terça-feira, 20 de outubro de 2009

Yes, We Can














Já notaram que, de vez em quando, rola uma onda de bandas brasileiras cantando em inglês? Eu estava aqui pensando com meus botões e fiz uma associação sem fundo sociológico, mas que pode ter sentido. Essa onda “for export” começa de forma tímida com o esgotamento artístico de uma geração que canta em português e cresce quando um dos grupos que optam pelo inglês faz sucesso no exterior, voltando a diminuir depois que a geração seguinte emerge entoando novamente versos na língua pátria e resgatando valores nacionais.

Deixem eu explicar melhor essa história, pois acho que já presenciei dois ciclos assim. Se não me engano, o Sepultura começou a estourar no exterior em 1987/1988. Antes disso, existiam poucas bandas que cantavam em inglês no Brasil, as quais nem consigo lembrar no momento (acho que os santistas do Harry, os brasilienses do Spigazul e os paulistanos do Maria Angélica Não Mora Mais Aqui, do jornalista Fernando Naporano, são exemplos). O êxito do Sepultura no exterior marca a proliferação no underground brasileiro de diversos grupos, de estilos diferentes, cantando em inglês: Pin Ups, Killing Chainsaw, Low Dream, Oz, Okotô, Second Come, entre outros. O que incentivou essa proliferação, além do esgotamento da geração anterior (Legião, Paralamas, Titãs e Cia., que já começavam a se repetir)? A sensação de que, se o Sepultura pôde, outros brasileiros também poderiam ultrapassar as fronteiras nacionais, num clima que remete à popular e já desgastada frase do presidente Barack Obama: “Yes, We Can”.

O recente estouro do Cansei de Ser Sexy “na gringa” tem um esquema meio parecido com o do Sepultura, com algumas atualizações: antes do CSS, várias bandas independentes já se aventuravam no idioma bretão (Thee Butcher’s Orchestra, MQN, Mechanics, Madeixas, Supersoniques, Maybees, Forgotten Boys, entre outras), mas o êxito de Lovefoxxx & Cia no exterior trouxe a opção pelo inglês para outro patamar. O sucesso de Mallu Magalhães em âmbito nacional e as recentes indicações das bandas Holger e Black Drawing Chalks a categorias relevantes do VMB, da MTV, mostra que, de certa forma, esses artistas estão sendo levados mais a sério. E, novamente, a mídia e o público voltam a apostar as suas fichas na next big thing brasileira.

Numa época em que eu ainda estava vindo ao mundo, na primeira metade dos anos 1970, dizem que vários artistas também faziam essa opção pelo inglês, entre o quais o galã Fábio Júnior - muito antes de imortalizar o bordão “brigaduuuu” no Cassino do Chacrinha - e os atuais sertanejos Chrystian e Ralph. Até que um maluco chamado Maurício Alberto resolveu traduzir o seu nome, literalmente, para Morris Albert e lançar uma música chamada “Feelings”, que acabou estourando mundialmente - sendo regravada, inclusive, meio jocosamente pelo Offspring há alguns anos. Resultado: outros artistas brasileiros também resolveram seguir os passos de Maurício Alberto rumo ao sucesso no exterior. Mas a onda acabou minguando depois que a sorte parou de aparecer para os pretendentes à nova estrela internacional.

A grande questão é se, com a internet e o crescente domínio da língua inglesa pelas novas gerações, o mercado brasileiro vai abrigar mais facilmente as suas bandas que optam pelo inglês, como já acontece nos ditos países socialmente mais avançados, como Suécia, Noruega ou Holanda. Lógico que, mesmo que o progresso social chegue a estas plagas, a nossa situação talvez nunca fique suficientemente semelhante a desses países citados, até porque, em termos de música popular, temos (ou parecemos ter, pelo menos) muito mais tradição do que eles – o que, por conseqüência, talvez gere um certo apego à nossa língua pátria (ou “mátria”, como diria Caetano Veloso na música “Língua). De qualquer forma, dentro do meu universo especulativo e pouco apegado aos métodos científicos, a minha aposta é que, mesmo que o mercado brasileiro não abra espaço igualitário para os dois idiomas no futuro, essas ondas de bandas cantando em inglês provavelmente ficarão cada vez mais constantes e duradouras.

Aguardemos, portanto, as cenas dos próximos capítulos...

