cure, no início de 1986. Estava começando a gostar de rock, mas conhecida poucas bandas: além das brasileiras de sucesso, só tinha visto pela TV os grupos internacionais que participaram da primeira edição do Rock’n’Rio no ano anterior e também sabia quem eram U2 e Dire Straits, porque estavam bombando nas rádios. Ah, e tinha medo do Kiss, porque eles vieram ao Brasil em 1983 e, além de serem mascarados, havia o boato de que pisavam em pintinhos no palco.

Voltando a Killing an Arab, lembro de ouvi-la pela primeira vez numa fita gravada pelo meu irmão. Fiquei de cara com aquela sonoridade arabesca do solo de guitarra, com o jeito esquisito de cantar do vocalista Robert Smith e com a agressividade causada pelo ataque no prato da bateria a cada mudança de acorde. Passei, então, a perseguir tudo o que havia por trás daquela canção: comprei a coletânea Standing On the Beach, pedia para colocarem a música nas festinhas que ia e até cheguei, mais tarde, a ler o livro O Estrangeiro, de Albert Camus, que inspirou a letra.

Assim como a música do The Cure, fui me atraindo perdidamente por outras canções ao longo da minha vida. A esquisita Add it Up, do Violent Femmes, foi uma que quase estourou as caixas de som da casa dos meus pais, assim como It’s Up to You and Me, do Agent Orange. E o que dizer de Stir it Up, de Bob Marley, com sua linha de baixo simples e genial? Essa rodou muitas vezes pela vitrola e pelo tape do meu 3 em 1. Gratitude, dos Beastie Boys, foi outra que chacoalhou minha mente por algum tempo, assim como I Zimbra, do Talking Heads, Going to Califórnia, do Led Zeppelin, Blue Sky, do Allman Brothers e God Only Knows, do Beach Boys, entre outras.

Para não ficar só nas velharias, vale dizer que fiquei muito de cara quando ouvi as africanidades de Mansard Roof, do Vampire Weekend. Também não passei incólume à macheza de The Lost Art of Keeping a Secret, do Queens of the Stone Age, e ao lado cool loureediano de Modern Age, do Strokes. Fiquei ainda bastante impressionado com o riff de guitarra de This Fire, do Franz Ferdinand, e a doçura e riqueza instrumental de Rebellion (Lies), do Arcade Fire. Outra música que me contagiou foi a levada pulsante do superhit Hey Ya!, da dupla Outkast.

O interessante é que essa empatia não se dá apenas com hits. A música do The Clash preferida do meu irmão, por exemplo, é Ghetto Defendant, um lado B do não muito valorizado disco Combat Rock. Outra exemplo: um grande amigo meu não liga seu amplificador de baixo sem tocar a linha de Journey to the End of the East Bay, contida no álbum ...And Out Come the Wolves, do Rancid. Tenho ainda um outro amigo que costumava ouvir infinitas vezes, num movimento de play e rewind do toca-fitas de seu carro, a música Have Love, Will Travel, da banda garageira de Seattle The Sonics. E, por fim, vale lembrar de um grande amigo baterista que, sempre que atua como DJ, não deixa de colocar a música Jump Around, do House of Pain.

O engraçado é que, nesse processo de troca de idéias e convivência com os amigos, fica quase impossível ouvir determinadas músicas sem associá-las a seus admiradores. Lembro, por exemplo, até hoje de um surfista pernambucano que tinha a música Children of the Revolution, do T-Rex, como preferida - ele gostava da versão do Violent Femmes, presente no álbum “The Blind Leading the Naked”. Não que eu fosse muito chegado do cara, mas, por algum motivo, aquela escolha musical é que me marcou. De uma maneira curiosa e muito peculiar, essas canções prediletas acabam ajudando a traçar um perfil de seus próprios fãs.

E você, qual é a sua música favorita?

segunda-feira, 1 de março de 2010

Faça o que eles dizem (não faça o que eles faziam)














O rock’n’roll — e a música Pop, em geral — é um gênero artístico em que a mensagem e atitude possuem quase tanta relevância quanto a própria música. Desde o seu início, em meados dos anos 50, quando Elvis Presley chacoalhava o quadril para encantar as jovens e escandalizar os mais velhos, a imagem dos ídolos tem sido cuidadosamente construída, de modo a dar um formato atraente ao produto à venda nas prateleiras das lojas de discos.