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Nas ondas do rádio


Hoje (15), serei o convidado do programa Senhor F 100.9, veiculado às quintas-feiras, das 22h às 24h, na Rádio Cultura FM, de Brasília. O programa é produzido e apresentado pelo editor do site Senhor F, Fernando Rosa, e pelo jornalista Pedro Brandt, e traz em sua programação rock independente brasileiro, novidades internacionais, clássicos e raridades.

Estou quebrando a cabeça para tentar preparar uma seleção musical maneira e que, portanto, não acabe com a credibilidade do programa. Até o momento, já separei Jimi Hendrix, Rachid Taha, Bob Marley, Dream Syndicate, Mudhoney, Buzzcocks, The Slickers, Steely Dan, The Clash, Afghan Whigs e até novidades como The XX, Dirty Projectors e Fleet Floxes (sim, agora eu os conheço e até gosto). Talvez role um bloco de bandas de Brasília também.

Até a hora do programa, pode ser que a escalação mude, saindo uma banda que não esteja jogando tão bem (no meu campo auditivo) para entrar outra, da reserva, em melhor forma (no time do meu coração). Vamos ver o que vai dar.

Como o nome do programa já entrega, a Cultura FM ocupa a freqüência 100.9 do dial. Pela internet, ela pode ser sintonizada aqui.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

O inenarrável prazer de assistir a uma banda péssima


Eu tenho um prazer meio sádico que preciso confessar para vocês. Na verdade, nem sei se é tão sádico assim: talvez esteja mais no ramo das esquisitisses ou, como preferem os psicólogos, idiossincrasias. Ou não. Num mundo tão populoso e moderno, onde as pessoas compartilham hábitos estranhos, como organizar flash mobs ou venerar (a novela mexicana camuflada de seriado norte-americano) Grey’s Anatomy, acho que meus prazeres nem são tão diferentes assim. Bom, preciso confessar-lhes antes que eu perca a coragem. Então lá vai: - Eu adoro assistir a shows de bandas péssimas.

Não sei quando essa mania começou: talvez ela venha da mais tenra idade. Só sei que um dia, já adulto, me toquei de que, simplesmente, estava obtendo quase o mesmo prazer ao assistir uma banda ótima ou outra péssima. A princípio, estranhei. Depois, relaxei e passei a me sentir como naquele antigo jogo da Lotto (ou Sena), em que você ganhava o prêmio se acertasse ou errasse feio todos os números sorteados. E, neste ponto, assim como na velha loteria, não existe meio termo no meu gosto musical: para curtir uma banda, ela tem que ser beeeem legal ou esdruxulamente p-é-s-s-i-m-a. Bandas boazinhas, esforçadas, com algum talento ou meio ruinzinhas não fazem mesmo a minha cabeça. Tem que estar em algum extremo da qualidade musical. Bem, acho que deu para entender, né?

A esta altura, acredito que já tenha gente me classificando como um fã inveterado de cultura trash. Mas acho que a história não é muito por aí, não. Vejam bem, eu não sou daqueles caras que colecionam filmes do Ed Wood, do Afonso Brazza ou do Zé do Caixão. Também não me vejo entre essa galera que curte o visual "zumbi" e som meio The Cramps e outras garageiras mais toscas. Meu lance é outro: eu saio de casa para ver bandas boas, mas, no meio de um festival, acabo assistindo sem querer a um grupo péssimo. Neste momento, passo a gostar tanto – ou, às vezes, mais - do conjunto ruim quanto do outro que fui ver. E aí, aquelas músicas horrorosas não me saem mais da cabeça. Começo a especular como os membros do grupo se juntaram, como surgiram as idéias e inspirações daquelas músicas péssimas e, enfim, como eles tiveram coragem de mostrar aquele resultado tão aquém do que consideramos razoável para o público. Neste ponto, ao invés de me enquadrar na galera trash, talvez sinta até mais sintonia com um cara como Frank Zappa, que gostava de músicas mais elaboradas, mas não pôde passar incólume à grandeza de um The Shaggs – classificado pelo guitarrista doidão como “melhor do que os Beatles”.

Mas o que teriam essas bandas ruins de tão interessante? Por que elas conseguem até arrebanhar - em casos raros, como o The Shaggs - uma legião de fãs? Acho que a grande chave desse mistério talvez esteja num conceito muito conhecido, mas pouco praticado entre os artistas: despretensão. Em alguns momentos, chega a ser um alívio assistir a uma banda na qual os componentes só querem se divertir, tocar para meia dúzia dos colegas de serviço ou impressionar suas namoradas. Mesmo que façam tudo, absolutamente tudo errado, às vezes aquela atitude despretensiosa “cheira a espírito juvenil”, como já disse um maluco lá das bandas de Seattle/Aberdeen. Além disso, muitas vezes os caminhos absurdos escolhidos por esses artistas acabam trazendo algo de inovador para o rock, algo que “a moral e os bons costumes da arte” não conseguem mais captar. O que quero dizer é que, contraditoriamente, às vezes as bandas péssimas carregam consigo o melhor do Rock’n’Roll.

PS: Infelizmente, para não gerar possíveis conflitos, protestos e embaraços, não poderei citar neste texto algumas bandas péssimas (ótimas) que já assisti. Só posso dizer que tem uma que começa com a letra “A”, que realmente era péssima. Também há outra, cujo nome se inicia com “O”, que também era incrivelmente ruim. E o que dizer daquela que se inicia com a letra “F”? Ah, são tantas...

domingo, 4 de outubro de 2009

A falsa luta de classes no Rock’n’Roll











Quando comecei a escutar rock’n’roll, em meados dos anos 80, o mundo ainda era dividido em dois eixos: o socialismo soviético e o capitalismo norte-americano. Talvez por conta dessa polarização política ou pela notória influência marxista na nossa intelectualidade, muito do que era publicado na imprensa ou ensinado nas escolas tendia a trazer em suas entrelinhas uma visão de luta de classes. No mundo da música não poderia ser diferente. Ao comprar as minhas primeiras revistas de rock, estava claro que existiam dois times rivais: os punks, representando a integridade e a revolução a partir de 1977, e o Rock Progressivo, a Disco Music e os seus filhotes pop, defensores do conservadorismo e do lado obscuro da indústria cultural.

Foi dentro desse clima de guerra fria que comecei as minhas incursões no rock. E, do alto da minha pouca capacidade de discernimento juvenil, assim como comemorava nas aulas de História a tomada de poder dos bolcheviques das mãos do Czar Nicolau II na Revolução Russa de 1917, passei a vibrar por qualquer matéria que revelasse a ascendência dos punks na música pop. Na minha cabeça, bandas como The Clash e Sex Pistols haviam aniquilado seus opositores de uma maneira tão eficaz e arrasadora como Stalin fizera na Rússia, a ponto de haver só espaço para o punk e suas ramificações (New Wave, Pós-Punk, Hardcore, etc) a partir do final da década de 70.

Essa visão de luta de classes perdurou na minha mente por algum tempo. Para mim, as coisas eram vistas meio que em preto-e-branco, com um grupo sempre dominando a música pop e não deixando espaço para os dominados. Então, a minha versão da história do rock se construía mais ou menos assim: de 1955 a 1962, o domínio do pop era dos criadores do estilo, a galera do rockabilly; a partir de 1963, os britânicos, liderados pelos cavaleiros dos Beatles, invadiram e dominaram o reino da música pop até mais ou menos 1970 (com o psicodelismo surgindo a partir de 1967); a queda dos Fab Four abriu espaço para o glam rock, o hard rock e a abominável tirania dos progressivos, liderados pelo impiedoso mago Rick Wakeman, até a chegada heróica dos punks ingleses em 1977. Em 1991, depois de um longo reinado da famigerada música pop, os mártires do Nirvana e seus asseclas de Seattle saíram de seu esconderijo underground para destruir o establishment, assim como os punks haviam feito uma década e meia antes. E por aí vai...

À medida que fui ficando mais velho e vivi certas experiências, passei a notar que o desenrolar dos fatos não era tão simples quanto eu imaginava. A história reta e linear foi então abrindo caminho para uma teia mais complexa, que dava espaço mesmo para os grupos não tão em voga lançarem discos legais em períodos de domínio de “rivais”. E, na realidade, a própria idéia de luta de classes – ou estilos, ou gerações - foi ficando para trás, quando vi que os ideais de um e outro grupo não eram tão antagônicos assim – na verdade, às vezes o grupo dominante havia, inclusive, bebido na fonte da geração anterior tão execrada, embora não revelasse. No momento em que tive esse insight, senti-me como participando do o último capítulo do livro Revolução dos Bichos (Animal Farm, em inglês), de George Orwell, só que na versão da música pop: olhando por uma janela, eu podia ver, no interior de uma gravadora, representantes da esquerda e da direita do rock sentados à mesma mesa e não havia mais como distinguir quem era progressivo ou punk.