Além do apuro estético e da qualidade autoral, é importante que a imagem case com as próprias mensagens proferidas pelos artistas: o cabelo desgrenhado e os óculos escuros do folk Bob Dylan, nos anos 60, caem como uma luva nas canções que pregam a busca por uma liberdade inspirada nos beatniks, assim como as jaquetas pretas de couro alfinetadas e os cabelos espetados dos punks combinam com a agressividade da mensagem pessimista de ‘No Future’ vomitada pelos Sex Pistols no final dos anos 70.

No entanto, nem sempre a imagem que os músicos tentam passar corresponde a sua personalidade. E, nesse caso, se sua atitude dentro dos palcos é quase calculada, fora deles os ídolos costumam se trair, revelando realmente quem são.

Talvez o caso mais famoso de músico com uma imagem meio deturpada seja John Lennon. Mais conhecido por suas mensagens pacifistas, presente em músicas como All We Need is Love e Imagine, Lennon era, na verdade, um sujeito contraditório e meio agressivo, que não hesitava em confrontar quem o ameaçasse. Na famosa entrevista concedida à revista Rolling Stone, em dezembro de 1970, o ex-Beatle — acompanhado da esposa xarope Yoko Ono — atira sua metralhadora verbal para tudo que é lado, criticando a personalidade controladora de Paul McCartney e minimizando o talento de George Harrison, entre farpas a outras personalidades.

O ex-Beatle George Harrison, bastante chegado a filosofias orientais, é outro cujas mensagens presentes nas músicas parecem não corresponder exatamente às suas ações. Se no campo fonográfico, o ex-guitarrista dos Fab Four pregava o desapego material e a busca espiritual - presentes nos discos All Things Must Pass (1970) e Living in the Material World (1973) e nas músicas My Sweet Lord e Give me Love (Give Me Peace on Earth), por exemplo - na vida particular, Harrison era um cara ligado em automobilismo e grana, o que o levou até a escrever a música Taxman (cobrador de impostos, em inglês) em protesto à alta porcentagem de impostos que julgava pagar aos cofres britânicos.

Os artistas de reggae – como Bob Marley, Peter Tosh, Jimmy Cliff e Desmond Dekker - também costumam ser muito associados à luta pela paz e pela justiça. Entretanto, suas biografias revelam uma marginalidade de fazer inveja a qualquer bandido do filme Tropa de Elite. No início da carreira, Bob Marley e seus amigos rude boys — como eram conhecidos os delinqüentes juvenis jamaicanos — simplesmente ameaçavam fisicamente os programadores de rádio que ousavam não tocar suas músicas. Ou seja, uma atitude nada pacifista e rasta, como querem acreditar seus fãs.

Bob Dylan é outro artista contraditório. Se a sua imagem e as letras de suas músicas o fazem parecer o cara mais cool e engajado em causas nobres do Planeta, uma biografia não autorizada do cantor folk chegou a acusá-lo de se aproveitar do namoro com a cantora Joan Baez para alavancar sua iniciante carreira. E o que dizer dos punks? Se, por um lado, criticavam o estabilishment, por outro, o líder do The Clash, Joe Strummer, era um cara preocupado em se tornar famoso e Johnny Rotten, vocalista dos Sex Pistols, já declarou que só estava na música pela grana.

Caminhando rumo à música popular brasileira, também encontramos mensagens que não correspondem muito ao modo de vida dos seus compositores. O caso mais clássico talvez seja o da música Eu Sei que Vou te Amar, de Tom Jobim, com letra escrita por Vinícius de Moraes, que prega um amor “por toda a vida”. Ora, como se sabe, Vinícius era um poeta boêmio e apreciador de uísque, que se casou “apenas” nove vezes. Neste ponto, fica a pergunta: - qual das nove esposas Vinícius teria amado durante toda a vida dele? Outro exemplo notório é o de Chico Buarque, autor de diversas juras de amor que parecem não ser exatamente fiéis ao seu estilo pegador de ser.

Mais do que contradições, o que essas histórias revelam é que a análise da obra nem sempre traz uma radiografia correta da personalidade do artista. E aí fica a pergunta: quando os fãs usam as imagens de John Lennon ou de Bob Marley para pregar a paz, será que as estão utilizando de forma correta e consciente? Ou estariam apenas caindo numa espécie de ilusão criada por eles mesmos, com uma mãozinha da indústria fonográfica?