Esse meu novo sentimento se materializou num texto da revista Mojo, que li no ano retrasado (ou passado, não sei – não consegui achar a revista aqui em casa). Na matéria, o repórter pedia que alguns ícones punk rock inglês – como Johnny Rotten e Glen Matlock, do Sex Pistols, e Captain Sensible, do The Damned, entre outros – citassem e descrevessem bandas dos anos 70 das quais eram fãs, mas não podiam revelar à época do estouro do movimento. Recordo-me de ter visto o Johnny Rotten citar uma banda esquisita de rock progressivo e de alguém (talvez o Captain Sensible ou o Glen Matlock) falar que gostava de Deep Purple. Já vi num documentário também o Johnny Rotten dizer que adorava Alice Cooper antes de se tornar famoso – o que não chega a ser uma grande traição do movimento, mas também traz seu grau de surpresa.

Seguindo essa mesma linha, já vi o pai dos mal-encarados e sujos metaleiros Ozzy Osbourne confessar que seu grande sonho na juventude era ser um pop e bem arrumado Beatle. No documentário sobre a vida de Joe Strummer, The Future is Unwritten (2007), é revelado que o líder do Clash era meio hippie antes de “defender” o partido punk (e deixar de falar com seus ex-amigos doidões do 101’ers). O vocalista dos Ramones, Joey Ramone, também já revelou ter sido glam e andar de sapato de salto alto antes de vestir suas jaquetas de couro pretas. E, aqui no Brasil, quem imaginaria que o metaleiro Andreas Kisser faria um dia turnê como músico convidado dos regueiros e skazeiros do Paralamas do Sucesso?

Ao mesmo tempo, é legal notar que aquela história de que, após 1977, quem deu as cartas foram apenas os punks também é uma grande farsa. Basta olhar a discografia de artistas de outros gêneros no mesmo período: o progressivo Pink Floyd lançou Animals em 1977 e o clássico The Wall em 1979; o Queen lançou News of the World em 1977 e The Game em 1980; o AC/DC lançou Let There Be Rock em 1977 e Highway to Hell em 1979; o rei do pop Michael Jackson lançou o clássico das discotecas Off the Wall em 1979.

Outro ponto interessante é ver a mistura, com o passar do tempo, de músicos de classes pretensamente antagônicas: o ex-guitarrista da banda de disco music Chic, Nile Rodgers, se tornou um dos produtores mais requisitados dos anos 80, trabalhando, inclusive, com artistas que influenciaram ou beberam da fonte do punk rock, como David Bowie, B’52’s e Duran Duran. O vocalista da banda pop/new wave dos anos 80 The Cars, Ric Ocasek, se tornou produtor de importantes discos do rock independente norte-americano nos 90’s: do clássico blue album do Weezer a Do the Collapse, do Guided by Voices, passando ainda por Rock for Light, dos punks rastas do Bad Brains. O stoner rocker Josh Homme, vocalista do Queens of the Stone Age, acabou de produzir o último álbum dos garotos indie punks do Arctic Monkeys. Aqui no Brasil, o roqueiro/blueseiro mainstream Roberto Frejat, do Barão Vermelho, já produziu os punks do Inocentes e, hoje, o plebeu oitentista Philippe Seabra produz bandas independentes de variados estilos, como Bois de Gerião, Beto Só, Los Porongas e Superguidis, e também bandas escancaradamente pop, como as brasilienses Superáudio e Colina.

O mais importante dessa história é sacar que não existem antagonismos da forma que às vezes nos “vendem”. Até hoje, ao ler algumas publicações especializadas em música, sinto vez ou outra uma certa defesa de um determinado estilo ou grupo de artistas em detrimento de outro, como se somente uma galera pudesse produzir boa música. Mais do que fruto de uma luta de classes, talvez a história do rock seja feita de uma troca meio caótica de experiências de artistas dos mais variados backgrounds - e é daí, inclusive, que nascem muitas vezes os novos caminhos. Utilizando uma expressão bem clichê e meio riporonga: o mais legal é se “despir de preconceitos” e ver o que cada música (ou artista) pode trazer de construtivo ou emocionante para a sua vida, seja ela feita por um cara cool como Nick Cave ou , no extremo oposto, por uma estrela do pop, como Kylie Minogue. Afinal, se até os dois astros autralianos de universos tão diferentes já toparam gravar juntos, por que seríamos nós, meros fãs mortais, que ousaríamos separar uniões tão belas e inusitadas como essa?